Caçar ou cassar?
Luciano Pires -
caçar
verbo
1. Perseguir (animais silvestres) para prendê-los ou matá-los. [td. : “…caçou bicho grande, porco-do-mato.” ( Guimarães Rosa , Estas estórias)
2. Fazer caçada(s) ou andar à caça. [int. : Foi à África para caçar.
3. Bras. Perseguir ou procurar para prender. [td. : Os policiais caçavam os traficantes.
4. Bras. Tentar encontrar, buscar, ou conseguir com esforço, astúcia. [td. : caçar um emprego, uma vaga: “Onde o pai vai caçar dinheiro?” ( Marques Rebelo , Contos reunidos)
5. Fig. Apanhar. [td. : “… postou-se à porta da igreja caçando as esmolas dos fiéis.” (R. da Silva)
6. Mnh. Alar (a escota da vela) para aproveitar melhor o vento.
7. Mar. Desviar(-se) (embarcação) do rumo pela força da correnteza ou do vento; GARRAR
[int.] [F.: Do lat. vulg. * captiare. Hom./Par.: caçar, cassar (em todas as fl.); caça (s) (fl.), caça (s) (sf.sm.[pl.]), cassa (s) (sf.[pl.]); caço (fl.), caço (sm.), casso (a.).]
cassar
verbo
1. Revogar, anular (mandato, licença, direitos políticos etc.) (de): O juiz determinou que cassassem sua carteira de habilitação: Cassaram deputados envolvidos com narcotráfico
2. Impedir a continuidade ou a realização de; PROIBIR: O presidente da assembleia cassou sua palavra: cassar a campanha de um candidato
3. Impedir a circulação de (jornal, livro etc.) apreendendo todos os exemplares postos à venda ou em estoque: O governo durante a ditadura cassou vários jornais
[F.: Do v.lat. cassare. Hom./Par.: cassáveis (fl.), cassáveis (pl. de cassável [a2g.]); cassa (fl.),
caça (sf.); cassas (fl.), caças (pl. do sf.); casso (fl.), caço (fl. de caçar e sm.), casso (a.); cassar, caçar (em todas as fl.).]
Caçar ou cassar?
Pasquale Cipro Neto
“Era uma vez um czar naturalista que caçava homens. / Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas, ficou muito espantado / e achou uma barbaridade.”
Já sabe de que texto se trata, caro leitor? Temos aí a íntegra do poema Anedota Búlgara, integrante de Alguma Poesia, primeiro livro (de 1930) de Carlos Drummond de Andrade.
Intemporal, o poema se refere aos poderosos que, representados no texto pelos czares da antiga Rússia, são hipócritas e absolutamente indiferentes à sorte da patuléia (como diz o grande Elio Gaspari).
E não é que de vez em quando alguém (o corajoso deputado Fernando Gabeira, por exemplo) azeda o molho de alguns poderosos e ex-poderosos? Aí começa uma verdadeira caçada, que às vezes acaba em cassação ou em ergástulo (belo termo do juridiquês, que na língua do povo se traduz mesmo por cadeia, cana, xilindró, xadrez).
O leitor certamente já sabe que vamos trocar duas palavras sobre pares como “caçar” e “cassar”. Temos aí um exemplo de homófonos (vocábulos que se pronunciam da mesma forma, mas se escrevem de modo diverso e, obviamente, têm significado também diverso).
O verbo “caçar” vem do latim vulgar “captiare”, que, por sua vez, vem da forma clássica “captare”, que é também a raiz de “captar” e “catar”. Em todos esses termos está presente a noção de “agarrar”, “tomar”, “apanhar”. O homófono “cassar” também vem do latim (“cassare”, que significa “tornar nulo, sem efeito”).
O curioso é que não raro (ato falho?) nossos jornais e revistas trocam “cassar” por “caçar”, no texto e nos títulos, e acabam fazendo, por exemplo, um tribunal ou uma casa parlamentar “caçar” uma liminar, um mandado de segurança ou o mandato de um deputado. Há algum tempo, um dos grandes jornais do país publicou este trecho: “Para garantir a aprovação do projeto de lei 2.401 e caçar o poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança…”.
Caçar o poder da Comissão? No lugar de “caçar”, leia-se “cassar”.
Convém aproveitar a ocasião para estender a conversa a outros casos de palavras que têm pronúncia igual ou parecida, mas apresentam grafia e significado diferentes. No parágrafo anterior, você deve ter notado a presença de uma dessas duplas (“mandado” e “mandato”, que muita gente boa confunde). O mandato é uma delegação, isto é, uma autorização ou procuração que alguém (o eleitor, por exemplo) confere a outrem (um senador, deputado, prefeito, presidente, governador etc.) para agir (honestamente, supõe-se) em seu nome.
Neste ano, por exemplo, termina (ufa!) o mandato de muita gente. O mandado é simplesmente uma “ordem escrita que emana de autoridade judicial ou administrativa” (“Aurélio”). Pode-se falar, por exemplo, num mandado de prisão ou de busca e apreensão. Outra dupla importante é formada por “seção” e “sessão”. A seção (que é o ato de secionar, ou seja, de cortar, fracionar) é um segmento, uma parte de um todo. Pode-se trabalhar na seção de peças de uma loja ou na seção de frios de um supermercado, por exemplo. O vocábulo “secção” é totalmente equivalente a “seção”, por isso pode-se seccionar ou secionar, pode-se fazer o seccionamento ou o secionamento (de uma reta, por exemplo). E “sessão”? Pode significar “tempo ou período em que uma assembléia, um congresso, um corpo deliberativo ou consultivo se mantém em reunião, estudando, discutindo, resolvendo ou deliberando acerca de fatos ou questões”; “espaço de tempo em que se realiza determinada atividade ou parte dela”; “espaço de tempo durante o qual um espetáculo cinematográfico, teatral etc. é apresentado” (“Houaiss”). Que tal um cineminha hoje na sessão das dez?