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Luciano Pires -

A Rua Ramalhete era uma ruazinha de Belo Horizonte composta por um quarteirão só. Começava na Rua do Ouro, no alto da Serra, bairro de classe média onde a família de Luis Otávio de Melo carvalho residia e terminava num córrego cristalino que corria onde hoje é a extensão da Rua Estêvão Pinto. Havia o costume entre a meninada que estudava no Colégio Estadual o Sucursal Serra, de sair das aulas à tardinha e varejar pela Rua Ramalhete. Explica-se; a rua era povoada por moças, lindas todas, “naquela idade em que se adolesce e o coração dos moços adoece”.

Aos domingos, as meninas estendiam a rede de vôlei de lado a lado, jogava-se o dia inteiro e os carros que se danassem. As noites sempre eram sonorizadas por rodas de violão entremeadas de castos namoricos furtivos. Aos sábados, festinhas onde se dançava coladinho ao som da boa música da época, Beatles e bossa-nova, Luiz Eça e Herman’s Hermits. Isso tudo ficava a poucos quarteirões do vetusto Colégio Sacré Coeur de Marie, severo que só, com suas freiras de cenho franzido e hábitos negros como a noite negra. Esse colégio despejava na rua, duas vezes por dia, magotes de moças ensolaradas e sonhadoras, com suas saias de madras enroladas na cintura para que os moços pudessem ver seu joelhos (e quem sabe a primeira sugestão das coxas), tudo dentro dos limites do combinado como ‘linha da decência’

Eu fiz parte dessa moçada que floriu na rua Ramalhete…

Rua Ramalhete
Tavito
Ney Azambuja

Sem querer fui me lembrar
De uma rua e seus ramalhetes,
O amor anotado em bilhetes,
Daquelas tardes.
No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!
Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.
Será que algum dia eles vêm aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?
Sem querer fui me lembrar
De uma rua e seus ramalhetes,
O amor anotado em bilhetes,
Daquelas tardes.
No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!
Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.
Será que algum dia eles vem aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?

O texto que você ouviu é de autoria de Marta Anita e foi publicado como comentário a um post meu no Facebook comunicando a morte de Luis Otávio de Melo Carvalho, o Tavito, dia 26 de fevereiro de 2019. Tavito compôs alguns hinos que se tornaram a trilha sonora de minha vida. Um deles é Rua Ramalhete, que você ouve aí ao fundo. 

Bom dia, boa tarde, boa noite. Eu sou Luciano Pires e você está no Café Brasil.

Posso entrar?  

Você está ouvindo uma abertura diferente do programa, não é? Pois é…estamos testando aqui pra mudar e melhorar. Depois você diz se gostou.

Tavito nasceu em Belo Horizonte e aos 13 anos ganhou um violão. Aprendeu a tocar sozinho em festas e serenatas. Era começo da década de 1960 e ele começou a andar com uns moleques interessantes. Gente como Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Flavio Venturini, Toninho Horta, Wagner Tiso, Tavinho Moura… cara! Eu não sei o que aconteceu com a água daquela região, mas essa turma toda surgiu por ali. Boa parte da patota que formou o Clube Da esquina. Olha, o Clube da esquina foi tão importante, mas tão importante, que merece um Café Brasil tão especial, que até hoje não consegui fazer. Mas eu vou fazer sim, viu?

Em 1965 ele conheceu Vinicius de Morais que o convidou para participar de seus shows em Belo Horizonte. Em seguida, fez parte do legendário Som Imaginário, um grupo formado para acompanhar Milton Nascimento nos anos 70. Tavito dizia que “A turma daquele tempo tinha mais ideais, nossas metas eram mais engajadas. Havia muito problema com censura. A gente era contestador mesmo… Eu vivi em uma espécie de céu.”https://www.high-endrolex.com/42

Ainda em 1970, o Som Imaginário defendeu a canção “Feira moderna” no V Festival Internacional da Canção da TV Globo, classificando-a em 6º lugar. Tavito gravou três LPs com o conjunto e começou a compor com Mariozinho Rocha, Eduardo Souto e Zé Rodrix, com seu vocal inconfundível.

