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Ciça Camargo -

Luciano          Muito bem, mais um LíderCast. Este aqui, a forma como esse programa aqui está acontecendo é interessante. Esse ano eu completei 60 anos e fui apresentado ao sexagenário de uma forma bastante interessante, com uma crise ciática, que começou uma dor devagarinho na minha perna esquerda, de repente eu estava sem conseguir andar, com a maior dor que eu senti na minha vida e fui parar no Einstein de cadeira de rodas e ali eu tive que, rapidamente, ser submetido a uma cirurgia de hérnia de disco e bom, estou de volta, um mês e pouco depois, uma recuperação muito rápida, mas aconteceu uma coisa interessante porque toda vez que eu tenho um rolo desse na minha vida acontece sempre em fim de semana, nunca é durante a semana, em horário útil, é final de semana e esse a  paulada deu na quinta, sexta eu estava em crise, fui para o Einstein, me atenderam na emergência do Einstein, num horário em que parece político, não tem mais médico nenhum e eu chego lá, sou atendido e os caras ó, a gente vai chamar o médico e daqui a 40 minutos ele chega. Aí não deu 40 minutos, deu 10, 15 minutos, chegou o médico que estava saindo, pegaram ele lá saindo para pegar o carro, ele voltou e a gente conversou e acabou que a decisão foi de… bom, cirurgia e tudo mais. O fato é o seguinte, eu aproveitei o embalo, chamei-o aqui e eu tenho essa oportunidade gigantesca que eu sempre busquei de trazer alguém aqui ligado à medicina e acabou que essa minha hérnia de disco serviu para gerar uma entrevista aqui que eu acho que vai ser muito legal. As três primeiras perguntas, ele já ouviu o Café Brasil, ele sabe como é que funciona, mas eu quero saber seu nome, sua idade e o que é que você faz.

Marcelo          Meu nome é Marcelo Wajchenberg, eu sou médico, sou ortopedista, sou cirurgião de coluna e qual era a terceira pergunta?

Luciano          Era a do meio, que era a idade.

Marcelo          Minha idade. Minha idade é difícil de esconder, eu tenho 46 anos e sou médico, sou ortopedista, cirurgião de coluna.

Luciano          Bom, você sabe que o nosso programa aqui o pano de fundo é liderança e empreendedorismo e sempre que eu trago algum profissional dentro de diversas áreas, aí eu estou muito mais interessado na forma como ele chegou lá e o processo de tomada de decisão e tudo mais, do que essencialmente o que ele faz, mas no teu caso que é médico, tem um histórico. Você nasceu onde, São Paulo?

Marcelo          Eu nasci em São Paulo, eu sou paulistano, eu adoro a cidade de São Paulo, para mim existem várias cidades no mundo que eu gosto, mas eu sou paulistano, fui criado no Bom Retiro, eu tenho origem judaica e fui criado no Bom Retiro, eu morava em frente ao Jardim da Luz que eu tenho muita saudade desse tempo, é um bairro ótimo, na época em que o Jardim da Luz não tinha grades ainda, era tudo… Colocava você no parque para brincar e deixava você brincando e não tinha preocupação nenhuma, então fui criado no Bom Retiro que é um bairro, era um bairro tranquilo, um bairro típico da comunidade judaica e depois, por volta dos 10, 11 anos eu mudei para a região dos Jardins, eu fui morar lá perto do Colégio São Luís, lá na Haddock Lobo, região dos Jardins e era uma coisa natural das pessoas da época à medida que o pessoal conseguia ter uma melhora de vida, uma melhora financeira, o pessoal migrava, mudava de local, mas eu sofro muito com isso, porque eu gostava muito, eu fiquei verdadeiramente doente quando saí do Bom Retiro para ir morar nos jardins, porque você cria um apego, a gente tinha uma vida muito boa, muito tranquila, fazia tudo a pé, não tinha grandes preocupações.

Luciano          Teus pais faziam o que?

