Centenário de Roberto Campos
Luiz Alberto Machado - Iscas Econômicas -Centenário de Roberto Campos
1917 – 2017
“Roberto Campos foi um tecnocrata esclarecido, o mais iluminista de nossos intelectuais, um estadista exemplar, embora frustrado em suas inúmeras tentativas de reformar o Brasil, de retirá-lo de uma pobreza evitável para colocá-lo numa situação de prosperidade possível, como argumentou diversas vezes ao longo de meio século.”
Paulo Roberto de Almeida
Hoje, dia 17 de abril, Roberto Campos completaria 100 anos. Dotado de mente privilegiada, foi um dos maiores – senão o maior – intérprete do Brasil. Reconhecido como um dos nossos maiores economistas, embora fosse também teólogo e diplomata, será, em breve, um dos próximos integrantes da série Grandes Economistas Brasileiros. Famoso também por suas frases inteligentes, espirituosas e sarcásticas, para não deixar passar em branco a data do centenário de seu nascimento, apresento aqui uma seleção de 100 dessas frases.
- No Brasil, a burrice tem um passado glorioso e um futuro promissor.
- Este é o país dos controles, no qual o Estado controla tudo, exceto a si mesmo.
- Nada mais parecido com um monetarista do que um estruturalista no poder.
- Todas as revoluções, em seu fervor inicial, tendem a confundir moralidade com moralismo. Aquela é uma virtude; este, um cacoete.
- Mais tarde eu viria a perceber que essa baixa capacidade de produzir mitos é característica tanto do capitalismo quanto da democracia. Produzem resultados práticos, mas é diminuta sua capacidade de fabricar mitos. O socialismo, de outro lado, é mais forte na produção de mitos que de resultados.
- O mundo não será salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes.
- Teólogos não deveriam ser subestimados. O bispo e príncipe Tayllerand costumava dizer que “quem aprende a enganar a Deus será facilmente proficiente na arte de enganar os homens”.
- A fama de que Cáceres produzia mulheres bonitas deveria ser justificada à época, mas quando anos mais tarde visitei a cidade, em campanha eleitoral para o Senado, verifiquei ser essa fama desapontadoramente exagerada.
- Tudo que é rigorosamente proibido é ligeiramente permitido.
- Política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos erros de ontem.
- O paradoxo político é, assim, que nos países de fraca capacidade empresarial privada, justificar-se-ia a intervenção do governo, mas a este falta competência para tanto; e, nos países de cultura mais sólida, onde o governo poderia intervir com menor possibilidade de erro, sua intervenção é desnecessária.
- Ninguém exerceu maior influência sobre minha formação de economista do que Eugênio Gudin. Foi a mais multifacetada das figuras, capaz de combinar a um tempo a intensidade do raio laser e a alegria cromática do arco-íris. Não era apenas um economista, conforme a recomendação de Hayek, que dizia não ser “um bom economista quem era apenas um economista”. Gudin tinha algo parecido com um humanista da Renascença. Uma de suas qualidades era a boa cultura literária, sobretudo francesa, a paixão pelas artes, sobretudo a música, uma pitada de hedonismo no vinho, na mesa e no culto à beleza, o quantum satis de matemática, para o cultivo das ciências exatas, sem esquecer que a economia trata do mais inexato dos fenômenos – o comportamento humano.
- O camelo é um cavalo planejado por um comitê de economistas; nem por isso é um animal inútil…
- Nós, os economistas – profissão, hoje, tão contagiosa como o sarampo –, abusamos, sem dúvida, do direito de desnortear o comum dos mortais.
- Hoje eu estudaria biologia molecular. A economia é apenas a arte de alcançar a miséria com o auxílio da estatística.
- O telefone celular faz mal para a masculinidade: é cada vez menor, anda sempre dobrado, cai a ligação várias vezes e não funciona quando entra no túnel.
- Empresa privada é aquela que o governo controla, empresa estatal é aquela que ninguém controla.
