
LíderCast 292 – Henrique Bottura
Luciano Pires -Luciano Pires: Bom dia, boa tarde, boa noite, bem-vindo, bem-vinda a mais um LíderCast, o PodCast que trata de liderança e empreendedorismo com gente que faz acontecer. No episódio de hoje, temos o Doutor Henrique Bottura, que é fundador e diretor do Instituto de Psiquiatria Paulista, Doutor Henrique é um especialista em saúde mental, uma questão que afeta a todos, independentemente da posição social ou profissional, em seu trabalho ele aborda temas como intensidade da carga emocional, dinâmicas psicológicas e comportamentais e aspectos do funcionamento de pessoas de alto desempenho, que podem levar a problemas de saúde mental que afetam não apenas o líder, mas também a empresa como um todo. É claro que em nosso papo demos um foco nas consequências da pandemia nas mentes das pessoas, um assunto fascinante que você não pode perder.
Muito bem, mais um LíderCast, sempre começo contando como é que o meu convidado veio parar aqui, eu tenho um grupo chamado, meu grupo de master mind, chamado MLA, Master Life Administration, que é o grupo de assinantes, que assinam o programa especial que tem a cada dois meses um encontro presencial, em um mês é um encontro online, em outro mês é um encontro presencial, e nesse encontro é um dia que a gente passa o dia todo junto com um almoço de família no meio do caminho, e eu sempre levo convidados ali para conversar com a turma. E no mês de agosto, eu tive um desses encontros e tinha um tema importante lá que era saúde mental, era alguma coisa que tinha a ver com essa psicose que a sociedade está vivendo, e eu não tinha ninguém para conversar a respeito, e eu comecei a cutucar os amigos para saber quem tinha alguma indicação, fui conversar com a Waleska Farias, e a Waleska falou para mim, cara, tem um conhecido meu que acho que ele pode te ajudar, mas é o seguinte, a agenda dele é muito complicada, ele está sempre muito ocupado, então eu não sei se vai dar, mas dá um alô para ele. Aí eu entrei em contato, falei, fui extremamente bem recebido, quando eu contei o que era, ele, cara, eu topo. De repente apareceu lá, fez uma baita de uma apresentação para nós, foi muito legal, o pessoal ficou extremamente bem impressionado, entusiasmado com toda aquela história que ele contou, ele começa no Big Bang, e aí terminou eu falei, bom, agora você é candidato para o LíderCast, então estamos aqui hoje, depois de um mês e pouquinho. Eu começo com três perguntas que são as únicas que você tem que acertar, o resto você pode chutar à vontade, o resto… seu nome, sua idade e o que que você faz.
Henrique Bottura: Bom, meu nome é Henrique Moura Leite Bottura, eu tenho 45 anos, e o que eu faço é mais difícil de responder porque eu faço algumas coisas, mas eu divido as minhas atividades entre atividade empresarial no ramo da saúde, em que eu tenho uma clínica, uma instituição de saúde mental, chamado Instituto de Psiquiatria Paulista, e a minha atividade particular, no meu consultório, acompanhando os meus pacientes. Essas são as minhas atividades profissionais, mas eu sou pai, sou esposo, sou um pai bastante dedicado, bastante envolvido com os filhos, e um esposo também bastante dedicado no desafio que é a vida conjugal e educar filhos no momento atual da vida, e eu acho que assim, isso resume bastante o que eu faço.
Luciano Pires: Já tem para mais de metro aí. Você nasceu aonde?
Henrique Bottura: Eu nasci aqui em São Paulo, sou aqui de São Paulo, eu nasci na Paulista, na Avenida Paulista, no Hospital… na Maternidade São Paulo, que existia ali, e a minha clínica é na Paulista, a minha vida hoje é toda na Paulista, o instituto chama Instituto de Psiquiatria Paulista.
Luciano Pires: Você tem irmãos?
Henrique Bottura: Eu sou do meio, eu tenho um irmão mais velho e uma irmã mais nova. Eu e minha irmã não chegamos a ter nem um ano de diferença, e meu irmão tem um ano e meio a mais que eu.
Luciano Pires: Legal, deu para fazer os três crescerem bem pertinho um do outro.
Henrique Bottura: Deu para crescer e são irmãos incríveis, irmãos muito queridos.
Luciano Pires: Seu pai e sua mãe faziam o quê?
Henrique Bottura: Bom, meu pai psiquiatra, meu pai costuma dizer que quando eu comecei a minha carreira eu trabalhava com idosos, eu trabalhava naquele plano de saúde chamado Prevent Sênior, e meu pai costumava dizer que quando ele fez psiquiatria, ele foi fazer psiquiatria infantil para cuidar dos filhos, e que eu tinha feito psiquiatria geriátrica para cuidar dele. Meu pai é psiquiatra, Doutor Wimer Bottura Júnior, é um psiquiatra que tem alguns livros editados, é um cara incrível, também multitarefas, sempre trabalhando com 75 anos está a toda aí. E minha mãe é psicóloga, então assim, eu sou… eu fiquei fugindo na faculdade, na faculdade eu fiquei fugindo da psiquiatria assim entre aspas, eu sempre participei das atividades envolvidas com psiquiatria, ligas etc…
Luciano Pires: Não, eu estou tentando imaginar o que deve ser o casamento de um psiquiatra com uma psicóloga, cara, como é que deve ser uma discussão, uma DR.
Henrique Bottura: Eu acho que deve ser desafiador como qualquer outro.
Luciano Pires: Deve ser, mas deve ser muito chato, aí você vai querer, vou explodir com você, aí você vem com uma explicação para mim do porquê eu estou explodindo, cara, que coisa, me deixa só ficar puto.
Henrique Bottura: O pessoal tem sempre esse receio de conversar com psiquiatra, achar que está sendo analisado etc.
Luciano Pires: Como é que era teu apelido quando tu era pequenininho?
Henrique Bottura: Eu tive muitos apelidos, eu quando pequeno jogava futebol, jogava futebol pelo clube, e eu tinha um cabelo bem enroladinho, grande e loiro, então meu apelido era Biro Biro.
Luciano Pires: Atenção, momento referência, porque tem uma garotada que está ouvindo a gente aqui que não vai ter a menor ideia, o Biro Biro, popularmente chamado de Lero Lero pelo Vicente Mateus, então presidente do… eu vou contar essa história, que ela é excelente. O Biro Biro era um jogador de futebol lá do Nordeste, eu não me lembro que time que ela era, que ele despontou por lá, e um belo dia o Corinthians resolveu contratá-lo para trazer para cá, e aí foram entrevistar o Vicente Matheus, que estava trazendo um cara novo, ele falou, eu não sei, está trazendo aí, um tal de Lero Lero. E aí veio o Biro Biro que tinha como característica exatamente isso, era o ovelha na televisão cantando, e o Biro Biro no campo com aquele cabelo todo encaracolado e loiro, bem loiro. Então, você era o Biro Biro?
Henrique Bottura: Eu era o Biro Biro e meu cabelo era assim mesmo, de vez em quando me chamavam de ovelha também. Mas na minha família, quando… meu nome é Henrique, então quando pequeno, eu tinha uma empregada Dirce, que me chamava de Henricote, e aí o meu irmão aprendendo a falar me chamava de Cote, e ficou Cote, hoje a minha família, na minha faculdade, o pessoal me conhece, os meus amigos mais próximos me chamam de Cote.
Luciano Pires: Cote é bom, deixa eu perguntar para você, o que que o Cote queria ser quando crescesse?
Henrique Bottura: Eu acho que futebol era uma coisa que ele queria jogar, gostava de futebol, queria ser jogador de futebol, mas tive fases ali que eu gostei de questões relacionadas à economia, teve uma fase que eu gostei de coisas relacionadas à bolsa de valores assim, eu lembro de assistir um filme, eu devia ter uns 10, 12 anos, tinha um filme que era… um filme do Ed Murph, se eu não me engano, que ele era meio que adotado por uns caras que eram investidores da bolsa, eu não lembro o nome do filme, mas era um filme desses de Sessão da Tarde, eu achei legal a história de investir, fazer uma coisa ampliar, da pessoa ampliar riqueza etc, e teve uma época que eu achei que eu pudesse fazer alguma coisa relacionada à economia, mas de verdade, quando eu fui para os Estados Unidos em 94 fazer o intercâmbio, eu estava lá, eu falei assim, caramba, eu nunca conversei com o meu pai sobre o que eu quero ser quando crescer, e daí pouco depois de eu voltar para o Brasil, eu falei para o meu pai, pai, eu nunca conversei contigo sobre o que eu quero ser quando crescer, daí ele falou assim, então tá, vamos, o que que você quer ser quando crescer?
Luciano Pires: Que idade você tinha, 16?
Henrique Bottura: Devia ter uns 16 anos ali, eu falei assim, olha pai, eu gosto muito de medicina, eu gostava muito de medicina, eu já tinha esse interesse por biologia, eu gostava da disposição dos órgãos, eu gostava de ficar desenhando o tronco, com o coração e com coração, eu gostava dessa questão anatômica, mas eu falei para ele, eu gostaria de ser empresário também, os meus tios maternos, eles eram empresários, foram empresários de uma… eles tinham uma fábrica de doce chamada Doce de Leite Avaré, que era um sucesso na época, e eu convivia com os meus primos, a gente ia na fábrica, e eu via meus tios pensando a empresa, eu via eles criando marca, criando os produtos, eu via como que existia um sistema que fazia a gestão, e eu via a empresa crescendo, eu achava incrível aquilo…
Luciano Pires: Alguma coisa a ver com Avaré, a cidade de Avaré?
Henrique Bottura: Era Avaré, só que a empresa era em Cerqueira César, uma cidadezinha do lado.
Luciano Pires: Minha avó morou lá, eu tive uma avó que morou lá em Avaré.
Henrique Bottura: Depois eles moraram, eles eram Cerqueira César, foram para Avaré, e eu convivia muito, esses meus primos eram irmãos, queridíssimos assim, e a gente estava sempre junto, então a gente ia na fábrica etc. Então, eu tinha essa influência do pai médico, que sempre foi uma pessoa muito ativa, reflexiva etc, que eu gostava muito, e dessa questão de cuidar de paciente, meu pai estava sempre atendendo telefonema, cuidando dos pacientes, e quando eu falei com meu pai que eu tinha esses dois interesses, meu pai virou para mim e falou assim, ele falou para mim, então faz medicina. Ué, por quê? Ele falou assim, porque se você for estudar para entrar em uma faculdade de medicina, você vai ter que se esforçar, vai ter que aprender, se você conseguir terminar a faculdade, você vai estar pronto para ser médico e se você quiser ser empresário, não vai ser tão difícil ser empresário. E só depois de muito tempo, quando eu já era médico e tinha a empresa, que eu me dei conta, que eu lembrei dessa conversa, caramba, eu virei médico e empresário. Então…
Luciano Pires: Mas a partir desse papo você definiu, é aí que eu vou?
