Terceirização fora de foco
Luciano Pires -Nós brasileiros temos um talento inigualável para entender mal, traduzir mal e aplicar mal conceitos de administração. Foi assim com o “partnership”, que virou “parceria”, com “reengineering”, que virou “reengenharia” e com o “outsourcing” que virou “terceirização”.
Toda essa discussão em função da PL 4330, por exemplo, que regulamenta a terceirização, não trata daquele “outsourcing” que conheci 25 anos atrás, mas de outra coisa. Tem uma matemática nessa discussão rasteira que não fecha. Se o Zé custa para a empresa 100 e, terceirizado, vai custar 80, de onde saíram os 20? Do salário menor que ele receberá? De impostos menores que pagará? Da comida pior que comerá? Dos benefícios que deixará de ter? Das horas a mais que trabalhará? E a conta piora se entre o Zé e a empresa que vai terceirizar, aparecer um intermediário…
Mas essa discussão está fora de foco. Discute-se o que se vê, quando o que interessa é o que não se vê, como diria São Bastiat.
Tomei contato com o tema ” tercerização”depois que Collor arrombou as portas do Brasil para o mundo em 1991 e tivemos que sair atrás de soluções para aumento de competitividade. O ” outsourcing”, traduzido para “terceirização”, foi uma delas, mas havia regras bem claras. Só valia a pena terceirizar se o terceirizado fosse capaz de fazer o trabalho de forma mais eficiente que a minha empresa. Não era na redução do salário dos funcionários que se buscavam os ganhos, mas na possibilidade de redução da estrutura administrativa das empresas, nos ganhos de produtividade e com a divisão de meus custos fixos com outras empresas.
Exemplo: se eu conseguisse terceirizar 20% da força de trabalho de minha fábrica, poderia ter menos gente nas áreas administrativas, não teria que investir em ferramental e equipamentos que permaneciam parte do tempo ociosos e que, sendo do terceirizado, poderiam ser utilizados para atender a outros clientes. Mas o mais importante: os terceirizados seriam especialistas, focados em suas atividades, com mais conhecimento e experiência do que minha empresa jamais poderia ter, com mais facilidade para decidir investimentos e flexibilidade para atender às demandas.
Conheci situações em que o processo de terceirização ficou mais caro que manter os funcionários contratados, mas os ganhos em eficiência que o terceirizado proporcionou, e que a mediocridade imediatista não conseguia ver, tiveram impacto muito maior nos resultados do que a redução na folha salarial, que era a única coisa que a mediocridade imediatista conseguia ver.
A discussão que toma os espaços no Brasil neste momento não é sobre terceirização, é sobre locação de mão de obra, que é outra coisa. Por isso os sindicatos e os progressistas estão tão assanhados. Esse pessoal só enxerga um patrão ganancioso querendo se livrar de todos os torneiros mecânicos, comprando o trabalho deles por um preço vil e os empurrando para as garras de outros patrões mal intencionados, desonestos e exploradores. Isso não é terceirização. E gente mal intencionada, desonesta e exploradora não precisa de terceirização para agir como abutres. Fazem isso de qualquer jeito.
A PL 4330, ao criar mecanismos para garantir os direitos e colocar terceirizador e terceirizado em posição solidária, vem justamente para defender daqueles abutres os trabalhadores que têm sua mão de obra locada.
Mas, de novo, locação de mão de obra não é terceirização.
Terceirização implica em inteligência, inovação, riscos, empreendedorismo, comprometimento e, acima de tudo, numa relação de confiança. Sou a favor da liberação para se terceirizar tudo, se possível até o presidente da empresa, mas essa decisão tem que ser estratégica, focada nos resultados indiretos.
O idiota que, pensando apenas em redução de custos, achar que dá para terceirizar a inteligência, o tesão e a cultura de sua empresa, vai quebrar.
E os abutres têm que ser presos. Para isso nem precisa da PL 4330, bastaria cumprir a lei.
Mas nós brasileiros temos um talento inigualável para entender mal, traduzir mal, aplicar mal…