Café Brasil 001 – Mídia e Baixaria
Luciano Pires -Bom dia, boa tarde e boa noite. Bem vindo a mais um Café Brasil, o nosso programinha de rádio onde você encontra poesia, filosofia, reflexões e boa música popular brasileira, hoje vamos abrir o programa com Edith Wharton que um dia disse assim: “Existem duas formas de espalhar a luz, ser a vela ou ser o espelho que reflete a vela”.
Numa de minhas recentes discussões sobre a mediocridade da programação e rádio e TV, mais uma vez eu ouvi a previsível explicação: “é o povo que pede baixaria, a gente coloca no ar a porcaria que o povo quer”. Pensei muito nesse assunto e concluí algumas coisas.
Primeiro: como explicar os dois fenômenos da indústria fonográfica de 2003 hein? De um lado a Eguinha Pocotó, aparecendo durante dois meses na maioria dos programas dominicais com direito a “Esta é a sua Vida” e homenagens pelo disco de ouro, tocando na maioria das rádios e sendo grande sucesso do carnaval, vendeu milhões. De outro lado um fenômeno chamado Tribalistas, que apareceram apenas num especial veiculado na Rede Globo, de madrugada, nada de programas dominicais, não deram entrevistas, não fizeram shows e venderam milhões. Andando pela rua 25 de Março, em São Paulo, encontramos centenas de barracas vendendo os discos piratas dos Tribalistas e quem é que você acha que está comprando esses CD’s hein? Todo mundo, inclusive quem comprou o Pocotó.
Ai que saudade dos meus anos 60!
Blue Riviera
Sá, Rodrix & Guarabira
A gente já era uma barra no tempo do rock no blue Riviera
A gente já era, no blue Riviera,
Você com seu rabinho de cavalo, me contando que a sua mãe
Não lhe deixava sair,
Na garupa da lambreta pra dançar no blue Riviera,
A gente sacudia os ossos no tempo do rock no blue Riviera,
A gente sacudia, no rock do blue Riviera
Com toda essa moçada da pesada que hoje está com 30 anos ou mais
E já não deixa cair
Como no tempo da lambreta sem saia no blue Riviera.
Eu digo blue Riviera, blue Riviera, nos meus olhos e ouvidos
Da sala enfumaçada pr’onde foram meus amigos queridos
Eu digo blue Riviera, blue Riviera, o pão, a carne, o sangue, o vinho,
No meio das lembranças do passado eu não estou sozinho…
Você ouve Blue Riviera, com Sá, Rodrix & Guarabira, um blusão lascado, relembrando um tempo que já era passado no começo dos anos 70. Nessa época foi formado o Trio Sá, Rodrix & Guarabira, que gravou dois LP’s na Odeon, “Passado, Presente e Futuro” e “Terra”, em que eles promoviam o rock rural, naquela época Sá e Guarabira foram premiados pelo jingle para a Pepsi Cola, “Só Tem Amor quem Tem Amor pra Dar”, esses caras fizeram a trilha sonora da minha juventude.
Talvez o povo não queira baixaria, talvez queira opção. É claro que eu vou receber e-mails irados de gente que julga Tribalistas porcaria, mas isso é outra discussão, o fato é que os caras dizem que programam baixaria na rádio e TV porque o povo gosta e liga pedindo baixaria. Mas, quem são as pessoas que ligam para rádios e TV’s hein? Serão uma amostragem da sociedade brasileira pela qual podemos determinar o gosto musical do brasileiro hein? Você liga para rádios e TV’s pedindo para tocar isso ou aquilo hein? Conhece alguém que liga? Duvido. A quase totalidade das pessoas que entende música como manifestação cultural não liga para rádios, simplesmente não tem tempo, nem disposição para pegar o telefone e pedir para que toquem uma música e assim, na teoria, quem programa as rádios é uma minoria que não representa o gosto musical do brasileiro e de tanto a rádio tocar porcaria, a massa inerte conhece a porcaria e se familiariza. Familiaridade gera confiança e logo a massa inerte passa a gostar e comprar, daí os programadores entendem que o povo gosta e tocam mais e as gravadoras investem mais e dá-lhe Pocotó, educando o povo a gostar de pocotós, constroem o sucesso do pocotó e daí vem a dúvida, na discussão sobre a mediocridade cultural do brasileiro: o que é que vem primeiro hein? O ovo ou a galinha? Não sabe né? Pois é, na discussão sobre a cultura brasileira, tudo o que a gente ouve é o silêncio.