Feira moderna
Beto Guedes
Fernando Brant

Tua cor é o que eles olham, velha chaga
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo

Feira moderna, um convite sensual
Oh! telefonista, se  a distância já morreu
O meu coração é velho
O meu coração é novo
E eu nem li o jornal
Nessa caverna, o convite é igual
Oh! telefonista, a palavra já morreu
Independência ou morte
Descansa em berço forte
A paz na terra, amém.

Como é que você interrompe uma música dessa? Aí não dá, né cara?

Aí tem o meu lado, né? Lá por 1976, quando eu era um jovem universitário em São Paulo, o nosso grupo se reunia pra tocar nas festinhas. Era o Waltinho na viola caipira, o Flávio num violão, eu no outro e o Carioca no atabaque. E nossa abertura imprescindível era do Som Imaginário: Sábado.

Sábado
Fredera

Sábado eu vou à festa
Vou levar meu violão
Vou cantando uma canção
Que eu decorei
Sábado eu vou à uma festa
Numa nuvem de algodão
E entre estrelas vou abrir meu coração
E vou encher de vaga lumes teu cabelo
Respirar o ar do céu, vou
Eu quero o céu e vou com guizos nos sapatos
Minha roupa em farrapos coloridos vou rasgar
E vou dançar entre os cristais azuis do tempo e esquecer
A terra longe, longe, longe
A se perder
Sábado eu vou
Sábado eu vou
Sábado eu vou

Baita hino hippie, cara… é, moçada, a composição é de 1970. O Som Imaginário participou de shows e discos importantes como Milton (1970), Milagre dos Peixes (1973), Milagre dos Peixes ao vivo (1974) e o histórico Clube da Esquina (1972). E também como banda de apoio em álbuns e shows de Gal Costa, Taiguara, Sueli Costa e Carlinhos Vergueiro, entre outros. Zé Rodrix, Tavito, Laudir de Oliveira, Toninho Horta, Nivaldo Ornelas, Naná Vasconcelos, Marco Antônio Araújo, Luiz Alves, Robertinho Silva e o guitarrista Frederyko, o Fredera passaram pelo Som Imaginário.  Sábado, é de autoria do Fredera…

Este programa nasceu quando li aquele comentário da Marta Anita no Facebook e me transportei imediatamente lá, para a Rua Ramalhete. É a Marta quem vai levar o e-book Me engana que eu gosto.

Muito bem. A Marta Anita também receberá um KIT DKT, recheado de produtos PRUDENCE, como géis lubrificantes e preservativos masculinos. Basta enviar seu endereço para contato@lucianopires.com.br.

A DKT distribui as marcas Prudence, Sutra e Andalan, contemplando a maior linha de camisinhas do mercado, além de outros produtos como anticoncepcionais intrauterinos, géis lubrificantes, estimuladores, coletor menstrual descartável e lenços umedecidos. E reverte grande parte de seus lucros para evitar a gravidez indesejada, infecções sexualmente transmissíveis e a AIDS nas regiões mais carentes do planeta.

Quando compra um produto Prudence, Sutra ou Andalan você está ajudando nessa missão! facebook.com/dktbrasil

Lalá, na hora do amor, tem novidade?

Lalá – Claro que não! É Prudence, oras!

Rua Ramalhete é a música que me marcou durante um período da juventude. Como marcou muita gente… ela retrata um momento particular na vida de cada um de nós. O Tavito falou a respeito, no programa Senhor Brasil: 

Tavito – Essa é de um velho companheiro meu chamado Ney Azambuja.

Claudio Nucci – Ela retrata uma situação de paquera de muro de escola. Como é que é isso, Tavito?