Henrique Bottura: Acho que depois disso eu já comecei a pensar em estudar para medicina, eu comecei a estudar para medicina, pensar em como eu ia organizar minha vida de estudo, correr atrás, essa coisa de fazer intercâmbio no meio do colegial tira um pouco do… você deixa de aprender algumas coisas aqui, quando você vai para lá você também não fica tão focado, mas eu comecei a me ordenar aí para conseguir entrar na faculdade e daí eu criei lá uma metodologia minha, que eu estudava de noite, eu fui tentar fazer o cursinho ali no primeiro final do colegial ali, e eu não conseguia nem acordar direito para ir no cursinho, aí eu falei, caramba, mas eu quero ser médico, preciso me dedicar, não tem como você entrar em uma faculdade sem estudo, e eu não gostava, eu gostava de… a minha vida inteira eu gostava de estudar de noite, eu gostava de ficar estudando à noite, e daí eu dormia à tarde, depois da escola. Eu falei, caramba, eu li uma folhinha, tinha aquela Folha de São Paulo, tinha o Fuvest, alguma coisa assim, e eu li a entrevista do cara que tinha passado em primeiro lugar na USP, e o cara falou, não, eu gostava de estudar de madrugada, eu falei, é isso, eu sempre gostei de estudar de madrugada, daí quando eu fui me inscrever no cursinho, eu me escrevi, fazia o cursinho de noite, daí eu fazia o cursinho das 19 até às 11, chegava aqui em casa, ficava um tempinho descansando, assistia o Jô Soares, e sentava para estudar, aí eu ia até às 6, 7 da manhã e fiz assim o ano inteiro, parecia uma folha de papel de tão branco que eu fiquei, na época não tinha internet, não tinha celular, então deu para correr atrás porque eu não tinha feito um grande colegial assim, eu tinha um jeito de me dedicar ali para passar de ano mais do que para aprender, e daí esse ano foi o ano que eu me dediquei, eu até achei que eu não fosse passar naquele ano, achei que eu fosse precisar de um pouco mais de um tempo.
Luciano Pires: Você prestou aonde?
Henrique Bottura: Eu prestei nas principais faculdades públicas, mas eu passei em Taubaté, foi a faculdade que eu fiz, é uma faculdade municipal, uma autarquia municipal.
Luciano Pires: Quer dizer, o que que foi? Da nove anos de estudo?
Henrique Bottura: Entre… na residência?
Luciano Pires: Entre você começar e sair assim, estou pronto para clinicar.
Henrique Bottura: Eu diria assim, porque esse processo, ele é bem longo, mas assim, eu diria assim, eu comecei a estudar em 96, que foi o ano que eu me dediquei ao cursinho, passei naquele ano, a faculdade começa em 97, termina em 2002, daí eu fiquei um ano… são seis anos de faculdade, eu fiquei um ano ali ainda procurando assim, eu não tinha clareza do que eu queria, até que em um determinado momento eu falei, o que que eu estou querendo inventar moda, eu gosto de psiquiatria, eu vou fazer psiquiatria, e daí eu também peguei ali no finalzinho do segundo semestre me dediquei, porque a prova de residência, ela é um desafio grande também, a prova de residência é tão difícil quanto…
Luciano Pires: Quando você conversou com teu pai sobre medicina, não era psiquiatria que você estava falando, você estava falando de medicina de enfiar a mão na barriga e mexer lá dentro, não era… como é que a psiquiatria apareceu?
Henrique Bottura: A psiquiatria, eu lembro direitinho, eu estava no segundo ano de faculdade, a gente tinha que fazer um trabalho de fisiologia, fisiologia estuda todo o funcionamento das células e o equilíbrio entre os mecanismos do organismo, os mecanismos fisiológicos do organismo e tinha que fazer um trabalho, e daí eu tinha lido alguma coisa que chocolate dava uma certa energia a mais, e daí eu fui fuçando naquilo, falei, professor, tive essa ideia de fazer um trabalho com isso, e daí ele sentou ali e me explicou rápido o mecanismo de ação dos antidepressivos, que era a inibição de recaptação de serotonina, e eu achei o máximo aquilo, achei demais, eu falei, que legal que é assim que funciona, então tem um neurotransmissor que é liberado na sinapse, e aí você bloqueia a recaptação dele, aumenta a disponibilidade desse neurotransmissor ali, e os fluxos de informação passam de um neurônio para um outro, e isso está relacionado à ansiedade, humor etc, achei demais.
Luciano Pires: O que que o chocolate tem a ver com isso? Ele é o gatilho?
Henrique Bottura: O chocolate tem o triptofano, que é precursor de serotonina, então eu fui fazer um trabalho fuçando o chocolate como precursor de serotonina e aí tendo alguma interferência no estado afetivo ali, então ali eu lembro que foi um ponto que marcou bastante. Mas existia naquela época, estavam começando nas universidades, o que eles chamam de Liga, então assim, todo mundo já ia meio que escolhendo para que área que ia, então tinha a Liga de cirurgia, na minha faculdade a liga de cirurgia era muito forte, então os alunos se reuniam com os professores, logo no segundo, primeiro, segundo ano, e tinham os simpósios, tinham cursos que vinham médicos de fora, e às vezes tinham uns estágios, e daí na minha faculdade lá pelo terceiro ano, um colega meu de república, que era super entusiasta de psiquiatria, acabou não fazendo, uma perda para a psiquiatria, que ia ser um grande psiquiatra, ele teve a ideia de montar a liga de psiquiatria, aí eu ajudei nesse processo de montar a liga de psiquiatria, participei ao longo da faculdade, a gente fazia reuniões semanais, o professor vinha dar aulas, dava aulas avançadas, lá na própria faculdade a gente se interessou por psicoterapia, então eu fui fazer um curso de Jung, nem sabia direito o que que era…
Luciano Pires: Mas isso tudo antes da opção pela psiquiatria, quanto tempo de estudo você tem que ter lá, em que momento você define é para cá que eu vou, é no sexto ano?
Henrique Bottura: Na verdade assim, no sexto ano você vai prestar as provas de residência, que é esse vestibular para especialidade, que é o que eu falei, é bem difícil, tem várias e algumas especialidades são mais difíceis, a psiquiatria hoje é super disputada, uma área bem disputada, e assim, você pode terminar a faculdade e trabalhar, arrumar um trabalho como médico de família, como plantonista.
Luciano Pires: Mas a minha pergunta é mais ou menos, a base que você teve para chegar nesse momento de escolher a especialidade é a mesma, nesse momento eu posso falar, eu quero ser neurocirurgião, eu quero ser cardiologista, eu quero ser pediatra, é nesse momento que você faz a escolha?
Henrique Bottura: No sexto ano quando você vai fazer a aplicação para a prova, porque você presta a prova de residência, tem uma residência boa de psiquiatria na Unicamp, na USP, aí na hora que você vai fazer a inscrição, você concorre para aquela vaga…
Luciano Pires: Ali você define para que caminho você vai, e você definiu ali, vou para a psiquiatria?
Henrique Bottura: Eu defini a psiquiatria, eu lembro muito claro assim, eu estava… porque quando eu terminei… eu terminei a faculdade, eu tinha planos de ir para os Estados Unidos, eu pensava em fazer residência nos Estados Unidos, eu comecei a estudar e eu estava, de fato, engajado assim, quando eu tenho um pulso de engajamento, eu estava muito engajado, aí teve aquele 11 de setembro, eu falei, caramba, eu quero sair do Brasil para ir para um lugar que vai ter… aquilo me deu uma freada, eu fiquei, eu não sei se foi uma desculpa, porque naquela época eu não tenho nível de disciplina e de excelência que a vida de empresário acabou exigindo, e que hoje eu tenho uma capacidade muito maior do que eu tinha naquela fase, não sei se foi uma desculpa para…
Luciano Pires: A maturidade também, e também você está diante do 11 de setembro, bicho, não é qualquer acontecimento, esse é um daqueles que tira a humanidade do trilho.
Henrique Bottura: Aquilo foi a desculpa que eu dei para deixar meio de lado, mas ainda assim, depois que eu me formei, depois que eu me formei, quando você se forma médico, a gente acha que vai sair da faculdade pronto assim, e a verdade é que a gente sai em uma… se você não está em uma residência, que foi o meu caso, eu não entrei direto em uma residência, você cai em uma lacuna em que você tem plena consciência que você não está plenamente preparado para ser um profissional de lidar com emergência, com situações difíceis, exceto se você tivesse uma clareza e tivesse ido atrás desse preparo, e você também não está em uma residência, então é um momento de… é uma lacuna angustiante, é que nem quando estava no cursinho, eu sentia no cursinho, você não está no colegial e você não é faculdade, você é uma coisa potencial, então tem uma angústia nisso. Então, naquele ano ali em que eu não estava médico, que eu era médico, mas eu falava, eu não quero ficar pegando plantão adoidado ali, que uma hora eu vou pegar um caso difícil que eu não vou saber resolver, então tinha que escolher os plantões com auxílio, e por outro lado, você tem um monte de aspiração, de vontade de fazer alguma coisa que vai dar certo. Então, eu fiquei angustiado nessa época, e eu estava conversando com a minha mãe, sobre essas coisas de ter pai e mãe psicólogo, eu falei, mãe, eu estou feliz de ter terminado a faculdade, estou trabalhando, comprei uma prancha de surf, que eu surfava muito na época, comprei uma prancha de surf com o meu dinheiro, estou tocando a minha vida, que você vira médico, você consegue um plantãozinho ali, você já começa a virar um dinheirinho, mas eu não estou me sentindo bem. Ela falou assim, por que você não vai fazer terapia? Eu falei, bom, é verdade, no meu sexto ano de faculdade, eu tinha tido lá um término de namoro, então estava meio angustiado, e daí eu falei com a minha mãe, ela me falou assim, vai fazer terapia com esse cara aqui, eu fui fazer…
Luciano Pires: Como paciente?
Henrique Bottura: Como paciente…
Luciano Pires: Você não foi estudar para ser o terapeuta?
Henrique Bottura: Fui fazer como paciente, fiz terapia com um cara assim, incrível, o Doutor Dimas Calegari, um estudioso de um cara chamado William Reich, terapia corporal, e era um sábio, o Dimas era um cara low profile assim, você olhava, uma pessoa super simples, mas assim, era cada sessão uma aula de sabedoria, então eu fiz quatro sessões com ele no meu estágio de infectologia aqui em São Paulo, quando eu voltei para a minha cidade, ele já tinha dado um jeitinho em mim, eu voltei lá para Taubaté, eu falei, vou deixar, não vou seguir fazendo.
