O furo no casco
Filipe Aprigliano - Iscas do Apriga -“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles.” ~ Mateus 7:12
Essa proposta, que aparece na Bíblia, aparece também em outras culturas, e nos convida a exercitar algo de sublime na existência, algo que apenas os seres vivos são capazes de experimentar. Não tenho o conhecimento necessário para garantir isso, mas imagino que só os seres humanos possam fazê-lo de forma tão rica e consciente. Estou falando da empatia.
A empatia é a capacidade de se colocar de forma simulada no lugar de outra pessoa, ou até outro animal, ou mesmo de um objeto, se você assim desejar.
Durante o execício de simulação, podemos ver o mundo de outra perspectiva e, dependendo do grau de empatia, podemos compartilhar as mesmas emoções ou apenas mudar a forma como abordamos uma situação.
Esse processo, ao meu ver, é uma capacidade humana que dá origem a todas as relações afetivas. Nenhuma forma de amor é possível sem esse componente e, mais do que isso, nenhum compromisso moral é igualmente possível.
Você pode ter uma visão diferente de outras pessoas sobre o que é moralmente aceitável ou moralmente imperativo, mas, seja como for, esse repertório foi construído e validado a partir de um exercício pessoal de empatia.
A beleza da empatia é que não temos a opção de desligá-la, mesmo querendo ignorá-la. O sofrimento de outros à nossa volta nos afeta. Sofremos juntos em graus variados e acabamos agindo para tentar amenizar isso.
Algo ainda melhor é não tentar desligá-la, ao contrário, exercitá-la ao máximo e descobrir que o mundo é algo fantástico e disponível para todos, mas não vamos pular etapas.
Tem uma outra questão importante que precisamos considerar. Imagine uma pessoa clinicamente incapaz de exercitar sua empatia por outras pessoas. Pois é, o nome disso é psicopatia.
A psicopatia não significa impulso por matar outros, mas é exatamente a incapacidade de se colocar no lugar do outro. Muitas vezes, isso pode acabar em assassinato, mas na maior parte das vezes não.
Precisamos lidar com o fato de que existem muitos deles por aí. Essa doença não tem cura, e não é fácil de identificar. Os psicopatas aprendem com o tempo a fingir empatia. Muitas vezes fingem tão bem que até parecem os mais solidários do grupo e ganham eleições.
Podemos dizer que a psicopatia é a doença que garante o mal do mundo, e ela não tem classe social, não requer estudo, não requer nada, e algumas pessoas simplesmente nascem assim.
A ideia de que pessoas que optam por uma vida de crimes são vitimas sociais é pura baboseira sociológica. Não estou falando de um cara que rouba uma vez porque está com fome ou porque está drogado. Estou falando daquele que escolhe conscientemente uma vida de crime.
Quando um psicopata cresce numa comunidade e se envolve com o crime porque para ele é fácil, o sofrimento que ele gera não o afeta. Por outro lado, um psicopata nascido em berço de ouro pode não estar com um fuzil na mão, mas pode se envolver com o crime da mesma forma. O que pensar de um indivíduo corrupto que rouba dinheiro de um hospital onde tem crianças morrendo? A única forma de explicar é essa: a total incapacidade de se colocar no lugar dos outros.
A psicopatia é como um furo no casco. A negação da sua existência é a pior estratégia possível. Essa é a típica situação em que não fazer nada é sinônimo de estar numa situação pior a cada segundo.
O psicopata não é uma vitima, ele é essencialmente egoísta. A única forma de lidar com ele é contê-lo, restringir suas opções de ação. Não é um problema de falta de escola ou de oportunidade. Pessoas na mesma situação escolhem outros caminhos. Sinto informar, mas algumas pessoas simplesmente optam pelo mal.
Minha conclusão é simples: em uma sociedade onde impera a impunidade, os psicopatas governam, porque tudo é acessível para eles e seus atos perversos não têm consequências.
Primeiro, precisamos nos preocupar com a impunidade e, depois, com as escolas e com tantas outras coisas. As pessoas interessadas em viver em harmonia são a esmagadora maioria, mas elas se tornaram as verdadeiras vítimas, não de um sistema, mas efetivamente de uma corja de psicopatas.
O nosso barco está fazendo água faz muito tempo e, para mim, a reforma mais importante de todas não é politica. Precisamos de um judiciário ágil e de uma legislação sem nenhum benefício para bandidos.
Precisamos de muitas e muitas cadeias de primeiro mundo, para que não tenha “mimimi” de direitos humanos, e para que os criminosos cumpram longos anos longe da sociedade, sem direito a regime semiaberto e outras insanidades. Estou certo de que podemos pagar por elas com todo esse dinheiro que os psicopatas roubam impunemente de nós todos os dias.
Todo o resto, as pessoas empáticas resolvem naturalmente. O problema do crime no Brasil não são as pequenas corrupções, não é o garoto que cola na prova, não é o dentista que não passa nota fiscal, é a impunidade, e ponto final.
“A verdade é como poesia, e a maioria das pessoas odeia poesia.” – do filme “A grande aposta”