
A quem interessa a política do ódio?
Gustavo Bertoche - É preciso lançar pontes. -O ódio político que floresce no nosso tempo tem causado mal a todos nós – e ainda mais a quem realmente acredita nas narrativas políticas, em qualquer narrativa política.
É preciso perceber que ambos os lados de um ambiente agressivo se beneficiam da tensão política que criam. A dança macabra entre as lideranças da esquerda e da direita é o que mantém viva a política do desprezo e do ressentimento.
E os propositores e perpetuadores da política do ressentimento, à esquerda e à direita, utilizam-se de todos os meios possíveis para tentar controlar toda a nossa vida social.
Isto é: os líderes da esquerda e da direita inventam todos os dias novas palavras de ordem, novos gatilhos ideológicos, para nos submeter – nós, os mantenedores das elites político-burocráticas; nós, os servos dos donos do poder (lembram-se do que diziam C. Wright Mills e Raymundo Faoro?). E assim acabam por nos aprisionar numa guerra que não é nossa, por meio das nossas próprias demonstrações públicas de medo, ira e intolerância, os “dois minutos de ódio” (Orwell) que se tornaram quase obrigatórios no nosso mundo.
Félix Guattari trata dessa polarização política em um texto de “As verdades nômades”. Ele se refere à polaridade geopolítica, mas o que diz cabe perfeitamente no caso da política brasileira contemporânea.
“Pergunto-me às vezes se as liberdades nas nossas sociedades – aliás, imprudentemente chamadas de ‘pós-industriais’ – não estão fadadas a sofrer uma erosão irreversível devido a certa elevação global da entropia do controle social. Mas esse sociologismo melancólico só me vence nos dias de depressão! Refletindo mais serenamente, não vejo nenhuma razão para vincular um tal destino repressivo à proliferação de maquinismos de informação e de comunicação nas engrenagens da produção e da vida social. Não. É outra coisa que distorce tudo. Não é o ‘progresso’ técnico-científico, mas a inércia de relações sociais ultrapassadas. A começar pelas relações internacionais entre os blocos! A começar por essa corrida permanente às armas, que vampiriza as economias e anestesia os espíritos! Então eu penso que a tensão internacional talvez seja menos um antagonismo permanente entre as duas superpotências – como somos levados a crer – que um meio de que se valem, precisamente, para ‘disciplinar’ o planeta. Em suma, os dois chefes de polícia se dividiram em papéis complementares. Não como no teatro de marionetes, pois aqui os golpes doem muito, mas para aumentar a tensão no sistema, e de tal forma que os fatores de hierarquização do conjunto de seus componentes militares, econômicos, sociais e culturais se encontram exacerbados. Ou seja, lá no alto, no Olimpo dos deuses da guerra, muito barulho, muitas ameaças (e, infelizmente, também muitas coisas realmente perigosas) para que, abaixo, em todos os níveis, a criadagem se mantenha calada!”
(Negri, Antônio; Guattari, Félix. As verdades nômades: por novos espaços de liberdade. Trad. Mario Antunes Marino e Jefferson Viel. São Paulo: Politeia, 2017, p. 132)
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Como podemos não ser meros peões no jogo das elites político-burocráticas?
Talvez por meio do silêncio, quando todos à nossa volta gritam;
da reflexão, quando todos à nossa volta se recusam a pensar;
da ironia, quando todos à nossa volta querem crer;
da galhofa, quanto todos à nossa volta levam a sério as palavras de ordem;
e da coragem da solidão, quando todos à nossa volta desejam ardentemente participar do rebanho.