Marcelo          Meu pai, ele era um representante comercial, ele fazia vendas de roupas, ele trabalhava para uma malharia chamada Malharia Ouro, que tem até agora lá no Bom Retiro e minha mãe, ela era voltada mais para a parte das artes, sempre fez pinturas, cuidava mais da casa, mas ela sempre fez as artes dela, pinturas, ela também, até agora ela escreve, meu pai já é falecido, mas minha mãe, ela pinta, ela escreve, ela é uma artista.

Luciano          De onde pintou a medicina?

Marcelo          A medicina, ela apareceu na adolescência e foi de uma coisa engraçada, porque eu sempre gostei muito, eu gostava muito de matemática, da área de exatas, na época, quando eu resolvi fazer o cursinho, o melhor cursinho que tinha na época era para a área de biológicas, apesar que o meu objetivo, eu pensava em fazer engenharia aeronáutica, eu queria fazer o ITA e na época não tinha um cursinho específico para ITA…

Luciano          Por isso que gostou da entrevista do …

Marcelo          … do Osires Silva, exatamente, eu achei fantástico, eu sempre gostei disso e na época eu fui fazer um cursinho mais forte, que era o de biológicas e acabei me afeiçoando, acabei gostando da área, me despertou o interesse pela área de biologia e nesse ano mudei minha cabeça e resolvi fazer o cursinho e o vestibular para medicina, na época.

Luciano          E você não tinha ninguém na família que você bateu o olho e falou pô, quero ser médico igual meu tio.

Marcelo          Na verdade eu tenho vários, eu tenho muitos parentes médicos, das minhas duas linhas, tanto da parte do meu pai, que é o Wajchenberg, eu tenho alguns parentes, tanto da parte dele como da parte dos Zimmerman, ou Timmerman, que é da minha mãe, também tem vários médicos…

Luciano          Mas não foi esse o…

Marcelo          … não foi esse  o que desencadeou, o que me levou a fazer a medicina, realmente foi o apego, alguns professores que eu tive, tanto na minha escola, que eu estudei num colégio judaico, que é o Renascença, mesmo no cursinho, professores de biologia eram muito bons, acabaram me despertando o interesse nessa área.

Luciano          Eu acho que a medicina deve ser, talvez, acho que só física quântica deve ser mais difícil do que medicina, é uma das formações mais complexas e mais demoradas e complexas que existem, demandando um tempo gigantesco e investimento grande e tudo mais, você tinha consciência disso quando você escolheu que ia para medicina, bateu o olho e falou é isso que eu quero, abraçou e foi em frente sem ter dúvidas no caminho?

Marcelo          Não, realmente foram muitas dúvidas, eu não tinha a menor consciência, não tinha… a gente na época tinha 16 para 17 anos quando prestei vestibular e não tinha a menor noção do esforço que eu tinha pela frente, quando nós somos adolescentes nós queremos mais é ter desafios e para mim eu sempre buscava o maior desafio possível, então na época eu vi isso como um grande desafio e falei não, vou atrás disso, mas não tinha a menor noção do que viria pela frente.

Luciano          Pensou no meio do caminho, vou dar uma parada, vou partir para outra?

Marcelo          Nunca. O meu amor pela medicina só foi crescendo durante o curso, eu fui estudar no interior, o que já foi um desafio, fui estudar em Sorocaba, na PUC e também já foi uma experiência muito difícil, mas super atraente porque saí da minha casa. Eu sempre fui uma pessoa muito caseira e de repente fui morar numa república, numa outra cidade no interior de São Paulo, em Sorocaba e tudo isso foi muito novo, mas foram desafios que foram aparecendo e eu sempre fui muito de enfrentar, eu gosto de desafios e acabou cada dia era um desafio, cada ano foi me despertando mais interesse, mais dedicação e despertou o amor pela medicina, mas o interessante que dentro dessa conversa vão aparecer algumas coisas que me aconteceram nessa faculdade lá em Sorocaba que justamente talvez traga alguns dados assim interessantes para essa discussão de liderança, porque o médico, ele tem uma função, uma função social de ser um líder, isso é muito importante, dentro da faculdade à medida em que as coisas foram se desenrolando e o aprendizado, eu acabei pegando uma liderança dentro da faculdade, eu me tornei lá o presidente do centro acadêmico…

Luciano          Ah, isso eu não sabia.