Tavito – Rua Ramalhete é uma rua real. Ninguém dorme hoje. Falei uma coisa…. Rua Ramalhete é uma rua. Três meses sem dormir. Mas é uma rua lá de Belo Horizonte, da minha terra, onde quando a gente era adolescente, moravam muitas meninas da nossa idade, entendeu? Uma coisa assim muito bacana. E a gente vivia lá, evidentemente, era um quarteirão só com umas cinquenta casas, cada casa tinha, no mínimo, três meninas. Entre 13 e 16 anos. Então nós íamos muito. Evidentemente que era…… o que aconteceu com essa canção é que ela ficou assim… ela é um retrato, de um momento, de um bordão fundamental e universal, que é o momento… primeiro momento que você tem noção que existe o sexo oposto. É aquele primeiro amasso que você dá na vida.  Se aprende sim que a vida deve ser maravilhosa. Depois você vê que não é tanto. E essa música, ela caiu…. ela não é nem um sucesso, ela é uma música cult.  Ela caiu no gosto do público,  justamente… as pessoas se identificam. Cada um tem a sua Rua Ramalhete pra contar.

Essa Rua Ramalhete instrumental ao fundo é o Marcio Roger Braga, que eu achei no Youtube.

Com a morte de um irmão que Tavito dizia que era sua “outra asa, o cara que me fazia voar”, ele ficou decepcionado com tudo e sumiu, foi fazer jingles. Montou sua própria empresa, a Zurana Criação e Produção, que viria a se tornar uma das maiores produtoras de jingles do Brasil. Meu! E que jingles viu? É dele, por exemplo, o tema da copa de 1994, encomendado pela Globo:

Coração verde e amarelo
Tavito

Na torcida são milhões de treinadores
Cada um já escalou a seleção
O verde e o amarelo são as cores
Que a gente pinta no coração

A galera vibra, canta, se agita
E unida grita: é “tetra campeão”!
O toque de bola
É nossa escola
Nossa maior tradição

Eu sei que vou
Vou do jeito que eu sei
De gol em gol
Com direito a replay
Eu sei que vou
Com o coração batendo a mil
É taça na raça, Brasil!

Eu sei que vou
Vou do jeito que eu sei
De gol em gol
Com direito a replay
Eu sei que vou
Com o coração batendo a mil
É taça na raça, Brasil!

Tavito é da geração que se formou na música influenciada pelos Beatles. A maioria de seus sucessos foi na voz de outros cantores, mas um deles, curiosamente, o sucesso foi o inverso. Mariozinho Rocha e Renato Correa compuseram NAQUELE TEMPO, que Tavito gravou. Ouça a influência dos Beatles no arranjo. E na letra…

Naquele tempo
Mariozinho Rocha
Renato Correa

Há muito tempo em toda festa
Todo mundo me pedia pra cantar
Mas eu tinha vergonha
E precisava muita gana
Pra criar coragem e tocar

Até que eu tocava uma viola direitinho
E chegava até a impressionar
Mas eu tinha vergonha
E precisava muita grana
Pra criar coragem e cantar

E mesmo sem saber qual era a letra
Pegava um violão
Mandava um cha-la-la-lá
Puxava um ou ou ou
Do fundo do coração

Os Beatles sempre perto me ajudavam
Na próxima canção

La la la laralalá
Laralalá
Hey Jude
La la la laralalá
Laralalá
Hey Jude

Naquele tempo eu tentava
Eu queria
O quanto tempo que eu fiquei sem namorar
Mas eu tinha vergonha
E precisava muita grana
Pra criar coragem e cantar

Mas ela só queria um cara forte
Totalmente loiro rico e que falasse inglês
Mas eu era moreno
Um mineiro bem trapeiro
Já sentiu que eu nunca tinha vez

E mesmo sem saber qual era a dela
Pegava um violão
Mandava um cha-la-la-lá
Puxava um ou ou ou
Do fundo do coração

Os Beatles sempre perto me ajudavam
Na próxima canção

Pois é… mas bastaria uma de suas obras para Tavito entrar para a história da música popular brasileira. Junto com Zé Rodrix ele compôs mais que uma canção, um hino, que foi muito além do que ambos imaginavam. Até pela maneira prosaica como foi composta. A gente fica imaginando os caras se matando pra criar um clássico, e ele sai (estala) assim… O hino é Casa no Campo, e Tavito contou no programa Senhor Brasil como foi composto esse clássico. Olha! Na sequência, fique de joelhos aí. Eu vou tocar o hino na voz da Diva.