- O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre menos do que nos pode tirar.
- Uma vez criada a entidade burocrática, ela, como a matéria de Lavoisier, jamais se destrói, apenas se transforma.
- No mundo real dos Estados e dos governos, quem gasta o dinheiro tirado de todos não é quem o ganha, e sim um político ou burocrata que, antes de mais nada, trata de servir aos seus próprios objetivos.
- Para Karl Marx a ditadura do proletariado seria apenas um estágio na evolução dialética. Abolidas as classes e a propriedade privada, assistiríamos ao “fenecimento do Estado” e a floração da liberdade. Infelizmente Marx era bom filósofo, medíocre profeta e mau político.
- Segundo Marx, para acabar com os males do mundo, bastava distribuir. Foi fatal. Os socialistas nunca mais entenderam a escassez.
- Fui um bom profeta. Pelo menos, melhor que Marx. Ele previra o colapso do capitalismo, eu previ o contrário, o fracasso do socialismo.
- Os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos. O que não sabem é plantá-las.
- No socialismo as intenções são melhores que os resultados. No capitalismo os resultados são melhores que a intenção.
- Enquanto os socialistas gostam de falar das imperfeições do mercado, os liberais têm medo das imperfeições do governo.
- O capitalismo tem preços flexíveis e prateleiras cheias; o socialismo, preços congelados e prateleiras vazias.
- Na inflação capitalista, os preços sobem; na inflação socialista, os produtos somem.
- No meu dicionário, “socialista” é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros.
- Os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado.
- Nossas esquerdas não gostam dos pobres. Gostam mesmo é dos funcionários públicos. São estes que, gozando de estabilidade, fazem greves, votam no Lula, pagam contribuição para a CUT. Os pobres não fazem nada disso. São uns chatos.
- O PT é o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.
- Sempre lutei contra três de nossas deformações culturais: o escapismo que visa a inculpar demônios externos pelos pecados internos; o antidarwinismo, caracterizado pelo horror à concorrência e o apego corporativista a privilégios estatais; e o anticontratualismo característico das sociedades frouxas (soft societies) a que se referia Gunnar Myrdal, rebeldes às leis e relaxadas nos contratos.
- Tenho três demônios favoritos: a explosão demográfica, a explosão inflacionária e o gigantismo estatal. Esses, os demônios que insisto em denunciar; esses, os demônios que quero exorcizar.
- Pessoalmente, sou imensamente grato a Eugênio Gudin, pela sua insone luta contra três deformações de nossa mentalidade: o “pseudo-nacionalismo”, o “pseudo-igualitarismo” e o “pseudo-liberalismo”. O “pseudo-nacionalismo” é o daqueles que pensam que o nacionalismo se comprova com férvidos discursos, quando a nação precisa é de resultados. Nacionalismo é criar empregos; é amar seu país, sem odiar os outros. O “pseudo-igualitarismo” é o daqueles que pensam ser possível assegurar a todos o “sucesso”, quando na realidade o máximo que a sociedade pode fazer é facilitar a todos o “acesso”. Se insistirmos em castigar o sucesso, ao invés de melhorar o acesso, acabaremos, como dizia Lord Acton, tornando vã a esperança da liberdade, em virtude de uma fatal paixão pela igualdade. O “pseudo-liberalismo” é o daqueles que pensam que é possível ser liberal em política e intervencionista em economia, quando, se alguma coisa a história nos ensina, é que a concentração de poder econômico no Estado acaba infirmando, mais cedo ou mais tarde, o pluralismo político.
- No plano econômico, precisamos de uma nova semiótica, como antídoto ao veneno dos ismos. Essa semiótica consistiria na adoção de um novo sufixo – ação – que sinalizaria uma ideologia modernizante. Desinflação, desregulamentação, desgravação fiscal e integração no mercado internacional, eis a litania do novo credo!
