
Abrir as escolas?
Gustavo Bertoche - É preciso lançar pontes. -Amigos, neste momento os Estados e municípios estão discutindo sobre a abertura das escolas públicas e particulares.
Defensores da permanência do fechamento das escolas argumentam que “mais importante é a vida”.
Eu concordo: mais importante é a vida. Justamente por isso defendo que as escolas – especialmente as públicas – voltem a funcionar.
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O argumento dos defensores da manutenção das escolas é que haverá uma enorme disseminação do vírus entre as crianças, e isso significará uma imensa mortandade infantil. Por isso, eles sustentam que as escolas devam permanecer fechadas.
A premissa de que o vírus se disseminará está correta. Com toda a probabilidade, haverá uma onda de contágio no ambiente escolar.
Mas a premissa de que isso significará a morte das nossas crianças está equivocada. As crianças não são imunes ao Covid, mas têm um baixíssimo risco de morte. Uma pesquisa da American Academy of Pediatrics estima que, nos Estados americanos, as crianças constituam entre 0% e 0,4% do total de mortes – isto é, um risco que está entre 0% e 0,004% entre as crianças testadas positivo, dependendo do Estado. Em outros termos: uma criança que tenha sido testada positivo com o Covid tem entre 99,998% e 99,996% de ficar bem. Sabendo que a imensa maioria das crianças com o vírus nem chega a ser testada, pois não apresenta sintomas, podemos concluir que o risco de morte em caso de contágio infantil é insignificante.
Resumindo: as crianças têm, com o Covid, o mesmo risco de vida que têm com qualquer gripe.
Amigos, a conclusão é óbvia: como não fechamos as escolas por causa da existência das gripes, não devemos fechar por causa do Covid. As crianças com doenças de risco devem permanecer em casa – e as outras devem retornar o mais rápido possível.
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O outro argumento dos defensores do fechamento das escolas é que as crianças contaminarão os adultos. Sim, isso é perfeitamente possível.
Mas, neste caso, devemos ter clareza e honestidade de dizer: não queremos que os nossos filhos voltem à escola não para protegê-los, e sim para nos protegermos. Dado que a ausência das escolas tem feito estragos na vida emocional e intelectual de muitas crianças, a verdade é que estamos colocando o nosso bem-estar à frente do bem estar dos nossos filhos. Estamos sacrificando o bem-estar deles em função do nosso.
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Essa conclusão vale também para os profissionais da escola. Médicos, policiais, bombeiros, motoristas, cozinheiros, garis – todos precisam enfrentar o risco do contágio para que a nossa sociedade continue existindo. Por que com os educadores seria diferente? Naturalmente, os que têm doenças que aumentam o risco de complicações devido ao Covid devem permanecer em casa. Mas todos os outros – entre os quais me incluo, pois sou professor – precisamos retornar às classes. O futuro das nossas crianças depende de nós. Mas estramos trocando o seu futuro pelo nosso bem-estar no presente.
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Todavia, amigos, não é essa a mais séria razão pela qual as escolas devem reabrir. Há outra muito mais grave.
Muitas crianças, especialmente – mas não só – nas regiões mais pobres, correm sério risco de todo tipo de violência: física, psíquica, emocional, sexual.
Muitas crianças estão, neste exato momento em que você lê, passando pela experiência da desnutrição, de agressão física, de abuso emocional, de abuso sexual.
E isso tem acontecido impunemente.
As escolas não existem somente para “passar conteúdo”, amigos. As escolas são, sobretudo, o olhar atento e protetor da sociedade e do Estado para com as crianças.
É na escola que as violências e os abusos são descobertos e denunciados ao Conselho Tutelar. É na escola que muitas, muitíssimas crianças têm o alimento, o carinho e a proteção que, infelizmente, não recebem em casa.
Manter as escolas fechadas significa, para essas crianças, dar carta branca aos seus abusadores. E quanto mais tempo as escolas assim permanecerem, maior será o período de terror para muitas delas.
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Amigos, a abertura das escolas, com todos os cuidados, é um imperativo ético: é nossa responsabilidade para com as crianças mais pobres. Não temos o direito de arriscar a vida das crianças – sobretudo daquelas mais carentes – para que nós, os adultos, nos sintamos mais seguros.
Sim, porque o mais grave risco para as crianças não está dentro da escola: está fora dela. E, para muitas, a escola é a sua única salvação.