Luciano Pires: O Reich tem uma frase que eu adoro, ele fala o seguinte, você não tem culpa de estar enfermo, mas tem culpa de não procurar a cura.
Henrique Bottura: Verdade, ele tem uma que eu gosto que é assim, o amor, o trabalho e o conhecimento são as três grandes fontes da vida e também deveriam governá-la, e eu acho muito rica essa frase.
Luciano Pires: Eu não sou… não tenho nada a ver com medicina, desconheço tudo, então eu posso falar bobagem que eu quiser aqui, você está falando aí desse teu… todo aquele buraco negro, não vou para lugar, de repente eu pego um caso complicado ali. Esse ramo que você pegou, cara, se eu sou um… outras categorias aí, cara, faz o raio-x aqui, tem um osso quebrado, vamos consertar, faz um exame de sangue, está mal, vamos arrumar isso aqui, faz um eletro aí, teu coração… você tem instrumentos para olhar o corpo humano e dizer assim, tem uma coisa errada, tem um tumor aqui, a gente consegue enxergar. Cara, psiquiatria, você vai mexer em um treco… talvez hoje em dia já tenha algumas máquinas, você pode fazer uma tomografia que vai te mostrar alguma coisa ali que te ajuda um pouco, mas não é assim, não é um negócio que você… diagnostico e tudo mais, eu tive olhando essas coisas de TDAH, essas maluquices todas que aparecem hoje aí, e a quantidade de rótulos agora, nomes de doenças que apontam coisas com as quais eu convivi a vida inteira sem saber que era aquilo, agora recentemente teve uma atriz da Globo que falou, fui diagnosticada…
Henrique Bottura: Como autismo.
Luciano Pires: Autismo aos 50 anos de idade.
Henrique Bottura: Existem essas coisas, essas modas diagnósticas e às vezes elas são modas, mas às vezes elas têm respaldo, o TDAH, apesar de ter uma moda, de ter um monte de gente tomando aí estimulante para pró cognitivo etc, é um diagnóstico bem estudado, caracterizado, alteração do neurodesenvolvimento, alteração funcional, o tratamento faz uma baita diferença etc, então tem essas questões. Mas o pessoal fala muito do estigma da saúde mental, que as pessoas não se tratam, que tem estigma, tem preconceito, mas a gente tem que ser realista aqui, é muito difícil para a gente lidar com uma coisa que não é material, que a gente não vê, a gente… essa história, você sente lá um desconforto gástrico, você sente uma dor aqui no meio da barriga, você fala, é estômago, e você sabe para que que funciona o estômago, você sabe que ele produz suco gástrico, você sabe que ele faz parte da digestão, qualquer leigo tem uma visão do que que é aquilo, então…
Luciano Pires: Se enxerga a ferida ali, tem uma feridinha ali, você está com uma úlcera, dá para ver.
Henrique Bottura: Exatamente. E na psiquiatria é outra história, tem até um livro interessante de um cara chamado Fuller, se eu não me engano, que ele chama A Praga Invisível, e no Praga Invisível, ele começa o livro falando, olha, em 1918, no mês de setembro, nos Estados Unidos, morreram 10 mil pessoas, no mês de outubro morreram 25 mil pessoas, no mês de novembro já eram 50 mil pessoas, demorou alguns meses para se darem conta de que se tratava de uma epidemia, de uma… que no caso foi a pandemia da gripe de… que matou entre 50 e 100 milhões de pessoas, naquela época, quando existia quase 2 bilhões de habitantes no mundo, então ele fala assim, demorou alguns meses para isso. Daí ele fala, lá em 80, um livro americano, uma revista médica americana publicou um estudo falando sobre casos de um câncer pouco comum, raro, chamado sarcoma de kaposi, que estava acometendo algumas pessoas ali, e esse sarcoma era geralmente uma coisa relacionada com pessoas imunodeprimidas, e era raro, e de repente aquilo foi aumentando, aumentando, demorou alguns anos para você se dar conta, eles identificaram que aquela população era a população de pessoas que faziam uso de drogas injetáveis e mais presente em homossexuais, e demorou alguns meses ou anos para se conhecer o que era AIDS e todo o seu processo. E daí ele levanta isso, mas e quando ele está falando de epidemias que não tem catarro purulento, não tem febre, não tem sangramento e que ela se apresenta por uma alteração no humor, no ânimo, no pensamento, que elas vêm insidiosamente, que ela está atrelada ao próprio indivíduo, então não é uma coisa que a gente… que existe uma sincronia entre o que eu sou e o que eu estou apresentando. Então, a gente fala muito do estigma, mas a verdade é que assim, é mais difícil mesmo compreender, de repente alguém chega… tem pacientes que eu estou há um tempão, que eles ficam vindo e voltando, eu falo, para mim você tem transtorno bipolar, eu não tenho, eu não quero ter. E às vezes a gente demora, o tratamento demora muito por essa dificuldade dessa barreira do entendimento, se viesse um exame lá tem isso aqui, seria muito mais fácil, mas o diagnóstico é clínico, é história, apresentação exige, o exercício do psiquiatra é um exercício difícil, separar a personalidade da manifestação sintomatológica, conseguir cruzar o contexto do que a pessoas está apresentando, às vezes a gente chega no diagnóstico, isso aqui é um transtorno, uma depressão, endógeno, um quadro biológico, é mais parecido com uma diabetes, do que com uma tristeza de fim de ano, uma tristeza qualquer que você tenha, e é difícil para as pessoas às vezes tomarem, aí tem que tomar remédio por bastante tempo, às vezes por anos, então tem alguns desafios que são inerentes da… de como o fenômeno se apresenta e que fazem com que as pessoas demorem muito mais, ou interrompam o tratamento muito mais, e às vezes sofrem uma vida inteira às vezes sem se tratar.
Luciano Pires: Eu fico imaginando, você falando aí, eu imaginando os atributos que o sujeito tem que ter para ser um bom médico, não importa de que especialidade, para ser bom médico. Tem uma parte que é, digamos aí, habilidade técnica que você vai aprender no livro, na residência, no teu dia a dia, tudo, mas tem um outro lado atrás ali que tem a ver com a postura, com a tua atitude e tudo mais, que cara, me parece que seja o mais brabo de todos aí, eu tive algumas experiências com médicos nos últimos 10, 12 anos que foram bem complicadas, com complicações bastante grandes na família, e eu fui percebendo uma coisa interessante quando eu comecei a pegar médicos de gerações mais novas, e quando eu falo geração mais nova é o médico de 40 anos de idade, não é o médico de 25, de 40. E eu fui notando que o seguinte, até então, e eu não sei se sou eu que mudei ou foram eles que mudaram, a impressão que eu tenho é que houve uma mudança, você ia em um médico, cara, e eu me lembro que quando eu era moleque em Bauru tinha o doutor Valente no hospital, o nome dele era Valente, era o médico da família, então minha mãe me levava no Doutor Valente, e eu chegava lá no hospital, Beneficência Portuguesa de Bauru, Doutor Valente lá de branco, com estetoscópio, aquela coisa, ele tinha até um cheiro diferente, cheiro de médico, cara, era uma coisa assim, tinha uma postura quase sobrenatural ali, o cara que ia salvar minha vida e tudo mais. E aí eu comecei a perceber que chegou a geração do veja bem, doutor, o que que eu tenho? Veja bem, você está com um quadro assim, assim… mas o que que vai acontecer comigo? Veja bem. Mas era assim, não, espera um pouquinho… as certezas acabaram, entendeu? Eu não sei se porque quando eu era moleque há 50, 60 anos atrás, havia uma ignorância tão grande na humanidade que todo mundo tinha certeza das coisas, e conforme você vai estudando… quanto mais você estuda, mais ignorante você sabe que é, mas nós chegamos em um momento agora em que tudo é calma, espera um pouquinho, não é bem assim, mas… calma, espera um pouquinho, não há mais certeza. Mas a vacina cura? Espera um pouquinho, não sei se vai dar, talvez cure, talvez não, tudo fica num éter, não aparece um cara lá que fala, não, é assim, bate na mesa e fala, é assim que vai ser. E eu notei uma mudança, então não há mais aquela autoridade que eu sentia lá atrás, e que o cara chega, ele tem certeza, ele não tem certeza mais, ele te dá uma… olha, talvez, pelo o que você está falando aí, há uma grande probabilidade de ser isso, isso e isso, e nós vamos curar assim, mas 10% da população, então tem sempre uma saída para você poder escapar da incapacidade de ter certeza sobre as coisas. E eu estava traduzir isso em um atributo, que atributo é esse que tem que ter um médico para lidar com uma situação de incerteza, onde eu posso dizer para você que você está com câncer e há uma chance de não ser um câncer, no momento em que eu disser para você que você tem um câncer, eu estou mudando a tua vida completamente, eu estou exigindo de você um tipo de postura, acabou o mundo para você e está na minha mão ser o cara que vai te levar essa mensagem. E eu imagino, que atributo, que força moral que a armadura emocional tem que ter um cara que vai assumir essa postura de eu vou apontar para você no meio dessa incerteza toda algo que pode guiar ou definir o teu futuro. Eu viajei, eu estou muito por fora?
Henrique Bottura: Acho que essa é uma questão muito interessante, porque assim, acho que passa por várias questões assim, conforme a gente vai aumentando o número de coisas que a gente sabe, acho que é Marcelo Blazer, Marcelo Gleiser, é um…
Luciano Pires: Glaser, físico, não é?
