Culpa e vergonha
Luciano Pires -Láááááá em 2009 lancei um livro chamado Nóis…qui invertemo as coisa. Nele eu tratava de um Brasil que estava estranho, onde prioridades foram invertidas e falava que uma sensação de que daria errado pairava no ar. No livro há um artigo de 2007 que preciso republicar agora. Leia, por favor, e veja o tamanho da nossa tragédia. Nove anos depois, as únicas ações efetivas de mudança parecem ter sido o Mensalão e agora a operação Lava Jato. Por isso nos agarramos desesperadamente a ela.
Culpa e Vergonha
Quando o avião parou em Brasília, um daqueles políticos envolvido naqueles escândalos entrou. Cabeça erguida, altivo. E aos poucos, os passageiros começaram a sussurrar, imitando pombos:
– Corrupto… corrupto…
Pensei comigo mesmo “que vergonha”… Mas o sujeito continuou impassível, ajeitou a bagagem e sentou-se, seguindo no voo normalmente. Desembarcou como qualquer um de nós e pronto. Nenhum constrangimento.
Pois eu admiro, sabe? Admiro aquele tremendo, expressivo e intimidante atributo dos políticos: a cara de pau. Quem tem cara de pau não tem vergonha. Não sente culpa. Não se intimida.
Para sentir culpa a pessoa tem que reconhecer que errou, que desobedeceu alguma regra ou lei. Que fez algo errado e, portanto, sabe que existe um “certo”. Quem assume a culpa manifesta a certeza de que se esforçar-se para aprender, pode deixar de errar. A culpa é perdoável. A culpa pode ser esquecida depois que o culpado paga pelo erro. Reconhecer a culpa é um exercício de humildade e não de incapacidade.
Incapacidade é coisa da vergonha.
Quem sente vergonha tem problemas com seu amor próprio, sua auto-estima, mas não tem necessariamente culpa sobre a razão de sua vergonha. E o interessante é que a vergonha dá mais vergonha. O sujeito aparece com o zíper aberto e o bilau de fora. Que vergonha! Quando descobre a situação, fica vermelho de vergonha. E ao perceber que ficou vermelho, fica com vergonha de ficar vermelho… E não dá pra acusar, julgar, condenar ou punir a vergonha. Vergonha não precisa de perdão.
Vejamos então a situação de nosso Renan Calheiros. Ou de Paulo Maluf. Ou Fernando Collor. Ou Jader Barbalho. Ou Zé Dirceu. Ou… Se errou, é culpado. Tem que pagar. Ao ser pego no ato, deveria sentir vergonha.
E eu fico desesperadamente buscando um sinal de vergonha na cara deles. Mas não encontro. Impassíveis, fazem seus discursos, recusam a culpa e jamais demonstram sentir vergonha. Talvez por isso estejamos tão fartos deles. Essas pessoas não são humanas. Não sentem o que nós, humanos, sentimos.
Será que isso é educação? Ou será treinamento? Eu até entendo que um treinamento persistente pode fazer com que as pessoas jamais sintam-se culpadas. Mas será que dá pra aprender a não sentir vergonha?
Pois as Operações Navalha, Satiagraha, Sanguessuga, as que vieram antes e as que virão depois, estão nos ensinando que é possível sim aprender a jamais sentir vergonha.
Eu já perdi as esperanças. Sei que admitir culpa é suicídio político e só acontece quando passa a ser o recurso final, aquele que transforma o delito em “escorregada”. Lembram-se de Bill Clinton negando, negando e depois admitindo que teve “conduta inapropriada com aquela mulher”? Ele jamais admitiu que praticou sexo com a estagiária. Mas achou uma forma de assumir que errou, “escorregou”. E surgiu na televisão com uma cara de envergonhado que levou a opinião pública para seu lado.
Por isso tudo é que entendo aquele político que entrou no avião e fez que não ouviu o coro dos pombos “corrupto…corrupto”…
Ele está treinado para isso. Ele precisa não ouvir. Ele constrói sua verdade e aferra-se a ela. Ele vive num mundo onde culpa e vergonha só existem como ferramentas para atingir seus objetivos. Mesmo que seja acusado, preso e condenado, jamais assumirá a culpa por seus atos. Sempre aparecerá como vítima.
E é também por isso tudo que eu jamais seria político. Posso até não sentir culpa, mas morreria de vergonha.