Seleção ou sucessão
Luciano Pires -Durante a Copa, somos bombardeados pela mídia falando dos convocados e do esquema de jogo. Milhares de páginas e horas discutem o plano do treinador, as estratégias e táticas, as ameaças e oportunidades e os competidores. Afinal, tem coisa mais importante que ganhar a Copa?
Tem.
Na campanha presidencial, assistimos aos discursos, a propaganda televisiva e a lenga-lenga de sempre de três ou quatro candidatos com chances de assumir a direção do Esporte Clube Brasil S.A. E o que discutimos?
Qual marqueteiro levaria vantagem, qual campanha televisiva seria a mais criativa, os novos ternos do candidato A, a antipatia do candidato B, o falatório do C, a mulher do B. Discutimos os acessórios. O principal, os programas, as propostas concretas para dar continuidade ao crescimento do país, ficam em segundo plano.
Se discutíssemos a sucessão como discutimos a Seleção, com certeza teríamos mais inteligência, valor e consequência. Mas parece que a Seleção é mais importante que a sucessão.
Essa discussão vazia cria os analfabetos políticos, gente que se orgulha de dizer que não gosta de política, que não vai votar nisso que está aí, votando em branco ou anulando. Ou simplesmente não votando. Uma espécie de protesto burro, que coloca nas mãos de terceiros seu próprio destino.
Tenho notado no Brasil uma profunda ignorância sobre o que vem a ser política. Como faz com todos os problemas complexos, inclusive com o esquema tático da Seleção, o brasileiro simplifica. Reduz política a troca de favores, a conchavos, a coisa de gente desonesta disposta a tirar vantagens pessoais…
E tudo passa a ser sempre assim… e vira piada. E quem vota sem analisar propostas, apenas interessado em benefícios imediatos ou no discurso bonito dos candidatos, é o que? Semi-analfabeto político!
Pois tenho uma má notícia. Nosso destino está nas mãos de alguns milhões de semi-analfabetos políticos! Alguém duvida?
Essa constatação me leva a uma súplica: que os meios de comunicação de massa que hoje discutem o acessório, iniciem um processo de alfabetização política. Ainda há tempo.
Em vez de falar da barba aparada do candidato A, falar de suas propostas. Em vez de falar do primo do candidato B, falar de sua receita para o Brasil voltar a crescer. Que tal analisar de forma objetiva, e inteligível para a população, os planos dos próximos candidatos? Explicar o que existe de bom e o que é lenga-lenga? Dizer por quais razões não dá para praticar uma ruptura ou manter o modelo atual? Avaliar o currículo de cada candidato e suas possibilidades de cumprir as promessas? Avaliar quem são os prováveis ministros de cada candidato, quais suas ideias?
Da mesma forma como fazemos com a Seleção.
Essa comparação, se repetidamente feita, com linguagem simples e didática, prestará ao Brasil um serviço maior que os milhares de minutos e páginas gastos diariamente com superficialidades.
Quando a mídia de massa começar a tratar seus leitores e espectadores como algo mais que analfabetos políticos, começaremos a mudar este País. E talvez ganhemos algo mais importante que a Copa.
Este texto faz parte de meu livro Brasileiros Pocotó, foi escrito 12 anos atrás, durante a Copa do Mundo de 2002.
Luciano Pires