Henrique Bottura: Físico, ele tem uma fala que eu acho interessante, o conhecimento é que nem uma ilha, quanto mais você vai aumentando a linha, o conhecimento, maior vai ficando a margem daquilo que você não conhece. Eu acho que tem um pouco disso assim, de fato, existem quadros que a gente trabalha com probabilidades, um câncer tem 50% de sobrevida em três anos, ou em quatro anos, dependendo do tipo de câncer, do tipo de estadiamento, mesmo na psiquiatria, que a gente não tem exame, você pode passar em um psiquiatra e ele te dá um diagnóstico, você vai em outro, ele te dá outro diagnóstico, isso acontece, porque são critérios diagnósticos, mas tem vários fatores que influenciam, o dia da avaliação, até a própria cultura interfere no diagnóstico, então existem muitas incertezas de fato, e eu acho que conviver com isso é um desafio importante e isso deve mobilizar para continuidade de busca de conhecimento, para você ter mais segurança, mas de fato em alguns momentos, você tem que bater o martelo e falar, seguinte, isso aqui é uma depressão, depressão acontece assim, cada vez que você tem um episódio depressivo você perde um trabalho, você põe seu casamento em risco, a gente precisa tratar isso e tem que ser tratado, não dá para a gente ficar achando que é uma… existe o conhecimento que define como deve se dar o tratamento, evidente, a gente não trata todas as depressões, a gente não conhece soluções para todas, as explicações que a gente tem, elas não são certezas, existem teorias, quando a gente fala em saúde mental, em psiquiatria mais ainda. No entanto, em algum momento a gente tem que pegar na rédea e falar, seguinte, eu vou te conduzir aqui, porque eu posso até eventualmente mudar a minha reflexão, minha avaliação ao longo do tempo, mas eu tenho que saber como eu conduzo isso no âmbito mais amplo. E eu acho que, de fato, isso… talvez um pouco desse momento muito relativista do mundo assim, então tudo pode, tudo eu quero, eu tenho meu Deus dentro de mim, eu sigo o que meus sentimentos dizem, acho que tudo isso acaba interferindo na geração. Tem um lado também que assim, eu quando estava na faculdade, eu sempre ouvia assim, olha, a geração de vocês é não sei o que lá, onde vai chegar essa medicina, eu continuei ouvindo isso com as gerações que foram chegando depois, e hoje eu escuto, então às vezes eu fico com um pouco de pé atrás assim, se a gente não está sempre atribuindo à geração que está por vir algo que vai ser um absurdo, mas o fato é que a sociedade continua evoluindo, o mundo continua evoluindo. Mas eu entendo que o atributo que o médico tem que ter é uma combinação de atributos, acho que tem que ter essa fome de cuidar, essa fome de querer cuidar, a gente vê isso na cadeira de psicologia médica, que eu por um tempo dei aula na cadeira de psicologia médica da faculdade de Medicina da USP, e a gente trabalhava essas questões assim do furor curandis do médico, da vontade de curar…
Luciano Pires: Como é que chama? Furor curandis?
Henrique Bottura: É.
Luciano Pires: Que bom isso.
Henrique Bottura: Enxergando eventualmente, às vezes você não tem muito mais o que fazer pelo paciente em termos de cura, mas você pode fazer outras coisas, mas tem um lado que a gente tem que nutrir isso, porque a gente tem que ter essa…
Luciano Pires: É paixão, isso é uma paixão.
Henrique Bottura: Essa paixão, isso é uma habilidade? Eu acho que isso deve dirigir também a busca técnica, porque você tem que estudar, o médico tem que estudar e isso não é um problema, isso é uma solução, é uma coisa que tem que ser gostosa para a pessoa que é buscada para resolver problemas, e quanto mais problemas ela resolve, mais problemas complexos ela vai ter que resolver, então essa questão da capacidade de estudo, da capacidade de dedicação, da vontade de aprender, isso é muito importante. Agora evidentemente essa natureza humana do cuidar, ela é muito importante, na cadeira de psicologia médica, o professor Arthur Kaufman, que era o coordenador, ele tinha uma aula que ele dava sobre o mito de Asclépios, que era na mitologia grega o personagem mitológico da medicina, e o Asclépios, ele era o curador ferido, ele tinha uma lesão na perna que não cicatrizava nunca, ele estava sempre tentando cicatrizá-la, e ele tinha essa dor, ele conhecia a dor da alma, então com isso ele conseguia cuidar do outro. Então, eu acho que essa natureza humana sensível do médico, ela é importante mais para algumas áreas, acho que na minha é muito importante, acho que na psiquiatria você tem que ter uma conexão, você tem que ter uma sensibilidade, mas você tem que ser forte também, às vezes você tem que botar limites em um paciente que tenta te manipular, um paciente que não aceita que você coordene o tratamento dele. Então, eu acho que essas características de sensibilidade, fome de conhecimento e acho que de uma certa humildade para entender mesmo que você não tem todas as respostas ali, mas você tem que estar muito a fim de levar esse indivíduo para um nível melhor, para ele viver melhor a vida dele, para ele funcionar melhor a vida dele, para ele existir melhor na vida dele.
Luciano Pires: Meu caro, você acha que a sociedade está doente, está mentalmente doente? Há um tempo atrás, no auge da pandemia, aquela loucura toda, que a gente era obrigado a ir atrás, eu estava vendo um negócio interessante, o cara explicando o que que era uma pandemia, o que que era uma epidemia, o que que era o estudo, o que que faz o epidemiologista, que ele não estuda o indivíduo, mas ele estuda o grupo da sociedade, que é uma doença que afeta a sociedade e não só ao indivíduo, até chegar na pandemia, que é a soma de todas as sociedades e assim vai. E que existem algumas doenças que tomam conta da sociedade, de repente você tem uma epidemia de sarampo, que aquilo é fácil de ver, e aparece como nós estamos vivendo hoje em dia, a impressão de que há uma epidemia de alguma psicose, de alguma coisa mental que não está funcionando direito aí. Tem alguma coisa acontecendo, cara?
Henrique Bottura: Olha, a gente vem já há bastante tempo observando o aumento na prevalência nos transtornos psiquiátricos.
Luciano Pires: O que que significa há bastante tempo?
Henrique Bottura: Bastante tempo, talvez… nesse livro que eu falei do Fuller, ele é um livro antigo, da década de 70, talvez 80, e ele descreve o estudos estatísticos dos Estados Unidos e da Europa no início do século, e ele faz um estudo desde o início… bem antigo assim, observando a evolução dos transtornos mentais e tendo um aumento, que ele chamou de praga invisível. Então assim, existe algo que ocorre que talvez tenha aumentado mesmo a prevalência desses transtornos. Agora assim, a minha reflexão é que assim, vamos pensar que a gente pudesse projetar a história da humanidade, mas sei lá, 20 mil anos para frente, e a gente em um mundo bem mais tecnológico do que hoje, a gente olhe para trás e falei assim, bom, quando é que foi que surgiu, que teve alguma ruptura com o modelo anterior? E a gente vai pegar que a gente vive uma geração, nós somos uma geração que vivemos dois planetas, dois ecossistemas completamente diferentes, a gente viu essa mudança de não ter o celular, eu fiz vestibular não tinha internet em casa, então era muito simples, eu simplesmente apagava a TV do Jô Soares e ia sentar na minha cadeira, ligava meu abajur e ficava lá a madrugada inteira, não tinha uma mensagem de WhatsApp, não tinha um PodCast interessante como esse para parar para ouvir, então assim, era mais fácil direcionar a ação…
Luciano Pires: A sociedade analógica com a digital, nós estamos na transição.
Henrique Bottura: Exato, então a gente testemunhou uma série de mudanças em um curto espaço de tempo que mudou como a gente se engaja com os estímulos, a gente está aqui agora conversando há uma hora, a hora que eu sair daqui, pegar meu celular, vai ter três, quatro mensagens de pacientes, vão ter coisas para resolver que estão competindo pela minha atenção, às vezes sem importância nenhuma, às vezes são coisas que não têm relevância nenhuma, e isso cai em um cérebro que é o mesmo de 30 a 40 mil anos atrás. Então assim, tem um lado que eu volto um pouco para o exemplo de que parece que a sociedade sempre esteve perdida, a sociedade sempre esteve em crise, será que a gente só não está repetindo o que sempre repetiram, mas existe uma mudança na forma com que a espécie humana se relaciona com as coisas, que ela é um desafio para a cognição, então assim, a gente tem muito mais coisa, muito mais atribuição, muito mais coisas chegando até nós em um curto espaço de tempo que exige do nosso organismo, exige do nosso sistema nervoso central. Então, eu entendo que isso evidentemente que aumenta o número de ansiedade, o número de depressão, a gente… agora, vivemos a eleição aí, de repente você e briga com o porteiro do teu prédio porque ele não vota no candidato que você vota, mas que relevância, em que época do mundo você ia saber o candidato que alguém vota e isso ia gerar um… esses dias eu encontrei uma prima minha, e ela falou, estou brigada com ele há quatro anos, eu falei, eu não estava nem sabendo disso, porque a gente tinha candidatos diferentes e assim, eu amo ela, e ela falou, eu também te amo, mas eu falei assim, eu não sabia que tinha isso.
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Luciano Pires: Você falou um negócio interessante aí, falou em eleição e tudo mais, me traz a imagem que eu estava fazendo enquanto você falava aí, que a imagem que eu tenho era a seguinte, a mente da gente é uma caixa d’água e tem uma saída ali embaixo que é o ladrão, lembrei do ladrão porque você falou de eleição, tem um ladrão ali, esse ladrão tem que ter um diâmetro, ele tem um calibre que não muda, o calibre é aquele, você vai botando água, e a capacidade a água sair, ela não muda, e vai enchendo de água, chega uma hora que transborda a caixa d’água, então por mais que você ponha água lá, você vai ter que criar um mecanismo de pressão para pressionar essa água para ela sair, mas o calibre não vai mudar, ou você alarga aquele calibre ou encontra uma forma de puxar a água com mais força lá, porque se não for assim vai transbordar essa… e a impressão que eu tenho é que está acontecendo com a gente isso, não cabe mais tanta coisa na mente, e isso dá uma angústia, isso dá uma angústia.
Henrique Bottura: Exato, acho que é bem isso, o calibre é limite biológico nosso, e a água caindo na caixa d’água, ela é o número de estímulos, número de conexões que a gente faz, porque cada vez que a gente senta aqui, se a gente fosse criar uma imagem do nosso cérebro, a gente estaria criando uma conexão única aqui, é diferente de quando eu estou sentado diante de um paciente, é diferente de quando você está sentado diante de uma pessoa que tem um outro tipo de vida. Então, ativam coisas em você aqui e aqui e em mim de uma forma muito única, muito particular, e é assim a hora que a gente pega o carro vai para o Uber, do Uber vai para o metrô, a gente está interagindo com muita gente, e a gente recebe e-mails, e propaganda, e a gente compra, e a gente paga, e a gente se arrepende de ter comprado. Então assim…
Luciano Pires: Nem no elevador você tem paz mais, tem uma tela em cima do elevador lá, nem ali, cara.