O Silêncio é de Ouro
Sá e Guarabira
Falam nas minhas costas coisas que eu não vou saber
Escondem dos meus olhos livros que eu não posso ler
Quanto segredo ao pé do ouvido o vento leva pelo ar?
Pássaro ferido que não pode mais voar
Cartas, cartões, postais, recados vem de longe para me diz
que hoje em dia o silêncio é de ouro
Como serão as terras que eu não posso visitar?
Devem ter me esquecido amigos que eu não possso ver
Longe de mim o canto que eu precisava tanto escutar
que é da varanda grande de onde eu costumava olhar
um pôr-de-sol brilhante de uma terra boa de viver
Quem levou de mim esse tesouro?
Em cada boca fechada uma caverna silenciosa
onde não vive nada além do segredo
Em cada olho fechado
rola um planeta desorientado
onde não cresce nada além do medo
Você está ouvindo “O Silêncio é de Ouro”, com Sá e Guarabira. Luis Carlos Sá, do bairro de Vila Isabel, desde jovem interessou-se por música, tocando violão e começando a compor aos 17 anos. Sua primeira canção gravada foi Baleiro, em 1965, ainda em 65, trabalhou com o Grupo Teatro Opinião e participou do show “O Samba pede Passagem” em que se apresentaram, entre outros, Aracy de Almeida, Baden Powell e MPB4
E toda essa confusão recente, de escândalos de corrupção, CPI’s e acusações que temos visto me faz lembrar de uma tese que defendo com unhas e dentes, a solução e o problema do Brasil é a mídia. A mídia criando mitos e modas, é solução quando investiga com seriedade e ética, dissemina as melhores práticas e combate as piores, educa e motiva para o conhecimento, a mídia é solução quando exibe as mazelas mas também aponta as responsabilidades e soluções de forma positiva, quando critica mas constrói, quando erra mas assume.
A mídia é problema quando exibe as mazelas pelas mazelas, pois mazelas dão audiência, quando tripudia sobre a ética, quando permite que a mediocridade e a ignorância sejam adotados como padrão estético de comportamento, quando discute a forma e esquece o conteúdo, quando é mal educada e deseduca, quando esquece as lições do passado e repete velhas fórmulas e velhos pensamentos emburrecendo o país.
A imprensa também era usada antigamente para construir fortunas e conquistar o poder político, mas pelo alcance limitado, pela demora na distribuição, pela necessidade de saber ler e entender que a imprensa escrita exigia, o seu impacto era restrito. Mesmo o rádio, que só exigia capacidade de ouvir, tinha no entretenimento seu grande poder. Hoje, até mesmo um analfabeto liga a TV e pensa que entende, tudo é superficial e esse superficialismo explica as dificuldades do Brasil. Ele torna possível que velhos bandidos disputem e ganhem eleições, que música, literatura e arte de péssima qualidade vendam milhões, que a violência seja utilizada como ferramenta.
Margarida
Gutemberg e Guarabyra
Andei, terras do meu reino em vão
Por senhora que perdi e por quem fui descobrir
Não me crer mais rei e aqui me encerrei
Sou cantor e cantarei Que em procuras de amor
Morri ai, dor que no meu peito dói
Que destróis assim de mim, bem sei o que eu achei enfim
E que adiantou a dor, mas me queimou
Pois por não saber de amar
Ela ainda rainha está
E ela está em seu castelo olê, olê olá
E ela está em seu castelo, olê, seus cavaleiros
Ora peçam que apareça, pois por mais que eu ofereça
Mais me evita essa senhora
Eu já fui rei, já fui cantor, vou ser guerreiro, um perfeito cavaleiro
Armadura, escudo, espada, pra seguir na escalada
E pelas pedras do castelo, como eu já vou retirando
E retirando uma pedra, olê, olê olá
Mais uma pedra não faz falta, olê, seus cavaleiros
Que ainda correm pelo mundo,
Ouçam só por um segundo, que eu acabo de vencer
Retirei pedras de orgulhos majestades
Deixei todas de humildades, de amores sem reinado, ela então se me rendeu
Eu já fui rei, já fui cantor, já fui guerreiro
E agora enfim sou companheiro, da mulher que apareceu
Apareceu a Margarida, olê, olê olá
Apareceu a Margarida, olê, seus cavaleiros
Você está ouvindo “Margarida” com Gutemberg e Guarabira. Com essa música, que interpretou com o grupo Manifesto, Guarabira venceu, em fins de 67, a parte nacional do Segundo Festival Internacional da Canção, da TV Globo, no Rio de Janeiro. Gutemberg e Guarabira, filho de pastor batista, cresceu ouvindo Luiz Gonzaga no Rádio, mudou-se em 66 para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como boy de escritório de contabilidade. Em seguida começou a produzir musicais para a TV Tupi carioca, como Bibi ao vivo e Blota Júnior.