- Enquanto eu caminhava cada vez mais para uma visão ortodoxa da “solucionática” da inflação, confiando mais em controles macroeconômicos monetários e fiscais, Galbraith mantinha singular afeição por processos heterodoxos de congelamento e controle de preços.
- Nunca tive ocasião de exorcizar os demônios bíblicos, mas em compensação especializar-me-ia depois no exorcismo dos demônios econômicos do nacionalismo, do estatismo e do protecionismo, que tanto contribuíram para o nosso atraso econômico.
- Taxas cambiais realistas e flutuantes (em vista das condições inflacionárias da economia brasileira) acopladas a uma tarifa aduaneira única, passaram a ser parte do evangelho que nunca tive ocasião de praticar (são conselhos de perfeição, que o Brasil nunca conseguiu absorver.
- Cumpre não esquecer que o desenvolvimento econômico real se mede pelo número de projetos concluídos e não pelo número de projetos iniciados e depois relegados ao abandono, ou indefinidamente adiados pela escassez de fatores reais. Num regime de inflação, começa-se mais do que se deve e conclui-se menos do que se pode.
- Durante um quarto de século, o esporte favorito dos economistas e sociólogos de esquerda, no Brasil, e de alguns brazilianists americanos de persuasão “liberal”[1], foi acusar o governo da Revolução de 1964 de indiferença social, traduzida em políticas ortodoxas “de alto custo social”.
- Uma das deformações de nossos militares é confundirem comando com liderança. Comando é a capacidade de fazer executar ordens através da hierarquia. Liderança é a capacidade de formar opiniões através da persuasão.
- Conciliar o mercado, que é o voto econômico, com a democracia, que é o voto político, eis a grande tarefa da era pós-coletivista – o século XXI.
- O mercado é um ininterrupto plebiscito, onde as preferências e os eventuais erros estão sujeitos a um permanente processo de revisão e ajustamento.
- Admitir o ‘liberalismo explícito’, num país de cultura dirigista, é coisa tão esquisita como praticar sexo explícito em público. Não dá cadeia, mas gera patrulhamento ideológico. A etiqueta de ‘socialista’ ou ‘centro-esquerda’ dá um ar de respeitabilidade a qualquer patife ou imbecil, animais abundantes na praça…
- O chamado “neoliberalismo” econômico do Brasil é um ente de ficção só existente na cabeça de acadêmicos marxistas, demagogos políticos ou jornalistas desinformados. Masturbam-se com o perigo do inexistente…
- A percepção das dificuldades, que se classificavam em três grupos – ideológicas, técnicas e institucionais – não era motivo de desânimo. Àquela altura eu não estava ainda preparado para a humilde tese de Hayek, para quem a economia não é senão o “estudo das consequências imprevistas da ação humana”.
- O fim da jornada é um momento que enseja questionamento sobre o esforço e a rota. Meu esforço foi certamente maior que o resultado. Previ a rota desejável, sem conseguir fundamentalmente mudar os acontecimentos. […] Se tivesse que fazer uma autocrítica, à luz das estórias que contei, diria que fui antes um pregador de ideias do que um operador eficaz. […] Minha geração falhou na tarefa de fazer do futuro o presente, lançando o país numa trajetória de crescimento sustentado, sem inaceitáveis desníveis de renda e oportunidades.
- Somente nos anos [19]70, o keynesianismo, como doutrina, seria temporariamente desbancado pelo monetarismo, que se baseia precisamente na visão oposta, segundo a qual é escassa a capacidade governamental de administrar a economia por sintonia fina, em vista das “expectativas racionais” do mercado (que se antecipam às decisões econômicas do governo), e da insuficiente informação que este possui sobre a microeconomia.
- É infalível regra maquiavélica que o mal se faz de uma só vez e o bem a conta-gotas. Planos de austeridade monetária e fiscal devem ser lançados no início de governo, para criar, de imediato, um clima anti-inflacionário e para aproveitar o crédito de confiança dado aos governos noviços.