Henrique Bottura: Exato, entendendo a notícia do que está acontecendo do outro lado do mundo, e você está aqui preocupado se você… que horas você tem que dormir hoje para acordar no horário amanhã. Então, eu acho assim, eu não gosto, acho que é uma particularidade minha, eu não gosto de ficar olhando assim para a vida ou para o que a gente transpassa ao longo da vida de uma forma assim, agora está tudo acabado, eu estive recentemente em uma palestra de um filósofo, Victor Salles, e assisti a palestra dele sobre a crise na ordem do amor, e eu perguntei exatamente isso para ele, Victor, mas ok, você mostrou aqui essa imagem dessa escultura de Michelangelo maravilhosa, você falou assim, tem sangue atrás disso daqui, esse mármore não estava na Itália, ele foi levado para lá e escravos levaram até lá, então sempre tiveram, eu falei, o que que é crise propriamente dito? E ele ficou me respondendo por uma meia hora a minha pergunta, e assim, a minha reflexão é a seguinte, eu acho que crise ou tensão é a condição da vida, a gente vive em tensão, o grande desafio nosso é encontrar como que a gente vive nessa crise, como que a gente organiza a nossa identidade, o nosso eu e como que a gente organiza aquilo que passa a ser sintomatológico, como a gente organiza a nossa vida, como que a gente limita… eu acho que hoje… antigamente morria mais gente por assassinato, hoje morre mais gente por suicídio do que assassinato, antigamente tinha problema de fome, hoje tem problema de obesidade, então hoje a gente não tem falta de conteúdo, a gente tem excesso de conteúdo, então é um trabalho grande para a gente ficar limitando, bloquear tudo o que notificação, tudo o que acaba interferindo na nossa tensão momentânea é uma forma da gente se proteger, porque a gente… se não a gente fica o tempo inteiro…
Luciano Pires: Eu tenho uma palestra minha que eu falo exatamente isso, que você tem que brigar para que a vida tem que ganhar todo dia, a morte precisa ganhar uma vez só, a hora que ela ganhar acabou, então nós temos que estar o dia inteiro. Eu estava explicando aqui, dizendo, voltava para o homem das cavernas lá, ele estava muito mais preocupado com o tigre de dentes de sabre, do que com a gazela que ele ia matar para comer, porque se ele não pegar a gazela hoje, ele pega ela amanhã, o tigre, ele só precisa pegar ele uma vez, então a gente essa coisa, as ameaças que estão chegando. E aí você bota uma mídia como essa que nós temos aí que está o dia inteiro esfregando na tua cara que o mundo vai acabar amanhã de manhã, e se não for amanhã de manhã, vai ser amanhã depois do almoço e não tem jeito, então nós vamos morrer ou queimado ou triturado ou assassinado, mas vai acabar. E aí não tem como ficar são diante de uma loucura como essa, se você tem uma formação, você tem raízes, tem experiência, tem maturidade, sabe que a diferença de… eu ia falar nós, não, você é novo, eu que sou velho, por exemplo, eu já tenho uma escola que eu não me assusto mais, vai acontecer uma merda, minha filha… calma, vai passar, a gente já passou por tanta que você olha com mais calma, e a garotada que está experimentando pela primeira vez, então, cara, pinta um negócio, uma pandemia dessa, o mundo acabou, acabou o mundo, uma pandemia como nunca nós vivemos na história da humanidade e olha que a gente passou por pandemias e pandemias, mas com essa combinação agora de pandemia com mídia social, com imprensa, com política, tudo em um caldeirão ao mesmo tempo foi a primeira vez, nunca houve, então a vacina era um acessório, tanto que ela virou um instrumento político, tanto que nós começamos a discutir remédio de direita e de esquerda, que é uma loucura.
Henrique Bottura: Foi essa hora que eu me acalmei, porque eu falei assim, bom, se fosse uma coisa de uma gravidade absurda estaria todo mundo do mesmo lado, nessa hora eu falei assim, quando eu comecei a ver, não sei onde que é a informação correta, um fala que não é nada, o outro fala que o mundo vai acabar, três milhões vão morrer no Brasil, eu falei assim, e isso é extremamente agoniante, igual eu falei da lacuna lá da residência, eu não sou nem médico direito, nem especialista, a gente estava em uma agonia, porque a gente não tinha onde se apoiar e isso é muito agoniante para a saúde mental, você não saber o que é verdade, porque em última análise, em última análise e bem materialisticamente, o nosso cérebro, a nossa consciência, que é derivada, discute se ela é derivada do cérebro ou não, mas pensando nela como um meio de sobrevivência e assim derivada do cérebro, ela precisa distinguir o real do falso, então a gente precisa saber como escolher…
Luciano Pires: Até para ela projetar um horizonte.
Henrique Bottura: Porque eu preciso tomar decisões coerentes com o mundo.
Luciano Pires: E o que aconteceu conosco na pandemia foi exatamente isso, alguém nos tirou o horizonte, o horizonte é o seguinte, fica em casa 15 dias, agora fica mais 15, agora fica 30, agora fica seis meses, cara, essa merda não vai acabar, eu não tenho mais horizonte, e quando tiram de você o horizonte acabou a razão de viver.
Henrique Bottura: Você não tem definição, você fica… você falando, lembrei de uma paciente minha que usou um termo, é uma infinitena.
Luciano Pires: Uma infinitena.
Henrique Bottura: Não era uma quarentena, era uma infinitena. E era isso, nessa época eu comecei a dar muitas palestras, as empresas queriam muito alguém falando para dar um sentido, acalmar as pessoas, e eu fui fazer uma pesquisa de como era o estado emocional dos atletas em maratona, porque assim, a impressão era essa, que você chegava ali nos 40 quilômetros, não, não é 42, é 80 quilômetros a corrida. Então, aí tem um fenômeno que eles têm no final da maratona, que chamam de muralha, uma coisa assim, é como se tivesse uma barreira que eles não conseguem transpor, é um desafio para o atleta, então de fato…
Luciano Pires: Eu tenho uma outra palestra minha que eu uso um exemplo, acho que eu já usei alguma vez aqui no LíderCast, mas vou usar de novo, que fala de um estudo feito na Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, que eles estavam na guerra, a guerra estava rolando e os alemães estavam soltando foguetes com bombas em cima de Londres, mas era muito rudimentar, era o V2, aqueles V1, V2, aqueles foguetes muito rudimentares, eles estavam começando a ser desenvolvidos lá. Então, era um míssil que tinha margem de erro total, então disparava o míssil e o míssil caía em algum lugar de Londres. Só que o seguinte, eles apontavam o míssil para o centro da cidade, então todo mundo no centro quando tocava o alarme, estava vindo um míssil, o pessoal do centro da cidade sabia que vinha um míssil para cair no centro, mas a porra do míssil errava e caía em um bairro na lateral, então quem morava por volta não tinha certeza se o míssil ia cair ou não, quem morava no centro tinha certeza que o míssil ia cair lá, terminada a guerra, os caras foram fazer um exame e descobriram que o índice de doenças cardíacas em quem morava na periferia era muito maior do que quem morava no centro, que o problema era a angústia de não saber se ia cair lá ou não, entendeu? O cara que sabia que ia cair, ele falou, bom, eu sei que está vindo a merda, eu vou dar um jeito de… no mínimo eu vou me enfiar em um buraco, vou dar um jeito, o cara que ficava naquela de será que cai, será que não cai, era o pior dos mundos, desenvolvia doenças pela incerteza do que ia acontecer. E o que eu vi na pandemia foi exatamente isso, pintaram uma incerteza em todos os segmentos e de uma forma que eu nunca tinha visto, eu vi médicos com 40 anos de carreira, o cara premiado sendo trucidado em rede social, porque ele estava dizendo alguma coisa que ia contra uma certa certeza que tinha no outro ponto ali. Você fala, mas como assim, esse cara é uma sumidade, como é que alguém… espera aí, eu estou vendo uma menina de rede social destruindo um prêmio Nobel, que isso, cara? E virou uma loucura. Então, em um cenário como é que eu fico são?
Henrique Bottura: Exato, é extremamente angustiante, na psiquiatria tem um… o psiquiatra, ele examina o seu paciente através da psicopatologia, das observações, da história e tudo, mas ele observa como que ele está apresentado, como que ele… se ele está bem cuidado, se não está, como é que está o pensamento, fluxo de pensamento, como é que está o humor, como é que estão os afetos, e tem uma série de tópicos que a gente vai passando para examinar, e tem um fenômeno descrito que a gente chama de humor delirante, a pessoa quando tem um surto psicótico, ela cinde com a realidade, ela muitas vezes antes dela ter o surto, ela começa a sentir uma certa estranheza no mundo, ela percebe as coisas de um modo diferente, é como se o verde dessa bandeira não é o mesmo verde de antes, sabe, tem algo que é estranho, ela fica meio agoniada, porque ela sente que tem alguma coisa acontecendo que ela não sabe exatamente o que é, e aquilo é extremamente angustiante. Então, muitas vezes você está em um plantão de pronto socorro, você pegava esses pacientes assim que eles não estavam ainda claramente delirantes, mas eles estavam em um sofrimento, em uma agonia, e a gente chama isso de trema ou humor delirante na psicopatologia. Mas o fato é que em algum momento, a pessoa constrói um delírio ali a partir disso, então, sei lá, eu estou nessa agonia, de repente, eu olho ali, eu falo assim, aquele bonequinho, tem uma câmera dele me filmando, a CIA está aqui atrás de mim, e a hora que isso vem, a hora que o delírio se constrói, tem um alívio nessa angústia, porque eu encontro uma explicação para o fenômeno e daí eu começo a vivenciar o delírio, ali também é uma câmera lá atrás, então tem um processo quando você encontra uma definição qualquer que te convence, que traz um alívio.
Luciano Pires: E esse alívio pode ser um influencer com uma fala bonitinha contando para você uma história que não tem pé nem cabeça, mas ele conta com uma certeza tão grande, sabe o outro exemplo que eu gosto de usar? Boate Kiss. Incêndio na boate, aquela loucura, aquela fumaça, as chamas matando todo mundo, 200 pessoas apavoradas lá, aparece um cara com uma lanterna na mão, vem comigo, e guia todo mundo e todo mundo corre para um banheiro que não tem janela e morre todo mundo no banheiro, porque esse era o cara que tinha uma lanterna na mão, ele não sabe para onde ele está indo, ele não tem a menor ideia, mas tem uma lanterna. Então, eu olho aquilo e falo, bom, achei alguém que manifesta ter certeza, vou segui-lo, e aí você vê milhões de pessoas indo atrás e conversa mole, papo furado, e do jeito que as coisas estão hoje em dia, antigamente, na economia não digital, analógica, um cara para ter uma lanterna na mão, esse cara tinha que estar em um lugar muito especial, ele galgou, ele chegou lá, é um lugar que tem pouca gente, esse cara está em um jornal onde tinha pouca gente, ele está em uma rede de televisão onde tinha pouca gente, e hoje em dia esses caras estão em um lugar onde qualquer um vai, entra em um canal do Youtube, qualquer um faz o seu, e aí aparece o cara falando bonito e arrasta todo mundo.
Henrique Bottura: Exato e continua sendo um desafio para o nosso cérebro, nesse mundo cheio de informação, cheio de possibilidades, continuar distinguindo o que é real do falso, a realidade que vai permitir as tomadas de decisões que vão ter coerência com a percepção do ambiente externo e que vão proteger a nossa vida, então…
Luciano Pires: Você falou que você tem consultório, você atende, você notou mudança de perfil dos teus pacientes? Você vai dizer para mim, olha, até cinco, seis anos atrás, meu paciente era um cara de meia idade preocupado com tipo, ele está ficando obeso, síndrome de comer demais, eram coisas assim, e hoje em dia mudou o perfil, não é mais isso, é um outro tipo de gente, é outro tipo de… você notou alguma coisa?