Então recebo um e-mail de Carolina Brizola, brasileira que vive em Cabo Verde, na África, diz assim a Carolina: “felizes são vocês, os brasileiros, que têm uma gama variada de programas e podem se dar ao luxo de criticar. Cá no Cabo Verde temos somente três canais, sendo um estatal, um privado e um pirata, esse pirata retransmite a rede Record do Brasil. Curiosidade: o pirata chega a liderar a audiência, sua programação, através do Cidade Alerta chega a causar problemas, explico: cá temos somente uma faculdade, fato que obriga os caboverdeanos a estudarem no estrangeiro e o Brasil sempre foi uma das melhores opções. Com a violência apresentada no Cidade Alerta, muitas famílias têm impedido que seus filhos optem pelo Brasil, pois entendem, de forma generalizada, que lá vivem uma verdadeira guerra civil”, quem escreveu isso foi Carolina Brizola, que vive em Cabo Verde, na África.
Hoje ainda é dia de rock
Sá, Rodrix e Guarabyra
Eu tô doidin por uma viola
Mãe e pai, de doze cordas e quatro cristais
Pra eu poder tocar lá na cidade
Mãe e pai, esse meu blues de Minas Gerais
E o meu cateretê lá do Alabama
Mesmo que eu toque uma vezinha só
Eu descobri e acho que foi a tempo
Mãe e pai, que hoje ainda é dia de rock
Refrão
Eu tô doidin por um pianin
Mãe e pai, com caixa Leslie e amplificador
Pra eu poder tocar lá na cidade
Mãe e pai, um rockizinho para o meu amor
Depois formar a minha eletrobanda
Que vai deixar as outras no roncó
Eu descobri e acho que foi a tempo
Mãe e pai, que hoje ainda é dia de rock
Que hoje ainda é dia de rock
Que hoje ainda é dia de rock
Eu descobri olhando o milho verde
(eu descobri ouvindo a mula preta)
Mãe e pai que hoje ainda é dia de rock
Você ouve “Ainda é Dia de Rock” música que certamente foi responsável pelo título de rock rural, que Sá, Rodrix & Guarabira receberam. Zé Rodrix tornou-se um grande compositor de jingles e músicas como “Casa no Campo”, gravada por Elis Regina. Sá também continua trabalhando com jingles publicitários, Guarabira lançou seu primeiro livro de ficção: “O Outro Lado do Mundo”, com sorte você pega um show deles.
Tinha que tocar inteirinha porque esse shubi down down do final é o máximo.
Pois bem, aí me escreve o Jorge Monteiro de Lima: “viajava pelo interior do Tocantins, visitando as praias de rio da região, chegamos a um lugarejo pacato, perto de Gurupi, chamado Peixe, era gostoso acordar de manhã na pequena pousada ao sons do jumento despertador que pastava na rua, ali conversando com uma nativa, admirado pela tranquilidade do lugar eu afirmei: ‘gostei daqui, é bem tranquilo, quase não tem violência’ e ela retrucou: ‘você está enganado, aqui é muito violento, você não vê na televisão?’, fiquei tão chocado com a situação que nessa hora eu tive a consciência do papel da mídia, em especial da televisão na formação do caráter do nosso povo.” A importação da violência urbana, dos grandes centros para todo o interior do país, mudando o estilo de vida dos povoados pacatos na imbecilização do nosso povo.
