O “anti” não funciona mais.
Adalberto Piotto - Olhar Brasileiro -Começa com isso, com o prefixo de negação. Essa coisa de “anti”, de enfatizar ser contra alguma coisa para criar um movimento popular poderoso “anti” alguém e a favor de outrem precisa de um inimigo comum. Temos? Mesmo?
O Brasil já está, no mínimo desde os anos 80, querendo também ser a favor de um projeto de país. Ser contra requer, dado o pragmatismo do eleitor, ser a favor de algo e provar que o proposto é melhor.
Aprendemos, embora ainda reclamemos, que o tempo é um aliado do progresso, não um incômodo. E vale esbravejar com a realidade, não ser contra.
Na maioridade política brasileira, como a maturidade conquistada na política, não há mais uma grande tese de inimigo comum que cole, que funcione politicamente ou agregue valor ao cidadão que corre para pagar as contas em nome da sobrevivência de hoje e da esperança por dias menos difíceis no futuro. Os últimos dois foram a ditadura e a hiperinflação, nenhuma com a mínima chance de voltar.
Recente reportagem do Estadão fala de uma frente “anti-Bolsonaro” para a prefeitura de São Paulo entre o PSDB e Marta Suplicy, a cara do PT na cidade, embora esteja hospedada no partido Solidariedade. Marta como vice de Bruno, sob as bençãos de Fernando Henrique Cardoso.
Só um inimigo comum poderoso para digerir tal coligação. Pra remédio amargo, a doença precisa valer a pena.
Porque há um passivo na imagem de ambos.
Em política, imagem em construção no presente faz diferença. Imagem consolidada no passado, boa ou ruim, costuma ser decisiva.
Um exercício de comparação, permitam-me.
Estou revendo Dowton Abbey, fantástica série que conta as transformações da aristocracia inglesa entre o final do século 19 e começo do século 20.
Está no Prime Video.
Não raro, não sucumbe ao fácil discurso entre o bom e ruim. O talento dos roteiristas enfatiza a mudança implacável dos tempos, embora não deixe de recorrer à acidez, inglesa que é a série, a mostrar hábitos do século 19 como antiquados, cravando nos resistentes a pecha do atraso, mas sob a lógica da incapacidade de encarar o presente e suas mudanças de hábitos e conceitos no pós Primeira Guerra Mundial. Mesmo no seu criticismo, é elegante em frisar a mudança dos tempos, ao reconhecer que o silêncio dos serviçais já começa a fazer barulho porque estabelecem seu direito de fala e independência intelectual.
Em suma, o mundo muda mais rapidamente e com redobrado vigor em quem está recebendo ordens, porque precisa das mudanças, do que em quem as está emitindo, que precisa da manutenção das coisas como elas eram até ali.
A frente “antibolsonarista”, como crava o jornal, para a prefeitura de São Paulo, creditada ao PSDB de Bruno Covas numa coligação com Marta Suplicy, é um exemplo da pretensão manda-chuva e manipuladora de um inimigo comum da velha aristocracia da política brasileira do século passado que carece de um lugar nos tempos atuais pra chamar de seu.
Não fôssemos tão jovens como país, a estratégia se assemelharia aos aristocratas ingleses do século 19 e seus hábitos de prepotência que, frise-se, foram superados e desapareceram por compreensão do mundo moderno.
Voltando ao nosso caso, receio que o eleitor-cidadão brasileiro já esteja no século 21.
Aliás, tenho certeza que tenha memória e capacidade de reconhecer inimigos e julgar suas prioridades sem a benção ou a mão condutora de aristocratas ou caciques políticos do século 20.
Se essa gente continuar apostando no discurso do contra um inimigo comum, imaginando que esse inimigo realmente é comum, sem combinar com o eleitor, volta pro século passado.
E ninguém sensato quer mais ganhar a eleição de 1996, por exemplo.