Lendas urbanas volume um
Chiquinho Rodrigues -Ademar e Ademir eram gêmeos siameses isquiópagos.
Gêmeos siameses xifópagos (E não XiPófagos como alguns entendem) são aqueles unidos por um segmento físico. A nomenclatura provém de xifóide que é o apêndice terminal do osso esterno (com s) situado na frente do tórax onde se unem as costelas
Ademar e Ademir eram Gêmeos siameses isquiópagos. Unidos pelo quadril. (parece até nome de escola de samba: Unidos Pelo Quadril).
Filhos de Rolando Chaves Junqueira, um famoso locutor que morava na cidade de Engenheiro Torto no Sul de Minas Gerais, desde cedo mostraram grande aptidão para a música. E logo aos cinco anos de idade foram presenteados pelo pai com um violão.
As primeiras apresentações da dupla (ou não…) foram no auditório da extinta Rádio Auriverde com o infeliz nome de “Coitadinho e Judiação”.
O número deles era quase uma atração circense. A música não era lá grande coisa. Mas era interessante ver quase três pernas, duas cabeças e dois braços tocando apenas um violão que procurava acompanhar aquelas vozes meio desafinadas tentando a qualquer custo ser um dueto. (é o caso do guitarrista Stanley Jordan. Onde é mais interessante vê-lo tocar duas guitarras ao mesmo tempo daquele seu jeito maluco, do que só ouvir a sua música, que comparada a outros guitarristas é uma merda).
Os médicos até que tentaram por um bom tempo. Mas a medicina não encontrou uma solução razoável e segura para a separação dos gêmeos. E o pai (que a essa altura já era empresário da dupla) não se esforçou também muito pra isso não.
Eles foram crescendo, mudaram o nome da dupla para Ademar e Ademir e mesmo com as diferenças de personalidade, ambos conseguiam ajustar suas escolhas em coisas tipo: o que vestir, (imagine a confusão) o que assistir, onde passear, o que comer (bom… eles tinham duas bocas, né?), qual marca de papel higiênico usar, onde se apresentar, para qual time torcer, pra que lado colocar o menino dentro da cueca… Coisas assim.
Mas as diferenças maiores foram acontecendo na adolescência.
Ademir (o da direita, pra quem olha de frente) era do tipo mais introspectivo e gostava de Djavan, Toninho Horta, Zeca Balero, Jobim, Diana Krall, Jamie Cullum, Herbie Hancock, Gabriel Garcia Marques.Veríssimo, Vargas llosa, Jorge Amado, Fante, Mario Prata, Charles Bukovsky, Godard, Truffaut, Fellini, bons vinhos… Essas coisas.
Já o Ademar (o da esquerda) se ligava no Daniel, Sandy & Junior, Ivete Sangalo, Inimigos da HP, Vanessa Camargo, Beyoncé, Sorriso Maroto, Chiclete com Banana, Shakira, Adriana e a Rapaziada, Banda Eva, Só no Sapatinho, Faustão, Gugu, Big Brother, Páginas da Vida, guaraná Dolly e se tudo isso ainda não bastasse, fazia parte do fã clube do Oswaldo Montenegro!
Mesmo com todas essas diferenças (cada um baixava e carregava no seu IPod aquilo que mais gostava de ouvir, colocava o fone de ouvido e que se foda o outro!). As coisas iam bem entre os dois até aparecer a porra da Vanessinha!
Bom… vou tentar te descrever essa menina.
Sabe aquela loirinha baixinha, bundudinha, com carinha de safada que toda a rapaziada da escola é a fim de comer… E come?
Pois bem! A Vanessinha era assim. Não valia um Cd do Nelson Ned cantado em castelhano. (nem mesmo estéreo).
Os dois piraram o cabeção! (ou cabeções… sei lá).
Mas a menina tava a fim mesmo era do mulato Janjão. Um negão sarado que era segurança de um shopping da cidade e que todo final de tarde desfilava na pracinha principal de Engenheiro Torto com seus óculos escuros e Jordão, seu assustador pitbull. E pra Vanessinha esse cara era o tesão da vez.
Ademar e Ademir começaram também a dar plantão na pracinha na esperança de verem sua amada. O plano deles era tocar uma música ensaiada especialmente pra ela exatamente na hora em que ela passasse.
Ademar queria tocar da dupla Bruno &Marrone um troço que fala assim: Do jeito que você me olha, vai dar namoro…
Mas o Ademir queria algo mais “classudo” algo do Jobim tipo: Eu nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema…
Porém, nenhum concordava com a escolha do outro e pela primeira vez brigaram. Depois de muita discussão resolveram que iam ensaiar as duas músicas. E a menina é quem afinal decidiria qual das duas era a melhor e qual dos dois escolheria como namorado. (isso na cabeça deles, né?).
Bom… O Ademar (o da esquerda, de quem olha) era responsável pelo braço direito que executa a batida do violão. E o Ademir comandava o braço esquerdo, responsável pelas posições (os acordes, a harmonia).