Henrique Bottura: Vou te falar que… é difícil de eu te dar uma resposta precisa nesse sentido, porque ao longo da carreira…
Luciano Pires: Fala assim, veja bem.
Henrique Bottura: Veja bem, é porque assim, de verdade, a gente ao longo da carreira, a gente vai também mudando o perfil das pessoas que chegam até a gente, então, por exemplo, para mim que tenho a minha atividade empresarial, como eu dirigi uma empresa, construí um negócio e me dediquei a esse processo, acaba que cai muitas pessoas, muitos empresários, CEOs no meu consultório, então assim, é muito diferente quando você está no começo de carreira, que você tem várias atividades etc, então eu tenho uma dificuldade de falar disso a partir do tipo de paciente que chega. Evidentemente que a gente percebe que existe uma… os tratamentos evoluíram, na minha época… hoje a gente faz infusão de quetamina, que é um anestésico, para tratar depressões refratárias, depressões que não respondem com nada, até alguns anos atrás a gente não tinha essa possibilidade aqui, a gente não tinha esse conhecimento de como conduzir esses casos. Então assim, muitas vezes a prática vai mudando, você vai vendo que as prescrições vão mudando, o teu entendimento também vai mudando, e muitas vezes assim, a tua área de atuação também vai mudando, então eu tenho uma dificuldade de poder dizer isso a partir da minha vivência do universo de pacientes que eu acompanho. Quando eu penso no Instituto de Psiquiatria Paulista, a gente percebe que os fenômenos relacionados à ansiedade, eles dominam, e existe uma tendência muito grande das pessoas buscarem tratamentos para déficit de atenção e hiperatividade.
Luciano Pires: Aí eu tenho uma pergunta boa para você, se o Instituto… instituto?
Henrique Bottura: De Psiquiatria Paulista.
Luciano Pires: De Psiquiatria Paulista não ficasse na Paulista, mas ficasse no Crato, ficasse no interior do Tocantins, você acha que seria o mesmo perfil ou você está lidando com gente da cidade grande que tem essa pressão gigantesca?
Henrique Bottura: Alguns transtornos psiquiátricos, eles são muito… a prevalência é muito mantida ao redor do mundo, então esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, essa depressão endógena, depressão maior, alguns transtornos de ansiedade, tipo TOC, são quadros… o próprio transtorno do déficit de atenção, tem quadros que eles são muito transculturalmente mantém uma prevalência muito parecida, então entendo que nesses locais, esses quadros essenciais, eles se manteriam. Os quadros relacionados ao estilo de vida, então aquelas consequências de uma vida sedentária, da exposição à droga, exposição à substâncias, os quadros derivados do estresse, evidente, a gente tem em São Paulo, as maiores corporações estão aqui, então os burnouts, o estresse de trabalho, eles apresentam mais, mas a gente percebe que em cidades distantes, do interior, às vezes o uso de droga é maior até, a gente… então assim, mas eu acho que sim, a gente ia ter mudanças, por exemplo, eu trabalhei 18 anos no ambulatório de impulsividade lá no Hospital das Clínicas, e a gente sabe que a prevalência ou o número de pessoas que são viciadas em aposta está diretamente ligado à disponibilidade, então você está em um lugar onde o jogo é liberado, e o jogo foi liberado aqui há um tempo atrás, a gente tinha filas de espera de anos, era um ano e meio para o paciente ser atendido, entre ele escrever o nome dele e ser atendido, depois de um tempo, isso, quando o jogo foi proibido e passou a não ter mais os bingos, diminuiu muito essa fila, então dependências, por exemplo, elas são diretamente relacionadas à disponibilidade, então por isso uma preocupação com a liberação de maconha, quem sabe que existem várias consequências em relação ao uso da maconha que às vezes são negligenciadas, e que certamente, se você liberar a maconha vai ter mais gente fumando maconha, vai ter dependência de maconha, e você vai ter mais esquizofrenia, porque maconha é um fator desencadeador de esquizofrenias. Então, a gente tem essa… veja bem, mais uma vez.
Luciano Pires: Você acha que a gente tem… tem um boleto psicológico para ser pago aí por causa da pandemia?
Henrique Bottura: Eu acho que sim, de verdade assim eu acredito que sim, a gente está falando dessa visão assim temporal de longuíssimo prazo projetando a vida e observando essa fatia de tempo, anos 90 até agora, eu acho que evidentemente que o organismo está mais exposto a questões de saúde mental pelo excesso de estímulos, pelo número de interações…
Luciano Pires: E até porque a gente resolveu uma pancada de problemas das outras doenças, a gente conseguiu eliminar, se você voltar no tempo aí, número um em matar, tuberculose, se morria de tuberculose que era uma loucura, a gente resolveu esse problema, logo, outro vai brotar.
Henrique Bottura: Você vai viver mais, você tem Alzheimer etc. Mas eu acho que mesmo dentro disso, se você pensar assim, imagina assim, que você está lá na tua vida cotidiana já com os desafios, que a vida é um desafio contínuo, de repente, existe uma situação que fala, você tem que ficar em casa, daí você não sabe se você vai viver, se você vai morrer, porque assim, de verdade, naquele momento, eu lembro de eu ir no mercado com luva, peguei uma garrafa de Coca-Cola, cortei, coloquei no meu boné para… porque eu não sabia, eu falei, já que eu não sei o que é, eu vou me proteger ao máximo, então assim, a gente está lá, mudou o nosso ritmo de vida bruscamente, a gente ficou com medo se ia quebrar, a gente ficou batendo boca no WhatsApp com vacina, com coisa de medicamento, a gente ficou interagindo de uma maneira diferente e, de repente, você retoma a tua vida e tem que voltar na velocidade de cruzeiro, então assim, é evidente que a gente vai ter uma desadaptação e que a gente vai ter consequências, você perguntou da mudança, para mim o que a gente viu bastante é mudança nas crianças, tentativa de suicídio, isso eu vi, isso eu vejo, a pandemia, ela fez as crianças sofrerem muito, essa mudança de rotina, de ficar em casa, evidente assim, nos adultos também, grande parte da pandemia o consultório do psiquiatra aumentou o número de procura durante a pandemia, e eu acho que sim, eu acho que a gente vai ter uma conta longa assim, os prejuízos educacionais que aconteceram, imagina uma criança que estava aprendendo a escrever naqueles anos, ela certamente vai carregar alguma dificuldade para a frente.
Luciano Pires: E acho que tem algumas outras coisas também que andei vendo, eu tive conversas com amigos meus que são empreendedores e tudo mais falando, eu sou um cara que, bicho, pintava um problema na minha frente, eu destrinchava o problema na hora, e partia para cima e saía resolvendo, não tinha por onde, se desse errado, eu quebrava a cara e fazia outra vez, agora, cara, o problema pinta na minha frente e eu não sei mais cortar ele em pedacinho, eu não sei mais partir para cima dele, eu não tenho mais a gana que eu tinha para resolver, e não é assim que eu fiquei velho, não, isso foi em dois anos, a impressão que eu tenho é que eu tenho medo de ter aquela impulsividade que eu tinha, me traz… empreendedores…
Henrique Bottura: Mas eles relacionam com a pandemia isso?
Luciano Pires: Eles não sabem o que é, mas na nossa conversa era exatamente isso, há uma angústia no ar, tem um medo no ar, tem uma apreensão, acho que não é nem medo, está todo mundo apreensivo de que algo de ruim pode acontecer, isso meio que está minando a capacidade que as pessoas têm de meter a cara, assumir risco, então… e o cara quando ele falou, ele falou isso aí, pintava um problema, em dois momentos tinha solução, o que que está acontecendo comigo? Desaprendi?
Henrique Bottura: Eu acho que tem que… em um caso como esse seu, eu tentaria entender na particularidade, porque assim, a vida de um empreendedor, ela é uma vida desafiadora, porque assim, o que acontece? O empreendedor é um cara que basicamente tem que aprender a lidar com frustração, então é o tempo inteiro lidando com emoções desconfortáveis, é angústia, medo, ansiedade, é lidar com… o tempo inteiro o que a gente chama de afetos negativos elevados, então essa dimensão afetiva nossa que protege a gente da vida, e daí o cara vai lá e bateu uma meta, o cara tem até medo de estourar um champanhe, porque ele sabe que bate uma meta, mas tem o mês que vem, tem o outro, então a cabeça do empreendedor, ela funciona de um jeito complicado, porque assim, todas as angústias são reais e motivos de preocupação e todos os bônus não devem… a gente não pode comemorar porque pode ser que amanhã a coisa vire, então é uma combinação que ela vai tirando um pouco do sentido da vida, do gosto da vida, do entusiasmo, então a gente vai meio que… se a gente não tomar cuidado e não parar para fazer uma observação de um meio mais amplo, entender que a gente se conecta em outros níveis, com outras coisas e a gente tem que preservar outras coisas, a gente vai entrar em um equilíbrio que ele leva para uma depressão mesmo, e daí a motivação, a vontade etc, ela vai declinando, e daí você perde a esperança, você perde a capacidade de visualizar, de vislumbrar e daí você começa a tomar decisões mais conservadoras, começa a não ter coragem, e eu tenho um texto, que eu copiei uma fala do meu pai, mas como eu comecei a ter muitos pacientes com essa… CEOs e diretores etc, em que assim, o meu pai falava para mim, olha, filho, o diretor de empresa, o empresário, ele chega no teu consultório e fala assim, estou aqui porque a minha empresa quebrou e eu deprimi, mas ele falou assim, você vai conversar com ele, você vai ver que ele já estava deprimido antes, ele primeiro deprimiu, aí ele começou a adiar decisões, começou a deixar de buscar como ele buscava e daí depois a empresa quebra, ele te procura e acha que a empresa quebrou, mas ele já estava antes. E isso me leva para esse reflexão de como que esse tipo de… como uma atleta recentemente teve uma atleta que tudo indica que se suicidou, você tem profissões e meios que são muito duros para a consciência, e a gente tem que tomar cuidado, acho que o empresário tem que ter muita auto percepção, porque às vezes não é por causa da pandemia ou porque a empresa quebrou, tem uma atividade, que ela tem que ter uma tensão…
Luciano Pires: A depressão, ela não é consequência, é causa.
Henrique Bottura: Pode ser causa.
Luciano Pires: Você acha que… está correto quando se diz por aí que depressão é a doença do século?
