A Lei da Santa Ignorância
Filipe Aprigliano - Iscas do Apriga -Certa vez Thomas Jefferson disse o seguinte:
“O homem que nunca lê jornais está mais bem informado do que quem os lê assiduamente, assim como o homem que nada sabe está mais próximo da virtude do que aquele cujo espírito está repleto de falsidades e erros.”
Eu sempre fui inclinado a concordar com essa frase, mas nos últimos anos ela ganhou um novo status, que eu chamo de Lei da Santa Ignorância. Você que esta aí achando que eu gostaria de promover a desinformação ou a estultice, tenha paciência.
Sou a favor da virtude, do mérito e da verdade. E se você é daqueles que acredita que tudo é relativo, esse texto foi feito com carinho para a sua pessoa.
Vamos começar pelo desafio nível zero. Classifique por gentileza as afirmações abaixo como verdadeiras ou falsas, não vale usar “depende”, e se ficar na dúvida use a sua intuição. Faça esse esforço pelo bem do nosso relacionamento:
- a mulher é um animal
- a raça é uma característica hereditária
- um conservador é uma pessoa egoísta
- uma criança tem 5 direitos fundamentais
- essa lista está começando a te irritar
Muito bem, tirando o item 5, todos os outros foram meticulosamente selecionados para te fazer sofrer….
- É claro que toda mulher é um animal, mas temos que tomar cuidado para falar das mulheres atualmente.
- A raça enquanto qualidade física é hereditária, mas e as características culturais da raça? E o que acontece se duas pessoas de raças diferentes tem um filho? Seria um híbrido racial? E que tal o fato de que raça é uma invenção histórica ultrapassada e bastante útil para agenda de alguns?
- Um conservador pode sim ser egoísta, mas ele pode ser albino e ter problemas de gastrite também, são coisas do destino que não estão relacionadas.
- Eu não sei quantos direitos fundamentais uma criança tem, eu chutei 5, mas se lhe fossem garantidos pelo menos os mesmos direitos de um adulto seria ótimo. Inclusive, a infância também é uma invenção histórica, houve época em que uma criança era apenas uma pessoa em fase de crescimento.
Toda essa brincadeira é porque eu me considero uma experiência sociológica. Meus pais não me criaram numa ilha e nem com lobos como irmãos, mas fizeram algo ainda mais revolucionário, me privaram de televisão e jornal na infância. Dessa forma, eu me acostumei a buscar as informações segundo o meu interesse. Alguns acontecimentos do momento, por exemplo um tsunami, eu podia ficar alguns dias sem saber, até ouvir alguém comentar a respeito.
Isso pode parecer bizarro, mas eu cresci nos anos 80, vocês lembram dos video clipes dessa época? Foram anos bizarros mesmo. Enfim, eu mantive essa mania até hoje, ainda me surpreendo com as notícias de anteontem.
E o qual é a relação da Lei da Santa Ignorância com meu histórico privado? Quando você está acostumado a saber das coisas pelos outros de forma aleatória, acaba aprendendo a dar um desconto e a verificar as informações. E quando eu leio um artigo ou assisto uma matéria no jornal, o nível de credibilidade que o meu subconsciente adota é o mesmo que adotaria para uma pessoa desconhecida na rua.
Você acha que um advogado é uma pessoa tendenciosa, então você precisa conhecer mais jornalistas. A vantagem do advogado é que você sabe quem é o cliente antes dele abrir a boca.
Eu tenho amigos jornalistas, mas a culpa não é deles, o problema é que a grande midia se tornou o fast food do conhecimento, e isso vicia, além de fazer mal a saúde mental, é claro. Eu sou totalmente a favor de uma imprensa parcial, acho que nem existe de outro tipo. É uma pena que ao invés de assumir posições tenhamos que conviver com esse jogo de palavras e símbolos enfadonho e muitas vezes perverso do politicamente correto.
Atualmente eu faço a experiência sociológica inversa, quando eu assisto por acaso um jornal na televisão ou coloco um jornal que peguei na reciclagem para o meu cachorro mijar, eu analiso da seguinte forma: quais são os conceitos fast food que estão contidos nessa matéria?
Hoje mesmo eu assisti uma sobre quem está ganhando com a crise econômica. Quem? É o sapateiro, que estava sem clientes. Agora que as pessoas estão sem dinheiro, preferem recuperar um sapato velho a comprar um novo. Trata-se de uma visão romântica da desgraça, ou seja, alguém perdeu o emprego na industria e na loja de sapatos, mas o sapateiro ganhou um serviço extra, e ainda colaboramos com a conservação da natureza. Que lindo!
Coisas como essa que passam despercebidas e que nos fazem ficar sempre no meio do caminho. É o maldito “tudo é relativo”, que só serve para você desistir de avaliar o que é certo e errado, o que é verdadeiro ou falso.
Não importa o que dizem por aí, imagine que você é um virtuoso que não sabe de nada e construa a sua opinião pela sua experiência e esforço próprios, e não porque a maioria pensa assim. Reconstrua seu conhecimento a partir da ignorância santa em direção ao conhecimento saudável. Chega de burrice fast food!
Obrigado pelo seu tempo. Quem sabe nos falamos de novo?