Marcelo          … eu fui presidente do centro acadêmico lá na PUC de Sorocaba numa época bastante turbulenta, foi uma época em que a gente pegou uma época de inflação, foi a época da super inflação em que é uma faculdade particular que eu estudava e meu pai era uma pessoa de classe média, classe média normal, como a maior parte de todos nós e as mensalidades, elas subiam 10, 20, 30% ao mês e chegou realmente numa situação insuportável e justamente nessa época eu assumi, do terceiro para o quarto ano, a presidência do centro acadêmico na minha faculdade e foi um embate muito grande, porque chegou uma situação que mais de 50% dos alunos não conseguiam pagar, tinha os gastos com a cidade e nós resolvemos parar de pagar a faculdade. A gente fez um movimento grande lá em Sorocaba na época e esse movimento, junto com o pessoal de São Paulo, da PUC de São Paulo, de todas as áreas, foi até uma coisa super interessante porque a gente conviveu com esse pessoal das áreas de humanas, que eram pessoas muito engajados em termos políticos e a gente acabou entrando contra a universidade, até em termos jurídicos, nós paramos, suspendemos, fizemos pagamentos judiciais e foram meses de briga política contra a PUC na época.

Luciano          Interessante, eu me lembro quando eu fiz, eu me formei no Mackenzie quando eu fiz o meu… eu fui o porta voz, não é porta voz, não sei como é o termo, o orador da turma no encerramento, na formatura e lá eu dizia, o meu discurso dizendo seguinte, que eu não sabia quantificar quanto mais eu tinha aprendido na escola, se era dentro da sala de aula ou fora da sala de aula, por causa desse envolvimento também com o diretório central do estudante, o jornal publicado na época, eu me abracei a isso tudo, então foram dois momentos de crescimento e eu tenho uma tese que é o seguinte: as coisas fundamentais na vida da gente e que marcam a gente pra o resto da vida,  é exatamente nesse período, quando a gente faz 20 anos, até 27 anos a música do meu coração é dessa época, a primeira namorada dessa época, a viagem fantástica, todas as coisas que acontecem importantes, essa é uma época que parece que vem e grava no coração da gente, então eu tenho com muito carinho essas lembranças dessa atividade toda daquela época lá. Mas aí você chega no momento em que você tem que fazer uma opção, você está na escola e aí, eu serei o que? Um pediatra? Um obstetra? Como é que pintou essa coisa da ortopedia e depois a coluna na tua…

Marcelo          Muito interessante, eu tenho uma tradição familiar de ótimos médicos clínicos na minha família e realmente é uma coisa saudosista o que eu vou falar, é uma coisa que por um lado pode parecer muito triste, porque eu acho que foi uma das últimas gerações que tiveram na faculdade os grandes professores, sabe aqueles grandes mestres que sabiam a medicina como um todo? Que sabiam cheirar um hálito, me ensinaram a cheirar hálito de paciente, me ensinaram coisas básicas, a examinar e na época não era pedir ressonância magnética, não era, era colocar mão no paciente, olhar na cara do paciente, fazer um exame físico, tirar uma história e eu tinha professores que me traziam isso e foram professores muito marcantes como o professor Gerson Kalil, como o professor Maffei, os médicos que ouvirem vão saber quem são essas pessoas e foi muito marcante, então isso me criou a minha faculdade, uma faculdade que na época era um dos berços da clínica médica do país. Então meu sonho era ser um grande clínico geral, então eu terminei a faculdade e quando eu cheguei no sexto ano eu falei, vou fazer clínica e vou fazer cardiologia, então esse era o meu sonho, então prestei as residências médicas de clínica médica e na  minha própria faculdade eu prestei em cardiologia e prestei em clínica em outros lugares, então no final acabei entrando na residência em cardiologia na minha faculdade, em Sorocaba, entrei em clínica médica em Ribeirão Preto, na USP, que era um dos lugares que eu mais gostaria de ir, porque a cidade muito agradável e a USP de Ribeirão Preto também é uma das faculdades líderes em termos de clínica, então era um dos meus sonhos, então esse foi um passo interessante, só que assim que eu entrei na faculdade, na residência médica, aí vem uma quebra e uma mudança também na minha história, porque justamente nesse momento eu entrei para o exército e aí eu tranquei a minha residência médica e fui passar um ano como oficial do exército que eu tive que servir.