Henrique Bottura: Eu acho que assim, esse termo vem de uma percepção da Organização Mundial de Saúde, que em 2030, mais ou menos, a maior parte dos afastamentos médicos de trabalho vão se dar por causa de depressão, eu acho que sim, eu entendo que sim, é muito curioso a gente entender, é muito difícil a gente entender depressão, as pessoas que têm depressão, elas são as pessoas que entendem, a gente que trata, a gente que cuida, a gente entende uma parte, mas a pessoa que vive, vive a falta de energia, a dor da própria existência, não dá para a gente entender exatamente de fora o que que é isso. E de fato assim, prevalência grande, aproximadamente 15% da população, fala-se que até 25% pelo menos um episódio na vida…
Luciano Pires: Você consegue perceber o que que leva uma pessoa dessa a te procurar? Que acho que o momento em que ela chega, fala, eu preciso buscar ajuda profissional, qual é o momento do gatilho ali, tem uma característica que aponte, que a impressão que eu tenho é que a depressão vai surgindo devagarinho, estou tristinho, estou meio assim, e um belo dia você se vê tomado, amplia-se o período em que você está mal e você começa a perder o gosto por determinadas coisas, a impressão que eu tenho, como eu te falei, eu não sou do ramo, eu nunca estudei isso, e felizmente ainda não, me deprimo de vez em quando, mas não sou um depressivo, que possa haver um tipo de desequilíbrio químico, alguma coisa assim, toma um remédio ali, me dá um lexotan que eu estou resolvido aqui. Mas há um momento em que a chave bate e a pessoa, cara, eu vou ter que procurar ajuda profissional, tem alguma chave para isso, alguém leva a pessoa até você, a pessoa vem por conta própria?
Henrique Bottura: Acontece, são vários os caminhos. Assim, a maior parte das pessoas procura o médico porque está sofrendo, o sofrimento, chega um momento que a pessoa fala assim, mas não querer viver mais, eu olhava para o meu filho e tinha um gosto, agora não tenho mais, então assim, a dor é talvez o principal caminho que leva a pessoa a procurar o psiquiatra, mas às vezes as pessoas procuram porque não estão funcionando também, começam a perceber que não tem mais a mesma funcionalidade. A depressão, ela tem dois sintomas principais, um é o humor deprimido, que ele precisa estar deprimido por pelo menos 15 dias a maior parte dos dias, então é angústia, tristeza, choro, se expressa com um tipo de sentimento de tristeza e de angústia primordialmente.
Luciano Pires: Que não precisa de um gatilho para acontecer?
Henrique Bottura: Não precisa de um gatilho, às vezes até tem alguma coisa, mas assim não é… porque assim, você tem depressões reativas, que são secundárias a eventos que acontecem, sei lá, perdi meu negócio, perdi meu casamento, e aí eu deprimo, mas assim, quando a gente pensa em uma depressão clássica, não tem uma causa específica, e daí tem um outro sintoma essencial que é a perda da capacidade de sentir prazer na vida, então a pessoa deixa de ter gosto, deixa de ter prazer, deixa de ter satisfação, ela perde o interesse por coisas que ela tinha, daí tem uma série de sintomas, alteração do apetite, do sono, identificação psicomotora, dificuldade em tomar decisões, diminuição de libido, sentimentos de culpa, ideação suicida, então assim, tem vários outros sintomas menores que vão compondo. Então, onde que a gente estava mesmo?
Luciano Pires: Eu estava te perguntando o que que leva a pessoa a te procurar.
Henrique Bottura: Exatamente, então assim, daí vai variar um pouco, porque normalmente as pessoas que têm perda na capacidade de sentir prazer, elas demoram mais para perceber, porque assim, você fala, eu não jogo mais bola porque a empresa está me dando muito trabalho, eu tenho muita preocupação, então eu vou meio que… aquilo é muito mais racionalizável do que alguém que está sentindo uma angústia insuportável, alguém que está triste, alguém que levanta da cama e fica chorando, de repente, ele estava sempre feliz, agora estou vendo ele mais triste.
Luciano Pires: Você sabe que o meu hobby sempre foi home theater, então em casa botei um cinemão legal, som legal, e eu sou um alucinado, eu sou do home theather dos anos 80, segui a tecnologia com filme, aquela coisa toda, e outro dia eu estava percebendo que eu estava perdendo o tesão pelo home theater, sentar lá para ver um filme, aí eu falei, eu estou deprimido, eu estou em um quadro meio de depressão que está me tirando até o tesão pela coisa que eu mais gosto, mas depois eu fui pensar a respeito, e eu vi que eu estava ficando assim porque os filmes estão uma merda. E aí eu trombei com um conceito que é um negócio muito legal, estou pensando em fazer um programa a respeito aí, que é para falar sobre como… quando você sai da economia da escassez, é tudo escasso, para ver um filme legal, eu tenho que ir na BlockBuster alugar o vídeo cassete que tem e aquele vídeo cassete tem três unidades dele, todo mundo quer ver aquele filme, logo, eu vou entrar na fila, eu não consigo ver, um belo dia eu consigo, levo para casa e vou assistir, e se o filme for uma merda, deu tanto trabalho conseguir, que eu vou ver o filme como um todo. Essa era a economia que a gente vivia, anterior a ela, nem isso você podia fazer, só cinema. E de repente, a gente entra em uma economia onde eu tenho 12 canais de streaming na minha casa, eu posso escolher o filme que eu quiser, a hora que eu quiser, do jeito que eu quiser, é tanta coisa, tanta disposição que perdeu o valor, mesmo um filme ruim, perdeu o valor, e o filme bom, eu começo a ver… coisa que nunca aconteceu na minha vida, a quantidade de filmes largados que eu tenho comigo, de começar a ver e largar, quando que eu fazia isso com VHS? De alugar um VHS, botar um VHS, ah não gostei, larguei. Hoje, cara, largo, então aquilo perdeu o valor. Então, fiz essa brincadeira, porque é uma reflexão interessante, por que eu perdi o tesão, por que eu perdi o tesão de jogar bola? Porque eu fiquei velho, e cada vez que eu caio aqui, eu me arrebento inteiro, eu fico um mês de cama, então não dá mais para jogar bola. Então, tem essa coisa de você examinar com cuidado o que que está tirando…
Henrique Bottura: Esse é o trabalho do psiquiatra, o psiquiatra, ele precisa ser sensível, ele precisa ser astuto nas perguntas para poder distinguir, porque assim, não é qualquer perda de interesse ou qualquer tristeza que constitui uma depressão, e evidentemente que isso tem que ser muito refletido.
Luciano Pires: Tem uma escala para você concluir que… você tem um checklist para determinar se é…
Henrique Bottura: Existem os critérios diagnósticos, na psiquiatria a gente não tem exame, a gente tem o DSM 5 que é livro da Associação Psiquiátrica Americana…
Luciano Pires: Que não para de crescer.
Henrique Bottura: Não para de crescer, isso é criticável por um lado, tem críticas, mas de fato, existem fenômenos que não estão lá e que existem, por exemplo, existe um fenômeno que chama compra compulsiva, tem pessoas que são viciadas em compras e não está lá catalogado, mas tem pessoas que são viciadas nisso, que estão o dia inteiro no Instagram, estão comprando roupa, estão se endividando e não conseguem, isso é um vício comportamental não catalogado. E existem assim… as manifestações, elas não caem lá à toa, evidentemente que toda instituição tem suas questões políticas, mas você tem estudos para isso, pessoas sérias que estão trabalhando nesse sentido, evidente que é bom que a gente questione, que a gente reflita, mas de fato, existem diagnósticos que ainda não estão lá.
Luciano Pires: Você estava falando do checklist.
Henrique Bottura: Exato, então a gente usa os checklists que são os critérios diagnósticos para poder diagnosticar. No Brasil, a gente não é tão rígido com isso, quanto nos Estados Unidos, nos Estados Unidos tem uma visão muito mais metódica, isso tem a ver um pouco com o sistema de saúde deles lá, então se tiver nove critérios dá o remédio, se tiver sete não dá, espera piorar um pouquinho para dar, então tem uma ordem diferente, mas o fato é que a gente tem esses critérios diagnósticos e através deles e da reflexão deles, de como eles se apresentam que a gente faz os diagnósticos e decide qual que é a linha de tratamento, qual a medicação, qual a dose, qual é o caminho a seguir para tratar.
Luciano Pires: Para você que é um técnico, isso aí está tranquilo, você tira de letra, eu não sou técnico, o que que você recomenda para mim, a atenção que eu tenho que ter com quem está em volta de mim, com as pessoas que trabalham comigo, com meu filho, com a turma que… com meus pais, eu funcionar com um olhar ali, falar, eu estou notando alguma mudança comportamental ali que pode ser que leve a um quadro de… eu não sou um técnico, o que que…
Henrique Bottura: Eu acho assim, acho que a primeira questão, eu acho que a gente precisa ter um bom vínculo com as pessoas que a gente se preocupa e se ama, para a gente poder ter uma percepção de como elas estão funcionando, e variações de uma funcionalidade, evidentemente que filhos adolescentes têm fases da vida que têm mudanças, mas algumas percepções de mudança merecem uma atenção, uma criança que se corta, uma criança que só fica no quarto, que tem declínio na atividade escolar ou alguém que menciona a ideia de suicídio, deixar de fazer coisas que faziam antes com gosto, então são assim, então são percepções das variações do padrão de funcionamento que permitem falar, opa, deixa eu dar uma chamada para conversar, deixa eu fazer perguntas, deixa eu me aproximar um pouquinho mais, eu acho que a dica é sempre… eu estava falando que meu pai era psiquiatra da infância e adolescência, e ele criticava muito que naquela época se falava muito dos limites, tem que educar com limite, tem que pôr limite, ele tinha uma fala que eu achava interessante, eu falou, não, a gente não tem que impor limite, a gente tem que construir vínculo, porque quando a gente constrói vínculo, o limite, ele se dá naturalmente, porque com alguém que você é vinculado, você não quer romper esse vínculo, então eu não preciso ficar exigindo que os meus filhos tenham só limite, se eu tiver um bom vínculo com os meus filhos, eu vou ter ingerência ou influência sobre as tomadas de decisões.
Luciano Pires: Se você tiver vínculo com o teu bairro, você não joga lixo no chão.
Henrique Bottura: Se você tiver vínculo com o teu bairro, exatamente…
Luciano Pires: Você não quebra um prédio público.
Henrique Bottura: Você não quebra um prédio público, se você tiver vínculo com a tua própria identidade, amor próprio, você também não vai querer fazer mal a si mesmo, então eu acho que cuidar dos vínculos é importante para você poder ter acesso à essas questões de saúde mental, acho que é mais grave quando a gente perde esse vínculo, porque daí qualquer melhora que você busque, ele passa por uma revinculação.
Luciano Pires: E aí a pandemia chega e corta todos os vínculos na porrada, você não pode abraçar a sua avó, porque você vai matá-la.
Henrique Bottura: Mas você sabe que essas questões de vínculo, elas transcendem isso, às vezes a gente encontra aquele amigo que foi amigo na fase de adolescência e daí você está ali, você já acessa a pessoa em outro nível.