Na hora do ensaio a sacanagem entre os dois não tinha fim. Na hora de tocarem a música do Jobim que o Ademir queria cantar, o Ademar dizia que não sabia fazer a batida de Bossa Nova e não ia tocar aquela bosta nem fudendo!
E quando tentavam tocar a música dos Bruno & Marrone que o Ademar queria cantar, o Ademir errava de propósito todos os dois acordes daquela merda.
E assim pela primeira vez eles foram dormir um de cara virada pro outro (fora o torcicolo que deve ter dado em ambos).
Dia seguinte… Seis horas da tarde… Pracinha de Engenheiro Torto.
Sentados no banco da praça, Ademar e Ademir.
Desfila defronte deles a dupla tesão Janjão-Jordão. E logo na seqüência aparece a rebolante Vanessinha.
Claro que cada um quis tocar e cantar sua própria música o mais alto possível e ao mesmo tempo. E com essa confusão só o que conseguiram foi provocar risos na menina. Na cabeça deles, isso foi um vexame que liquidou a chance deles com a querida Vanessinha. E um culpou o outro por esse fracasso pelo resto da vida.
Daí pra frente a coisa destrambelhou entre eles!
Discutiam por qualquer bobagem, não ensaiavam mais, bebiam além da conta e começaram a chegar atrasados em todas as suas apresentações.
Em pouco tempo, o projeto do primeiro Cd deles foi cancelado. As rádios já não queriam mais saber da dupla que bebia e logo sobrou pra eles só aparições em circos de quinta categoria.
Começaram a viajar com um circo chamado The Brothers Vlauber’s. O circo era tão caído que ninguém sabia com antecedência quem e quando ia entrar no picadeiro até a hora do mestre de cerimônia fazer o anúncio da atração. E para Ademar e Ademir isso pouco estava importando. Pois nem sempre entravam pra cantar. Algumas vezes entravam de palhaços, outras vezes de malabaristas, outras entravam só pra limpar a merda dos elefantes na arena, e algumas vezes até pelados como homens-bala naquele estranho canhão.
Numa certa noite de espetáculo eles foram chamados às pressas pelo mágico Clóvis. A sua Partner Magali estava menstruada naquela noite e não se sentia confortável pra fazer o truque da mulher serrada ao meio. Lá vão Ademar e Ademir pra serem coadjuvantes do mágico Clóvis! (mais conhecido como: Clóvis… O incompetente!).
Rufam os tambores… Os dois deitados naquela caixa estranha tentando dar um jeito de acomodar as duas cabeças no mesmo buraco que só cabia a cabeça da doida da Magali… O mágico se aproxima com uma enorme serra e coloca-a entre a cabeça dos dois e começa a serrar… Segundos de tensão até Clóvis separar no meio do picadeiro as duas partes da caixa…
Aí o público veio abaixo! Delírio total!
As pessoas aplaudiam em pé, gritavam bravo! Bravo! O palhaço Ventania organizou uma ôla nas arquibancadas… Zona geral!
Mas lá no picadeiro quase a dois metros de distância um do outro estavam, pela primeira vez na vida, separados Ademar e Ademir…
O olhar dos dois se cruzou e um brilho exultante nasceu ali abençoado pelo sopro da liberdade!
Sempre se imaginaram separados um do outro e com vidas independentes. Cada qual com a sua própria carreira solo, cantando e tocando o que bem entendessem. Indo e vindo a lugares sozinhos. Pois sempre se entenderam como uma aberração conjunta.
Mas e agora? Seriam duas aberrações em separado? Como conseguiriam viver?
– Como vou poder tocar meu violão que tanto amo se só sei fazer as batidas e não conheço nenhum acorde? – pensou Ademar.
– Como vou poder tocar o instrumento que meu pai me deu se só sei fazer os acordes que ficarão calados sem uma batida esperta como a do meu irmão? – pensou Ademir.
O olhar dos dois se cruzou novamente e um enxergou no outro o mesmo e terrível desespero!
Fazia só cinco minutos que estavam separados e um já não aguentava mais a ausência do outro em si.
Os tambores rufam novamente… O público senta-se… O mágico Clóvis une as duas partes da caixa, tira da sua cartola uma imensa bisnaga de Super Bonder e começa a colar as partes… Silêncio total na platéia…
Aí nesse momento Ademar olha pro lado, percebe que o irmão está rezando baixinho e pergunta:
– Por que isso agora, Ademir? Pra que é que você está rezando? É para cola não fazer efeito, é? Foi bom se ver finalmente livre? Me conta aí, vai… O que você sentiu quando se viu separado de mim?
– Saudade, cara… Puta saudade! – diz Ademir
A caixa finalmente se abre… Clóvis, o incompetente, derrama sobre a dupla aquele seu olhar desconfiado que nem sempre sabe se o truque vai dar certo ou não… A banda sai atacando a porra daquele frevinho chato… O público delira… E finalmente de dentro da caixa sai intacta a dupla de gêmeos siameses isquiópagos.
Muito mais unidos do que só simplesmente pelo quadril.