Luciano          Você foi convocado

Marcelo          É, eu fui como voluntário, mas eu fui um voluntário assim meio empurrado porque se nós não fôssemos voluntários, nós poderíamos ser requisitados e sermos mandados para a Amazônia, para lugares muito  distantes e foi uma época bastante difícil.

Luciano          Alguém te recomendou então, vai lá como voluntário?

Marcelo          A gente sabia que o ideal era ser voluntário porque se não fosse voluntário, a chance de ir para um lugar mais distante era muito grande e é uma época, na faculdade, como você falou, do primeiro amor, lá em Sorocaba eu conheci a minha atual esposa, que foi praticamente a minha namorada, então eu já tinha a minha esposa, foi um ano também em que eu tinha minha mãe, assim que eu me formei minha mãe adoeceu, então eu precisava ficar mais próximo de São Paulo, para poder, tanto ficar com minha esposa que eu estou até agora, graças a Deus, que eu amo, como a minha mãe que tinha adoecido, então nesse ano do exército eu sabia que eu teria que ficar em São Paulo, próximo a São Paulo, acabei servindo aqui em Barueri, foi no 22 Belogue que fica lá na Castelo Branco, onde tem aqueles conjuntos de quartéis e acabei ficando em São Paulo e fiz um ano de exército e foi muito interessante, porque todo o tempo da faculdade fui um presidente de centro acadêmico que tinha contato com esse pessoal ligado à esquerda e de repente, mais um ano depois de tudo o que me aconteceu em termos de briga política com a PUC…

Luciano          Você era um milico.

Marcelo          … eu já estava lá como oficial do exército.

Luciano          Que delícia.

Marcelo          E foram duas coisas que eu gostei muito, eu gostei tanto de ser presidente do centro acadêmico, com uma visão mais… lógico que eu saquei na época que a minha tendência não era aquela do pessoal de humanas da PUC, de ser tão radical à esquerda, aquele negócio, lembra aquelas reuniões aqui em São Paulo, onde era camarada para cá, camarada e não é bem assim, eu já sabia que eu não era isso e por outro lado eu tenho honra hoje em dizer que eu sou militar, quer dizer, sou militar da reserva, fiz um ano de exército, oficial do exército, mas também foi um ano muito bom porque eu entendi o outro lado da moeda também, entendeu?