Luciano Pires: Mas perdeu o vínculo, por outro lado você tem outro amigo que você não encontra, você encontra ele uma vez por ano, mas o simples fato de saber que ele está ali te dá um conforto espiritual, se você saber que se pegar o telefone e ligar para ele, vai ser um papo legal, eu não ligo, eu não falo com ele há seis meses, mas saber que ele está lá me dá um certo conforto, eu acho que isso é vínculo.
Henrique Bottura: Exato, isso denota que existe um vínculo. Um vínculo, na verdade assim, se for pensar neurobiologicamente, o vínculo é alguma coisa que acontece dentro do nosso cérebro que mantém aquela pessoa vívida dentro da gente, e ela pulsa dentro da gente.
Luciano Pires: Você sabe que se eu gritar, ela me estende a mão.
Henrique Bottura: Exato, e isso acontece mutuamente, então esse alguém que eu tenho vínculo, é alguém que eu tenho uma representação afetiva, que ao pensar ela importa para mim, e que isso de alguma forma ocorre na cabeça dela, e isso, essa vinculação tem neuroquímica para isso, tem a ver com um neurotransmissor chamado ocitocina, que quando uma mãe dá o parto, a ocitocina aumenta e a mãe tem a contração uterina e tem uma inundação de ocitocina, e quando ela pega aquela criancinha no colo e olha, aquilo cria uma conexão, um vínculo para o resto da vida, se cria uma memória, um cheiro da criança.
Luciano Pires: Se você falou que essa coisa é química, então ela pode ser ampliada, ela pode ser provocada, ela pode ser…
Henrique Bottura: Eu não conheço muitos estudos, mas tem um estudo que diz que se você abraça por 30 segundos, você aumenta… abraça alguém por 30 segundos, você aumenta a ocitocina.
Luciano Pires: Cara, eu acho que dá para entender, eu acho que sim, poucas coisas são tão… como é que eu vou dizer assim, não vou dizer nem gostoso, porque tem abraço que não é gostoso, mas o tocar, o toque, o coração com coração, aquela coisa toda… é interessante isso.
Henrique Bottura: É muito interessante esses mecanismos neurobiológicos que definem comportamento.
Luciano Pires: Tua profissão é fascinante, bicho. Para a gente chegar no final aqui, por que que psiquiatra diz que psicologia não é ciência?
Henrique Bottura: Eu não sei se psiquiatra diz isso.
Luciano Pires: Não diz? Não tem uma briga não?
Henrique Bottura: Não, existe um conflito assim, de uma certa forma existem alguns conflitos assim de classe, acho que isso, mas acho que psicologia é uma ciência, sem dúvida, acho que tem críticas à psicanálise especificamente…
Luciano Pires: Eu estou fazendo uma provocação, porque você é filho de um com o outro.
Henrique Bottura: Verdade, eu não ia falar mal da minha mãe, não. Mas eu acho assim, que um pouco do encanta na psiquiatria é a dimensão psicológica da psiquiatria, a psiquiatria é uma ciência, a psicologia é uma ciência, os psicólogos, eu conheço psicólogos incríveis, pessoas que estudam, que têm uma vocação de cuidar, existem vários psicólogos aí que… terapia cognitiva comportamental, terapia comportamental…
Luciano Pires: Qual é a diferença de um para o outro? Como é que você diferencia claramente um do outro? Na minha cabeça de ignorante psiquiatra te dá remédio químico para você tomar e se curar, e o psicólogo te dá mudanças de atitude, não envolve necessariamente… eu sou eu ignorante olhando de fora.
Henrique Bottura: Mas assim, o psiquiatra é médico, o psiquiatra é alguém que cursou uma faculdade de medicina generalista, ele se formou médico e daí ele prestou uma residência em psiquiatria, nessa residência ele estudou as psicopatologias, os transtornos psiquiátricos, as suas histórias naturais, os seus processos, os seus tratamentos, mas ele também estudou vertentes da psicologia, o psiquiatra também faz na residência, atende pacientes, discute, supervisiona etc. O psicólogo, ele estuda o universo psicológico como um todo ao longo da graduação, ele evidentemente pode se direcionar para várias linhas, tem psicólogo que só trabalha dentro de empresa, uma psicologia organizacional, tem a psicologia clínica, tem a psicologia de pesquisa, tem a neuropsicologia que faz testes psicológicos e tem vários braços. Mas a diferença primária é que o psiquiatra tem o recurso medicamentoso para tratar e ele trata os transtornos psiquiátricos, e existem transtornos psiquiátricos, por exemplo, depressão leve, ela pode ser tratada por um psicólogo, mas depressões moderadas, elas já requerem medicamento, existem lá transtornos de pânico, você pode melhorar com psicoterapia cognitiva comportamental, tem estudos que mostram que trata, a terapia, acho que as terapias, elas têm papéis que transcendem só a questão da psicopatologia em si, existe um braço da psicologia chamado psicologia positiva que estuda o que faz as pessoas felizes, e é um braço super interessante da psicologia que tem trazido muitos elementos interessantes aí para compor, porque evidentemente você trata alguém em uma depressão, a pessoa melhora, mas ela não quer só melhorar, ela quer voltar a viver, ela quer voltar a existir, e às vezes a psicologia ajuda mais do que o médico nesse processo, então eu não acho que… eu acho que tanto a psiquiatria, que é muito criticada também como ciência por outras áreas, mas psicologia são áreas de estudos sérios e que desenvolvem ciência e estão em um processo de amadurecimento.
Luciano Pires: Legal. Como é o nome do teu livro?
Henrique Bottura: Meu livro? Meu livro ainda vai ser escrito.
Luciano Pires: Cara, como assim? Não está pronto ainda? Mas vamos lá, vamos a parte de business aqui, quem quiser te encontrar, dá para a gente ficar aqui conversando até depois de amanhã, mas eu tenho um compromisso de terminar com uma hora e vinte mais ou menos, então já deu uma hora e vinte aqui. Quem quiser te encontrar, quem quiser saber mais, para consultar, para convidar para fazer uma palestra, como aquela que você fez para nós, que foi sensacional, a do Big Bang, que foi sensacional, como é que te contata?
Henrique Bottura: Eu tenho um Instagram, Doutor Henrique Bottura, que eu confesso que eu não sou…
Luciano Pires: Vamos lá, @ doutor… tem o dr?
Henrique Bottura: Puts grila, doutor, tem doutor_bottura talvez.
Luciano Pires: Tem alguma coisa assim?
Henrique Bottura: Eu confesso que eu sou uma pessoa meio offline nesse sentido.
Luciano Pires: Você tem um site, você tem um site do instituto, como é que é?
Henrique Bottura: O Instituto de Psiquiatria Paulista é um ambulatório de psiquiatria que atende os principais planos de saúde, ele também atende particular em um modelo mais parecido com o do plano, então não são consultas que são caras, a gente tem lá também um serviço de infusão de cetamina dentro do Instituto de Psiquiatria Paulista, e tem um site, Instituto de Psiquiatria Paulista, ou botar psiquiatria paulista no Google já chega lá, tem uma equipe grande de médicos e médicos muito competentes, é uma empresa que tem sido muito bem gerida e tem evoluído muito bem na qualidade da sua prestação, e eu não atendo mais hoje em dia lá, eu só participo da parte da gestão.
Luciano Pires: Você é o presidente, né?
Henrique Bottura: Exato.
Luciano Pires: Eu estou falando com você e eu estou procurando aqui Doutor Henrique Bottura, eu não consigo achar de jeito nenhum…
Henrique Bottura: No Instagram?
Luciano Pires: É, se a gente achar eu boto na descrição desse programa aqui, eu ponho lá o teu contato lá, já botei com underline, sem underline, Bottura com dois Ts?
Henrique Bottura: Bottura com dois Ts.
Luciano Pires: Bottura com dois Ts, Bottura sem T, já fiz o diabo aqui, não aparece. Eu acho que ponho lá na…
Henrique Bottura: Eu posso checar aqui, vamos ver se eu tenho aqui…
Luciano Pires: É, meu caro, esse teu…
Henrique Bottura: É dr_henrique_bottura.
Luciano Pires: Ah, então tem dois… dr_henrique_bottura, com dois Ts, está lá no Instagram. Meu caro, parabéns pelo teu trabalho, aquela tua presença conosco lá foi muito legal, você muito generoso de nos ceder aquela tua manhã e foi muito legal, esse teu tema aí é sensacional, eu tenho conversado com bastante gente do seu segmento aqui para tentar entender o que que aconteceu e o que está acontecendo com a humanidade, porque tem uma preocupação aí que está muito além dessa… eu me lembro que quando eu entrei no mundo profissional, eu estava preocupado em desenvolver minhas habilidades técnicas, quero saber escrever… e de repente, você descobre que elas são meio que acessórios hoje em dia, se você não tiver o equilíbrio mental, essas habilidades aí não vão servir para muita coisa, não, e a gente não deu atenção para isso durante séculos.
Henrique Bottura: Exatamente, eu acho que a gente tem que ter uma ciência de que a nossa saúde mental, ela é um grande patrimônio que a gente tem, o nosso principal ativo, e que vinculada à ela tem uma série de outras habilidades que a gente vai desenvolvendo na vida de líder, na vida de empreendedor que transcendem a parte técnica assim, a parte técnica assim, evidente você ser uma pessoa que raciocina com rapidez, que consegue lembrar dos principais artigos, que consegue articular informações de diferentes escolas, faz muita diferença, mas no final das contas, o paciente precisa tomar o comprimido que você descreve para ele e às vezes o comprimido que ele prescreve é o mesmo que o médico com pouco estudo, com pouco tempo de experiência vai prescrever, e o médico de sucesso é o que fizer o comprimido chegar lá no estômago do paciente para ser absorvido, chegar como uma substância que chegue no cérebro. Então, o desafio técnico… e acho que essa analogia vale para todo mundo, porque a gente começa uma carreira, aprende um monte de coisas técnicas, mas a gente precisa saber aplicá-la e aplicar envolve outras habilidades.
Luciano Pires: Que não cabem em uma planilha, que não dá para cantar. Meu caro, muito obrigado pela visita aqui, um prazer estar contigo aí, vamos manter contato, tem coisas legais para fazer acontecer aí.
Henrique Bottura: Maravilha, estamos aí, agradeço aí a atenção de todos e estamos aí.
Luciano Pires: Grande abraço.
Luciano Pires: Muito bem, termina aqui mais um LíderCast, a transcrição deste programa você encontra no LiderCast.com.br.
Voz masculina: Você ouviu LíderCast com Luciano Pires, mais uma isca intelectual do Café Brasil, acompanhe os programas pelo portalcafebrasil.com.br.