Tavito – Essa música, ela foi feita… essa música tem uma historinha. Ela foi feita num caminho entre Brasília e Goiânia. A gente tocava com a Gal. Eu era irmão do Zé Rodrix e sou até hoje, apesar dele já ter morrido. Mas ele foi escrevendo essa letra na estrada, entendeu? Chegamos no hotel ele me passou a música, passou a letra e falou: faça uma música em cima disso que eu não consigo fazer, que não sei o que. Peguei e fiz. Mas eu fiz assim, dois minutos e meio assim.

Rolando Boldrin – Ele fez a letra e você a música.

Tavito – Ele fez a letra e eu não mudei nada. Eu não troquei nada de lugar, eu não fiz  nada. A letra é o poema dele, eu musiquei em dois minutos e alguns segundos e lógico que eu odiei, ele também odiou. Sempre que a gente faz música tem esse processo de rejeição que é comum. Mas depois o Zé inscreveu ela num festival e a Elis era…

Rolando Boldrin – A Elis foi a primeira a cantar ela?

Tavito – A Elis que lançou essa música. Engraçado foi o seguinte: quando a gente tocou ela no festival, a Elis falou: vou gravar a música de vocês. eu falei: não vai nada, né? Não é verdade. Mas ela disse, vou gravar e eu me desvinculei do negócio, o Zé é que ficou mexendo lá com o negócio. Dois meses depois eu ligo o rádio e escuto essa música no rádio com ela.  Sabe quando… os meninos hoje falam: lacrou? Fechou o sistema? Foi aí que eu entendi essa música. Eu fui entender com a Elis cantando. Aí tomei coragem, gravei também. O Zé gravou também. Enfim… o Zé costumava dizer que essa música nos autorizou, através da Elis, a sermos compositores de verdade.

Casa no campo
Zé Rodrix
Tavito

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras
Pastando solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau a pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais

Esse silêncio de reverência é o meu comentário.

Olha! Esse é o Tavito, cara. Suas músicas foram gravadas por dezenas de artistas. Em 2003 ele foi convidado para fazer um show e ficou impactado ao ver as pessoas chorando debruçadas no palco. Talvez sua estrela ainda brilhasse, e ele retomou a carreira, lançando mais dois discos. 

Eu disse “esse é” e não disse “esse foi” Tavito, porque ele ficou imortal. Não sei você, mas eu fiquei impactado com a morte dele, botei pra tocar todas essas músicas velhas e fiz este podcast aqui. É minha singela homenagem ao Tavito, que sempre me leva de volta pra minha Rua Ramalhete.

É assim, ao som de Rua Ramalhete de Tavito e Ney Azambuja, com Tavito e Pauloinho Moska, que vamos saindo cheios de saudades.

O Café Brasil é produzido por quatro pessoas. Eu, Luciano Pires, na direção e apresentação, Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e, é claro, você aí ó, completando o ciclo.   

De onde veio este programa tem muito mais, especialmente para quem assina o cafebrasilpremium.com.br, nossa “Netflix do Conhecimento”, onde você tem uma espécie de MLA – Master Life Administration. Então acesse cafedegraca.com e experimente o Premium por um mês, sem pagar.

O conteúdo do Café Brasil pode chegar ao vivo em sua empresa através de minhas palestras. Acesse lucianopires.com.br e vamos com um cafezinho ao vivo.

Para o resumo deste programa, acesse portalcafebrasil.com.br/656.

Mande um comentário de voz pelo WhatSapp no 11 96429 4746. E também estamos no Telegram, com o grupo Café Brasil.

Pra terminar, eu vou repetir uma frase do Tavito que eu adoraria ter dito:

Muito prazer vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido