Contrastes maranhenses
Luiz Alberto Machado - Iscas Econômicas -Lições de viagem 13
Contrastes maranhenses
“Maranhão.
O reggae ecoa na voz
e evolui no coração
a África somos nós
na ginga de cada irmão
que se atira nos lençóis
que enriquece o Maranhão”
Guibson Medeiros
Acabo de concluir uma viagem de 10 dias ao estado do Maranhão, sete dos quais passados nas deslumbrantes paisagens dos Lençóis Maranhenses.
Foi minha quinta visita ao estado, que se caracteriza, entre outras razões por acentuados contrastes. Foi também a primeira exclusivamente a turismo, já que nas vezes anteriores estive no Maranhão a trabalho por um, dois, três ou, no máximo, quatro dias.
Minha primeira ida ao Maranhão ocorreu no início da década de 1980. Na ocasião, fui ministrar cursos para lideranças sindicais em São Luís e em Codó. Embora tenha ficado pouco tempo no estado, recordo-me que minha impressão não foi positiva. O Centro Histórico, onde ficava o hotel em que me hospedei, ostentava graves problemas de deterioração, de tal forma que o interior por trás de algumas belas fachadas com azulejos em estado de conservação satisfatório era desolador, não passando de ruína ou acelerado processo de abandono, em que predominavam a pobreza e a sujeira. Se a impressão da capital não foi favorável, a de Codó, cidade localizada a 290 quilômetros de distância da capital, foi ainda pior.
Além dessas impressões, dois fatores ficaram gravados em minha memória. O primeiro diz respeito à pobreza reinante no estado, que não raras vezes chegava à miséria absoluta, superior a tudo que eu já havia visto em meus quase trinta anos de vida, nos quais já conhecera quase todas as capitais e algumas cidades do interior de diversos estados brasileiros do sul, sudeste, centro-oeste e nordeste (não havia conhecido até então os estados do norte do País). O segundo foi que nas duas noites em que dormi em Codó, choveu muito, ocasionando a queda de uma ponte na estrada de lá para São Luís. Como não era possível voltar a São Luís para pegar o voo para São Paulo, o jeito foi ir para Teresina. Achei que não haveria problema, uma vez que o voo de São Luís para São Paulo fazia escala na capital piauiense. Para minha surpresa, o funcionário da companhia aérea – não tenho certeza se Vasp ou Transbrasil – não queria me deixar embarcar de jeito nenhum. Expliquei a situação a ele, informando que seria impossível voltar a São Luís por conta da queda da ponte, mas ele se manteve irredutível. Já com o avião pousado, expliquei o problema a um funcionário mais graduado, que ligou para a Polícia Rodoviária e, obtendo a confirmação da queda da ponte, autorizou meu embarque.
Nas três vezes seguintes, cheguei num dia, ministrei palestra na mesma noite e retornei no dia seguinte. Pude perceber apenas que a deterioração do Centro Histórico permanecia a mesma e que a gentileza das pessoas locais, em especial dos dirigentes do Conselho Regional de Economia, propiciava momentos agradabilíssimos.
Nesta minha última experiência em terras maranhenses, permaneci por sete dias nos Lençóis Maranhenses e os restantes em São Luís e em Alcântara.
Com mais tempo, pude conhecer melhor algumas peculiaridades que fazem do Maranhão um estado com extraordinários contrastes.
Nos primeiros dias desfrutei das paradisíacas paisagens dos Lençóis Maranhenses, pernoitando nas três mais conhecidas cidades da região: Barreirinhas, Atins e Santo Amaro. A exuberância da natureza, repleta de deslumbrantes dunas e lagoas, somada ao intenso turismo, dá à região uma condição especial, neutralizando ou disfarçando os problemas da infraestrutura local.
Uma das lagoas em Santo Amaro
Em São Luís, a melhora concentra-se na região das praias, com modernos edifícios, hotéis, shopping centers e restaurantes de boa qualidade. No Centro Histórico, porém, a deterioração e a pobreza predominam, situação atenuada atualmente pelos enfeites e atividades das festas juninas, autodenominadas de “Maior São João do Mundo”.