- Vargas foi a personalidade mais complexa e cambiante que conheci em minha vida pública. Teve várias encarnações que, trinta e um anos depois de conhecê-lo pessoalmente, eu descreveria, em discurso no Senado Federal, como um “museu weberiano de configurações do poder: o poder revolucionário, o carismático, o ditatorial e o constitucional”.
- O astuto ministro da Fazenda de então, o mineiro Alkmin, de quem se dizia ser capaz de trocar de meia sem descalçar os sapatos.
- [Fernando] Gasparian pertencia à categoria que eu descrevia irritadamente como “os burgueses de esquerda”, que praticam um “capitalismo de balcão” e um “socialismo de salão”.
- A transição das economias pré-industriais para o capitalismo industrial, em fins do século XVIII, provocou terríveis deslocamentos sociais. Todos os ciclos de transformações tecnológicas, mudanças de fontes de recursos, ou preferências do mercado, penalizam alguns agentes econômicos e premiam outros. A “destruição criativa” de que falou Schumpeter é no papel um fascinante objeto de análise. Na realidade concreta, como todo processo seletivo, dói em muita gente.
- [John] Kennedy encontrava dificuldades em persuadir o Congresso a abandonar a tese republicana da era Eisenhower de que um orçamento equilibrado é o critério de sucesso na política econômica. Oscilava entre o desejo de promover o pleno emprego e o receio de imprudência fiscal. Infelizmente o keynesianismo não tinha receita para isso. Rostow costumava dizer que: “Como chegar ao pleno emprego sem inflação” é um capitulo que Keynes não escreveu.
- O doce exercício de xingar os americanos em nome do nacionalismo nos exime de pesquisar as causas do subdesenvolvimento e permite a qualquer imbecil arrancar aplausos em comícios.
- É divertidíssima a esquizofrenia de nossos artistas e intelectuais de esquerda: admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar – bons cachês em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês. São filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola.
- Todo mundo sabe que o dinheiro do governo é gasto para sustentar universidades ruis e grátis, para classes médias que podem pagar. Nada melhor. Garante comícios das UNEs da vida, ótima preparação para futuros políticos analfabetos.
- Dois traços são característicos da psique dos países em desenvolvimento: ambivalência e escapismo. Típico da ambivalência é querermos investimentos estrangeiros sem investidores estrangeiros. É querermos acelerar o desenvolvimento tecnológico e ao mesmo tempo insistir em redescobrir, orgulhosamente, a roda. Típico do escapismo é buscar desculpas externas para evitar reformas internas. É o complexo de transferência de culpa. Que nos leva a uma superprodução de demônios explicativos e bodes expiatórios.
- Sou chamado a responder rotineiramente a duas perguntas. A primeira é ‘haverá saída para o Brasil?’. A segunda é ‘o que fazer?’. Respondo aquela dizendo que há três saídas: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. A resposta à segunda pergunta é aprendermos de recentes experiências alheias.
- Continuamos a ser a colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às ‘autoridades’ – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a ‘autoridade’ era Lisboa. Hoje, é Brasília.
- Nenhuma sociedade pode florescer, ou mesmo funcionar, se seu povo não se sente mais responsável por ela.
- Boa parte de nosso subdesenvolvimento se explica em termos culturais; ao contrário dos anglo-saxões, que prezam a racionalidade e a competição, nossos componentes culturais são a cultura ibérica do privilégio, a cultura indígena da indolência e a cultura negra da magia.
- O Brasil é uma economia subdesenvolvida em que as aspirações superam de muito a capacidade de gerar satisfações.
- A psicologia de berçário, que herdamos do hino nacional (“gigante… deitado eternamente em berço esplêndido…”) e o ufanismo das riquezas naturais (as quais são apenas recursos à espera de investimentos), que mamamos nos livros escolares, têm agido como narcotizantes da vontade nacional de desenvolvimento, transformando-nos no país do futuro, enquanto afanosamente conquistam o presente. Infelizmente, como já disse alhures, a chupeta do otimismo é mau substituto para a bigorna do realismo.