Luciano          Sabe que isso tem acontecido, quando eu converso com as pessoas, eu até preciso trazer mais gente aqui desse segmento, até hoje eu só trouxe acho que um do segmento militar. Aliás vai ao ar agora na próxima temporada, junto contigo aqui, as pessoas que passam por essa experiência militar, todas elas, falam de uma forma positiva, evidentemente tem alguém que se deu mal lá, mas inclusive meus amigos que fizeram, que prestaram exército na época, eu entrei junto com um grupo grande também e fui dispensado por excesso de contingente, eu com 4 graus de miopia, um cara míope não serve, caí fora, mas meus amigos todos serviram e todos eles falam, contam as histórias com carinho da lembrança deles daquela época. Mas, quando você entra dentro do sistema e entende aquele sistema  da hierarquia militar, aquela coisa toda, é uma coisa impressionante, eu tenho ido fazer palestras, outro dia eu estive já duas vezes no Barro Branco, da Polícia Militar, não é exército, mas é a polícia militar e tem um lance ali que chama a atenção, de você entrar, a educação dos caras, a forma como eles te respeitam, o tratar das pessoas tudo com maior… tem um respeito, uma coisa hierárquica ali que fala isso. Aqui tudo se perdeu, todo mundo hoje é bicho, é cara, não tem mais senhor, não tem mais respeito, mas lá dentro ainda existe essa coisa que acho que traz para a gente uma consciência de responsabilidade, ensina a gente a ordenar as coisas e só quem está lá dentro é que pode saber como é que isso funciona, então é interessante saber, você ter visto esses lados, um colado no outro e aí, então esse tempo de exército de deu uma parada.

Marcelo          Eu fiquei um ano no exército, ganhei um salário relativamente bom, eu tinha meio período para poder trabalhar como médico, meio período para ficar no quartel e eu ganhava um salário relativamente bom e com isso eu pude ajudar a cuidar da minha mãe, junto com a minha esposa e foi um ano que… E quando eu entrei no exército, minha esposa, tivemos uma boa conversa e ela falou para mim, Marcelo você é um ótimo clínico, você vai ser um ótimo clínico, só que isso não basta para você, por que você não pensa em fazer alguma coisa que você possa ficar em São Paulo, alguma coisa que tenha procedimentos que exijam de você o teu conhecimento de clínica, mas que você possa ter mais procedimentos, então foi nessa época em que eu resolvi fazer ortopedia.

Luciano          Mas a cardiologia você não podia ter feito em São Paulo?

Marcelo          Eu podia ter feito, podia prestar, porque estava trancada a vaga, mas eu ia prestar de novo a residência em São Paulo, mas durante o exército, aconteceram alguns eventos em que me seduziu muito a parte cirúrgica, eu tive que atender, eu lembro que a gente dava plantão como oficial de dia e como médico de dia e 365 dias do ano não acontece nada no plantão de médico, nada, absolutamente nada, você dá um plantão para fazer exame médico para os oficiais irem na piscina do quartel e no meu plantão, obviamente, que um dia um soldado disparou o fuzil dele, ele teve uma fratura e o projetil atingiu o fêmur dele, ele teve uma lesão vascular grave da artéria femoral e os soldados me trouxeram, tenente, está aqui, o que a gente vai fazer com ele? Ele sangrando e a femoral rompida, falei pronto, agora… não tinham recursos e a gente conseguiu, consegui estancar a hemorragia dentro do quartel, levamos para o posto de saúde, levamos para o hospital e a gente salvou o paciente, ele teve uma fratura de fêmur, então nós estabilizamos e isso realmente me despertou o interesse por uma área que tivesse procedimentos mais invasivos e eu acabei escolhendo a ortopedia, porque na ortopedia a gente teria acesso a procedimentos resolutivos. Você tem uma fratura, você alinha o osso, então eu queria fazer alguma coisa resolutiva, absolutamente que você pudesse trazer a pessoa o mais breve possível ao retorno às suas atividades, então isso me seduziu e acabei seguindo esse caminho, numa conversa que eu tive com a minha esposa, então aí eu resolvi me preparar para a prova de residência na Escola Paulista de Medicina, que era um local muito concorrido, eu acabei estudando junto com colega da Escola Paulista, que é um grande amigo meu e acabei entrando na residência médica em ortopedia na Escola Paulista de Medicina, com isso eu poderia ficar em São Paulo com minha esposa, cuidando da minha mãe e estaria mais perto da minha família e poderia fazer alguma coisa que tivesse mais procedimentos.