Alcântara, situada no continente a cerca de 30 quilômetros de São Luís, percorridos em pouco mais de uma hora por barcos que partem do Cais da Praia Grande, foi uma das cidades mais ricas do Brasil entre os séculos XVII e XVIII, quando sua economia girava em torno do algodão, da cana-de-açúcar e do trabalho escravo. Depois da abolição da escravatura veio a decadência e os barões abandonaram a cidade. Nos dias de hoje, é uma cidade pitoresca, que vale a pena ser visitada para se ter uma noção de sua importância histórica, conhecer suas ruínas e casarões que marcaram a época da colonização do Brasil e parte do folclore local voltado às festas religiosas, com destaque para a festa do Divino. Quem permanecer por mais tempo pode visitar também as comunidades quilombolas e testemunhar a hospitalidade de seu povo.
A Base de Alcântara, centro de lançamento de foguetes reconhecido internacionalmente por sua localização geoestratégica, não é aberta à visitação.
Praça da Matriz de São Matias em Alcântara
Seguem-se alguns dados para ilustrar os contrastes do Maranhão.
Levantamento da FGV Social realizado em 2021 mostra que o Maranhão é o estado com maior percentual de pobres do País, abrangendo cerca de 29,62% da população brasileira, como pode ser visto na tabela 1.
Tabela 1
Estados mais pobres do Brasil[1]
Lugar | Estado | Percentual |
1º | MA | 57,00% |
2º | AM | 51,42% |
3º | AL | 50,36% |
4º | PE | 50,32% |
5º | SE | 48,17% |
6º | BA | 47,33% |
7º | PB | 47,18% |
8º | PA | 46,85% |
9º | AP | 46,80% |
10º | RR | 46,16% |
11º | CE | 45,89% |
12º | PI | 45,81% |
13º | AC | 45.53% |
14º | RN | 42,86% |
Outro estudo, realizado pelo IBGE, também em 2021, utilizando o critério do Banco Mundial que considera extremamente pobres as famílias que dispõem de menos de US$ 1,90 por dia, equivalente a uma renda per capita de R$ 168,00, aponta que das 50 cidades mais pobres do Brasil, três ficam na Bahia, duas no Pará, duas no Ceará, duas no Amazonas, uma em Minas Gerais e 40 no Maranhão, dez das quais em situação de extrema pobreza. No outro extremo, as três cidades mais ricas do Maranhão por PIB são São Luís, Imperatriz e Balsas.
Em contraste com a pobreza reinante em boa parte do estado, levantamento recente da Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab) mostrou que o Maranhão cresceu no cenário da produção agrícola nacional. De acordo com este levantamento, o estado está entre os dez maiores produtores do Brasil e é o segundo maior da região nordeste (atrás apenas da Bahia).
Parte significativa dessa produção vem do sul do estado, que ano a ano bate novos recordes de produtividade. Para melhorar a produtividade, os agricultores investem em tecnologia do campo e melhoramento genético das variedades de soja e milho, sem se esquecer de treinar os trabalhadores sobre técnicas de plantio e segurança no trabalho. Grandes agricultores trocam os campos pelos auditórios, durante o período de entressafra, para assistirem palestras, nas quais conhecem novas tecnologias na aplicação de defensivos, tirando o melhor proveito das máquinas. Esses investimentos colocam o pólo agrícola de Balsas entre as principais regiões agrícolas produtoras de grãos do país, com destaque para a soja.
Com a importante contribuição do Maranhão, temos a fronteira agrícola que mais cresce em área plantada no Brasil, segundo o Ministério da Agricultura e da Pecuária. Conhecida como Matopiba, formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, a região se beneficia da combinação favorável de áreas planas, luminosidade, amplitude térmica e logística.
[1] Considerando pobre quem vive com até R$ 497,00 por mês (ou US$ 5,50 por dia)