- As condições do Rio de Janeiro [quando a capital estava se transferindo para Brasília] eram excepcionalmente favoráveis, possivelmente melhores que as de Hong Kong, num sentido físico, pela existência de duas baías contíguas, de bom calado, Guanabara e Itacuruçá, a pequena distância uma da outra, possibilitando a criação de um corredor de exportação. O Rio poderia ter-se tornado uma grande cidade-entreposto, antes que Hong Kong, Cingapura ou Kao-hsiung, em Taiwan, atingissem o extraordinário desenvolvimento que alcançaram nas décadas de 70 e 80. Perdida essa áurea oportunidade, o Rio sofreu gradual decadência como centro comercial e financeiro, estando hoje mais próximo da lúgubre pobreza de Calcutá do que do esfuziante dinamismo de Hong Kong.
- Castello Branco foi um grande presidente. Talvez o maior de todos. Porque lhe coube uma herança de caos, uma safra de impasses, a travessia de desertos impraticáveis, numa nação que parecia ter-se esquecido de que a busca de direitos exige a aceitação de deveres.
- Quando, depois da Revolução, cheguei ao ministério do Planejamento, verifiquei a necessidade de uma completa reorientação da Sudene. Concluí que, no período de implantação e funcionamento inicial da Sudene, podiam ser identificadas o que chamava de “quatro deformações”: a ênfase estatizante, o preconceito ideológico, o preconceito nacionalista e a obsessão industrializante.
- Sempre achei que o México e o Brasil somente transporiam sua fase pré-lógica e fetichista quando privatizassem suas empresas estatais de petróleo a Pemex e a Petrossauro. Monopolizaram o petróleo a título de ‘riqueza estratégica’. Mas ele não é nem uma coisa nem outra. Se petróleo fosse riqueza, o Japão seria pobre, e a Rússia, opulenta. Se produzi-lo desse poder estratégico, a Alemanha seria mais débil que o Iraque.
- Estatal sem monopólio, era o meu lema da época. Os modelos de mobilização restritiva nunca foram, aliás, de minha simpatia. Lutei contra o monopólio da Petrobras por julgá-lo um modelo de mobilização restritiva. Lutei depois contra a Lei de Informática, de 1984, porque se baseava no mesmo princípio de rejeição de capitais estrangeiros, numa pretensão irrealista de autonomia tecnológica. Descambamos para uma espécie de isolacionismo tecnológico extremamente detrimentoso. Lutei também, na Constituinte de 1988, contra o terceiro modelo excludente – a exigência de maioria de capitais nacionais na exploração mineral. Essa exigência é particularmente irrealista na fase de pesquisa, extremamente arriscada e pouco atraente. Em todos os três casos fui derrotado. Em todos os três casos, estava redondamente certo. Em escala mirim, poderia dizer o que, com sua justificável megalomania, dizia De Gaulle: – Estive certo quando tive todos contra mim.
- O grande prestígio da ideia de planejamento no Brasil só foi comparável à extensão do seu fracasso.
- Nossa pobreza não é uma fatalidade imposta por um mundo injusto. É algo que podemos superar com diligência municiada pela emoção e disciplinada pela razão.
- A maioria dos brasileiros não é sem-terra, mas sem-teta.
- Os credores sabem que, se nossa economia não cresce, nossa capacidade de pagamento decresce.
- Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero.
- A primeira coisa a fazer no Brasil é abandonarmos a chupeta das utopias em favor da bigorna do realismo.
- As reformas não conseguirão piorar nosso manicômio fiscal. Mas, como dizia um engraxate da Câmara, não há perigo de melhorar.
- Sobre as eleições diretas no Brasil, melhor coisa que se pode dizer é que funcionaram bem enquanto não existiram.
- No Brasil há leis que “pegam” e leis que “não pegam”. A que criou o Banco Central não pegou. É que o Banco Central, criado independente, tornou-se depois subserviente. De austero xerife passou a devasso emissor.