Pois bem, a Carolina escreve falando da imagem do Brasil na África e o Jorge escreve falando da imagem do Brasil no interior do Brasil. Ambos citam a mídia, especialmente a TV como principal instrumento para construção da percepção que o mundo tem do Brasil, fala a verdade, é possível vender um produto falando mal dele hein? Como apresentar o Brasil para os brasileiros e estrangeiros se tudo que temos para mostrar é o motoqueiro atropelado, o nordeste do lado miserável, as histórias de violência, os noticiários dos moleques que botaram fogo no índio, no refém morto com estiletadas na rebelião da FEBEM, praticamos, por incompetência, um marketing pocotó, focada no erro, no absurdo, no feio, no incompetente, nos atributos que nos envergonham. Será que nos EUA, na Europa, na Ásia também tem motoqueiro atropelado, hein? Será que tem violência, pobreza, injustiça social, corrupção? Claro que sim, mas eles são mais inteligentes, não fazem desses atributos a marca de seus países.
Você liga a televisão e pocotó? Abre o jornal e pocotó? Seu filho liga o rádio, pocotó? Você participa de reuniões e mais reuniões e pocotó? Assiste o horário político e pocotó, pocotó? Cuidado, mediocridade contamina. “Brasileiros Pocotó”, o livro de Luciano Pires, coisas que só um cronista independente podeira escrever, vamos despocotizar o nosso país. “Brasileiros Pocotó”, uma bandeira contra a mediocridade. Em todas as livrarias.
Educação, educação, tudo começa com a educação, você já ouviu falar em Paulo Freire? Um grande educador brasileiro? Ele foi quase tudo o que alguém deve ser quando decidir seguir a carreira de educador, de professor de escola a criador de ideias e métodos. A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em campanhas de alfabetização e por isso ele foi acusado de subverter a ordem instituída, sendo preso após o golpe militar de 64. Em 1980, depois de 16 anos de exílio, Paulo Freire retornou ao Brasil para reaprender o seu país. Em 89 tornou-se secretário da educação do município de São Paulo. Durante o seu mandato fez um grande esforço na implementação de movimentos de alfabetização, de revisão curricular e empenhou-se na recuperação salarial dos professores. A Paulo Freire foi outorgado o título de doutor honoris causa por 27 universidades. Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo. Sua visão sobre educação está estampada num singelo poema chamado “A Escola”.
Escola é
… o lugar que se faz amigos.
Não se trata só de prédios, salas, quadros,
Programas, horários, conceitos…
Escola é sobretudo, gente
Gente que trabalha, que estuda
Que se alegra, se conhece, se estima.
O Diretor é gente,
O coordenador é gente,
O professor é gente,
O aluno é gente,
Cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
Na medida em que cada um se comporte
Como colega, amigo, irmão.
Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados”
Nada de conviver com as pessoas e depois,
Descobrir que não tem amizade a ninguém.
Nada de ser como tijolo que forma a parede, Indiferente, frio, só.
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,
É também criar laços de amizade, É criar ambiente de camaradagem,
É conviver, é se “amarrar nela”!
Ora é lógico…
Numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer,
Fazer amigos, educar-se, ser feliz.
Casaco marrom
Danilo Caymmi
Gutemberg Guarabyra
Renato Corrêa
Eu vou voltar aos velhos tempos de mim
Vestir de novo meu casaco marrom
Tomar a mão da alegria e sair
Bye bye, Cecy, nous allons.
Copacabana está dizendo que sim
Botou a brisa à minha disposição
A bomba H quer explodir no jardim
Matar a flor em botão
Eu digo que não
Olhando a menina
De meia estação
Alô coração.
Você está ouvindo “O casaco Marrom”, composta por Gutemberg Guarabira, com Renato Correia dos Golden Boys e Danilo Caymmi, Casaco Marrom, gravado por Evinha venceu o festival de Juiz de Fora, de Minas Gerais em 1969, a gravação deliciosa que você está ouvindo é do Trio Esperança, no CD, “A capela do Brasil”, eu não me canso de ouvir essa harmonia vocal.
Que bonito! Com o Trio Esperança e o Casaco Marrom que está terminando o Café Brasil de hoje. Com Rodrigo Carrara na técnica, direção artística de Sérgio Sá e produção e apresentação e eu Luciano Pires.
Você viu o time que esteve conosco hoje, Edith Wharton, Paulo Freire, Sá, Rodrix e Guarabira, Trio Esperança, tá bom assim ou quer mais hein?
Gostou? Não gostou? Acesse então www.lucianopires.com.br, ou deixe o seu recado pela operadora 11 4195-6343, de novo operadora 11 4195-6343.
E para terminar de vez, que tal um Nelson Rodrigues hein?
“Amigos, eis uma verdade eterna: o passado sempre tem razão”.