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Tenho lido que teremos uma transição republicana na prefeitura de São Paulo. Em termos colossais, pelo tamanho de São Paulo, seria a segunda vez que vejo isso. A primeira foi na transição federal de Fernando Henrique a Lula.
Tanto o prefeito Fernando Haddad como João Dória, seu sucessor recém-eleito, se conversam sem considerar que são donos da cadeira número 1 da cidade, mas ocupantes temporários e altamente demandados. Tudo isso sob um olhar cada vez mais atento do cidadão, coisa que Haddad sentiu fortemente e que, convenhamos, não será diferente com Dória.
Sou um crente que a sociedade deste país está realmente mudando pra melhor, se livrando da tutela de pretensos heróis da pátria, embora ainda ouça gente mau-humorada pensando o contrário e insultando seu próprio povo. Sempre de acordo com a conveniência, o que tira deles algum resquício de seriedade no argumento comumentemente tosco.
Volto ao caso da transição em São Paulo, antecipada depois da surpreendente vitória no primeiro turno de Dória.
E olho para um caso que é preocupante ou alvissareiro: a personalização da política em detrimento da partidarização. Parece ser nossa sina brasileira de muito tempo. Partidos são menos expressivos que os políticos.
Sob a égide das ciências políticas, isso é ruim. Aprende-se em teoria política que partidos representam um conjunto de posições e visões discutido e acordado por seus partidários, solidificados pelo tempo, guias de pensamento e ação. Ou seja, se alguém de determinado partido é eleito, tem-se majoritariamente a noção de por onde ele vai administrar, se com visões liberais ou conservadoras, ortodoxas ou heterodoxas, se sim ou não a temas que são polêmicos, novos ou antigos. Partidos fortes seriam capazes de nos proteger de aventureiros e déspotas mimados de imprevisível comportamento, de ditadores formais ou informais ou governantes covardes.
É mais ou menos o que víamos nos Estados Unidos entre democratas e republicanos até a fenômeno Trump. Ou no Reino Unido até que o Brexit deixou Conservadores, Trabalhistas e Liberais sérios perplexos.
A teoria política é linda. Creiam. De fato é. Mas é teoria.
A prática recente do mundo e a brasileira de sempre nos mostra verdadeiramente outra coisa.
Esmiúço meu argumento.
“Os partidos não tomam partido” (a frase emblemática é de Fernando Henrique Cardoso no filme “Orgulho de Ser Brasileiro”, Brasil, 2013). Não debatem, não tomam posições coletivas, se omitem de discussões com poder eleitoral de perda de votos e apoio imediato. Perdem-se no tempo e deixam vagos os espaços institucionais que deveriam ser deles. Normalmente, afirmam e reafirmam coletivamente o que o cacique da vez diz, aquele que ocupa o espaço vago.
É normal que haja líderes, mas é esperado que esses líderes vocalizem o que foi intensamente debatido, discutido internamente de acordo com a filosofia partidária.
Anormal é quando líderes sequestram seus partidos e os partidários fiquem como asseclas louvando seu autoproclamado czar e repetindo o que ele diz para se livrar da masmorra que os puniria com perda de cargos e verbas partidárias. Em politiquês objetivo, para não perderem a boquinha – o que nada tem de republicano nem de honestidade intelectual.
É esse enfraquecimento partidário que aumenta o personalismo e faz com que o cidadão acerte na prática, mesmo que errando na teoria, ao votar em pessoas e não em partidos. Não é difícil apontar que o eleitor deve ser absolvido de sua opção. Votar, no Brasil, é obrigatório. Se não fosse, seria necessário. Em algum momento, alguém terá de tomar uma posição.
A classe política se omite de construir bunkers de opinião consistente e garantidores de posições em seus partidos se chegarem ao poder. Ao cidadão só resta protagonizar o processo de forma independente, mesmo sob os riscos do personalismo do escolhido.
O caso de Haddad se mostrar republicano na transição me parece ser uma decisão muito mais pessoal que partidária, e espero que verdadeira. Ele, quando refém do partido e de seu padrinho Lula, foi ruim. Nas escutas que revelaram a trama de Dilma para proteger Lula da justiça federal de Curitiba, nomeando-o ministro, há citações de que Haddad teria ligado a Lula para convencê-lo a aceitar a vigarice. Isso não é republicano. É alguma coisa asquerosa.
E Haddad, mesmo não tendo um currículo de administrador competente – errou duas vezes no Enem como ministro da Educação de Dilma – conseguiu se eleger, mesmo que surfando na popularidade de Lula, à época. Mas chegou ao poder como um cara jovem, uma promessa, um acadêmico. Foi a aposta do cidadão carente de partidos e sob a influência de Lula.
Porém, num de seus primeiros atos como prefeito, como refém do PT ou vítima da síndrome de Estocolmo, concedeu a Lula o protagonismo da primeira reunião com secretários. A aparentemente figurativa reunião acabou por se revelar concreta sobre quem mandava de fato. Os eleitores no segundo turno elegeram Haddad, que se submeteu demasiadamente a seu partido, que tinha não um cacique, mas sim um dono.
Deu no que deu.
As experiências de governos partidários, como os do PT, o qual foi chamado nos anos 90 como “o único partido real do Brasil” revelaram-se terríveis práticas de grupos organizados com requintes criminais, segundo o Mensalão, não para governar, mas para tomar de assalto a estrutura estatal em proveito próprio. Na base do “às favas com o debate, somos o poder”, deram as costas à democracia e ao cidadão. Deu no que deu a última eleição.
O ato de transição republicano na prefeitura de São Paulo, a ser confirmado, poderá ser um ato de redenção de Haddad, do que ele supostamente acredita – se é que realmente acredita. Terá de ser com olhar no futuro, com preocupações institucionais e, convenhamos, divulgando a agenda verdadeira dos compromissos – Haddad e Marco Antonio Villa hão de me entender.
Se isso ocorrer, ponto para a democracia e a república brasileira. Os autores serão recompensados pela história.
E que haja o mesmo comprometimento institucional da equipe do prefeito eleito.
E que Dória até agradeça a Alckmin o que ele estará vivendo no dia da posse.
Mas que comande ele a primeira reunião com os novos secretários do município. O governador, seu padrinho, que não é um desocupado como Lula nem sofre de vaidade umbilical, tem um Estado para governar.
Adalberto Flaviano Piotto é um jornalista e documentarista brasileiro. Recentemente foi âncora da Rádio Jovem Pan, em São Paulo. Em 2013 lançou o filme-documentário Orgulho de Ser Brasileiro, que ele mesmo dirigiu e produziu. Hoje é um observador do pensamento brasileiro, escritor e promete em breve retornar à rádio.
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Indo contra a minha regra das 48 horas eu vou fazer esse programa aqui, em cima das horas subsequentes à eleição.
Terminada mais uma eleição, temos uma nova situação, onde o Brasil passa a ter uma nova direção. Ou melhor, uma velha direção. Parece sina, cara… de quando em quando, estamos sob nova direção, que esquece o que foi feito pela anterior, e começa tudo outra vez. Do zero, cara!
Muita, mas muita gente ficou angustiada, amedrontada, decepcionada e agora está preocupada com o futuro. Bom, eu sou uma delas…
Download do Resumo - Ares republicanos, espero.
Por Adalberto Piotto Tenho lido que teremos uma transição republicana na prefeitura de São Paulo. Em termos colossais, pelo tamanho de São Paulo, seria a segunda vez que vejo isso. A primeira foi na transição federal de Fernando Henrique a Lula. Tanto o prefeito Fernando Haddad como João Dória, seu sucessor recém-eleito, se conversam […]