- A transformação de Severo Gomes, de latifundiário reacionário em líder de esquerda, foi uma das mais surpreendentes metamorfoses a que assisti na política brasileira. Duas vezes ministro de governos militares, o de Castello Branco (Agricultura) e o de Ernesto Geisel (Indústria e Comércio), passou depois a se integrar na esquerda nacionalista. Sua saída do governo Geisel foi motivada por uma posição xenofóbica de questionamento da importância de atrair capitais estrangeiros, precisamente quando dois de seus colegas de ministério – Mário Henrique Simonsen e João Paulo dos Reis Veloso – participavam de seminário na Suíça, cuja finalidade era induzir investidores estrangeiros a aplicarem capital no Brasil. Nos oito anos que convivemos no Senado (1983/1990), Severo passou de latifundiário impenitente a nacional populista, sob a proteção de Ulysses Guimarães. Tornou-se um dos corifeus da política de informática e das “reservas de mercado”. Bizarramente, eu, que era considerado “socializante” no grande debate do Estatuto da Terra, passei depois a ser apodado de reacionário, enquanto que Severo passou a ser um dos próceres da chamada esquerda progressista. São exóticas as girações da política brasileira!…
- Quando cheguei ao Congresso, queria fazer o bem. Hoje acho que o que dá para fazer é evitar o mal.
- O Congresso não deve apoiar nenhum aumento de imposto que não seja precedido de um programa de corte de gastos e de uma política concreta de desestatização.
- A experiência asiática demonstrou que a diferença relevante não é aquela entre desenvolvimento espontâneo ou derivado, central ou periférico, dependente ou independente. A diferença relevante é entre o desenvolvimento orientado para a exportação, que impõe o constrangimento da eficiência, ou o desenvolvimento introvertido, que acoberta ineficiências através do protecionismo.
- Historicamente podem-se distinguir três métodos de arrancada: o do big push (grande empuxe), o da “industrialização substitutiva de importações” e o da “plataforma de exportação”. O primeiro foi conceptualizado por economistas ocidentais nos anos 50, mas só praticado nos planos russos e chineses, cujos governos podiam mobilizar recursos humanos, materiais e financeiros de forma ditatorial. O segundo, enfatizando o protecionismo às indústrias nascentes, foi praticado em diferentes graus e estágios nos Estados Unidos e Europa, mas atingiu proporções exageradas na América Latina, resultando em indústrias pequenas e ineficientes, altamente protegidas. O terceiro modelo, razoavelmente bem sucedido, foi o asiático, em que países pequenos se transformaram em plataformas de exportação, capacitando seus mercados para reduzir custos e atrair investimentos.
- Estagnada há um quarto de século, pela inchação do Estado e depressão da empresa, a Argentina é um avião que, após a decolagem, virou helicóptero.
- A Suécia é um país que se diz ‘socialista’, mas as empresas estatais representam apenas 6% do PNB, e 90% permanecem em mãos privadas. No Brasil, nós nos dizemos “capitalistas” e o Estado capta 70% da poupança, responde por 60% dos investimentos e gasta 40% do PIB. Em nosso subconsciente parece sonharmos o sonho impossível de um capitalismo sem lucro, um socialismo sem disciplina e investimentos estrangeiros sem investidores…
- O mundo é hoje dos velozes e não espera os retardatários.
- Minha teoria é que as estatísticas são como o biquíni: o que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial.
- Assim é que eu frequentemente me inclinei a pensar que a ignorância e a burrice são fatores consideráveis na História. E digo muitas vezes que o último livro que gostaria de escrever, para o fim, teria como tema o papel de burrice na História.
- Eu diria ironicamente que o Brasil tem uma opção: ser o último do Jockey Clube ou o primeiro da gafieira. E o Itamaraty tem rejeitado qualquer ideia de nossa incorporação ao Jockey Clube e insistido em ter a liderança da gafieira.
- Se estamos pensando em modificar o Itamaraty, não é apenas na aparência que devemos modificar, mas é necessário também abrir o campo funcional para mudar o sistema até agora posto em vigor, a fim de dar um pouco mais de eficiência em proveito da política internacional do Brasil.
- Delfim, perdi muito tempo. Só devia ter lido Hayek.
- Após uma longa peregrinação pelo socialismo utópico e pelo dirigismo keynesiano, acabei, já na maturidade, tendo meu encontro amoroso com a escola austríaca, na qual os grandes liberais Von Mises e Hayek analisam filosoficamente a “ação humana”, isto é, o comportamento do homem à busca de melhoria de sua condição. A economia não seria senão a análise das “consequências não intencionais da ação humana”.
- Todo mundo tem seus prediletos e seus desafetos. Meus desafetos são: estruturalismo, populismo, estatismo, nacionalismo. O meu predileto é o liberalismo. E tenho razões para isso. Acho que os demais se provaram deletérios, enquanto que o liberalismo tem revelado, ao longo da História humana, aspectos basicamente construtivos.
- A velhice é uma tragédia.
- O que me torna triste, quando se aproximam as sombras da velhice, não é apenas assistir ao “empobrecimento” do Brasil. É o castigo imerecido que o Senhor Deus me impõe de assistir ao “emburrecimento” do Brasil.
- Em nenhum momento consegui a grandeza. Em todos os momentos procurei escapar da mediocridade. Fui um pouco apóstolo, sem a coragem de ser mártir. Lutei contra as marés do nacional-populismo, antecipando o refluxo da onda. Às vezes, ousei profetizar, não por ver mais que os outros, mas por ver antes. Por muito tempo, ao defender o liberalismo econômico, fui considerado um herege imprudente. Os acontecimentos mundiais, na visão de alguns, me promoveram a profeta responsável.
- Um dos meus pecados de juventude foi ter sido ministro do Planejamento. Hoje acredito que os planos são exercícios encomendados por desinteressados, a grupos despreparados, para fins desnecessários.
- A minha divergência com vários esquerdosos é que eles têm obsessão de distribuir pobreza. Você tem que ter certa consideração com os elementos capazes de criar riqueza. O respeito ao criador da riqueza é o começo da solução da pobreza.
- Se tivesse que fazer uma autocrítica, (…) diria que fui antes um pregador de ideias do que um operador eficaz, melhor na formulação do que na articulação de políticas – possuído talvez demais da ‘índole de controvérsia’, e, de menos, da ‘capacidade de acomodação’ necessária ao exercício do poder.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas
ALMEIDA, Paulo Roberto (organizador). O homem que pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos. Curitiba: Appris, 2017.
______________ Roberto Campos, 100 anos – e sempre atual. O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 2017, p. A 2.
BATISTA, Antonio Roberto. Aniversário da Morte do Professor Roberto de Oliveira Campos. Mimeo.
CAMPOS, Roberto de Oliveira. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.
_______________ Na virada do milênio. Topbooks, 1999.
DELFIM NETTO, Antonio. O desconstrutor de mitos. O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 2017, p. B 7.
DUAILIBI, Roberto. Duailibi das citações. 5ª edição. São Paulo: Arx, 2004.
GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de ideias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
LAMUCCI, Sergio. O liberal planejador. Valor Econômico. Suplemento Eu & Fim de Semana, 31 de março de 2017, pp. 4-7.
Referência webgráfica
https://www.facebook.com/LiberalRobertodeOliveiraCampos/?fref=nf&pnref=story
[1] A palavra “liberal”, no jargão político americano, ao contrário do que sucede na América Latina e na maioria dos países europeus, é identificada com posturas governamentais assistencialistas e regulatórias. Para os republicanos, nos Estados Unidos, é expressão pejorativa, aplicada aos democratas, acusados de laxismo fiscal e paternalismo social, em contraste com o “individualismo de mercado” dos republicanos.