Luciano          Legal isso que você falou desse susto que você passou com o cara lá com a perna arrebentada, tem um documentário no Netflix chamado “Capacetes Brancos”, é um documentário que trata de um grupo de civis na Síria que eles são preparados para sempre que tem um bombardeio na cidade, eles são os primeiros caras a chegar, eles vão lá para tirar a turma de dentro do bombardeio, então são civis mesmo, o cara tem um treinamento lá para poder… como é que  corta as coisas, como é que tira o pessoal lá de dentro e eles entrevistam os caras no meio do caminho, olha, eu era ferreiro,  eu era padeiro, eram várias coisas e o cara acaba se dedicando a isso. Era como se fosse um corpo de bombeiro, eles ficam esperando,  tocou o alarme,  passou o jato, explodiu a bomba, os caras vão correndo para lá e um deles numa entrevista estava dizendo, quando começou esse rolo todo, essa loucura aqui da guerra, eu entrei numa das facções e comecei a ser, eu ia lá de arma na mão guerrear e tudo mais e um belo dia eu parei e falei toda essa energia que eu estou gastando para matar gente, eu acho que não é minha praia, acho que eu vou gastar para salvar gente. E ele muda, ele sai de ser o cara combatente que atira nas pessoas para ser o cara que salva as pessoas porque ele falou quando eu experimentei essa sensação de salvar a vida de uma pessoa, isso me tomou de tal  forma que acho que aconteceu com você, quer dizer, é um bichinho, o bichinho morde a gente, aí você fala, que sensação é essa, só quem passa por ela é que consegue ver e isso é uma coisa que eu admiro, quando você está falando de liderança, a questão toda do médico com liderança, quer dizer, o médico cirurgião tem diante dele como é meu caso, um cara deitado ali, inerte, está na sua mão e dependendo do que sua mão fizer nele, ele para de andar para o resto da vida, então você tem ali que ter uma… estou coordenando uma situação aqui onde tem um elemento aqui que não é uma questão de ganhar um perder dinheiro, de ficar mais rico ou mais pobre, uma questão de devolver para esse cara uma condição de vida ou até prejudicar o futuro desse cara para o resto da vida, quer dizer, tem uma carga de responsabilidade em cima de vocês que é um negócio brutal, não é? Como é que você lida com isso, o que te faz vencer essa…  não sei se dá um medo, não sei se você tem um medo, dá um frio na barriga?

Marcelo          É, na verdade esses primeiros anos, tanto da residência médica, são anos básicos de preparação eu acho que o primeiro ponto é a gente… ontem mesmo eu vi essa reportagem dos capacetes brancos resgatando aquela criancinha lá na Síria, isso é uma situação de emergência, mas o primeiro ponto que te dá segurança é o conhecimento, que é o ponto básico e são muitos anos  de estudo, é muita dedicação, quer dizer, foram três anos de residência médica, depois dois anos de especialização em cirurgia de coluna e um aprendizado constante, então o primeiro passo para segurança e para saber lidar com isso tudo é o treinamento que não tem muito jeito, é o treinamento e estudo constantes, sempre se atualizando e o que… depois que você tem o conhecimento, você tem que lidar com o teu instinto de humanidade, que é isso que você acabou de falar, que é aquele instinto de você ajudar o próximo, não olhando para o próximo como um paciente ou como alguém que você tem… vai ganhar dinheiro com teu trabalho, lógico, nós somos profissionais, mas o que me faz hoje, no meu dia a dia, atuar e fazer as coisas, é olhar para o paciente, ver o problema e a possibilidade da resolução, assim como o médico pode pegar um paciente com um problema, uma hérnia de disco, é o que você falou, se ele errar pode causar um problema, também tem aqueles pacientes que chegam com trauma na coluna agudos, pacientes que chegam já com trauma raquimedular, chegam paraplégicos praticamente você vai lá, faz uma cirurgia, estabiliza a coluna e ele volta a andar, então esse instinto médico, a vontade você reintegrar a pessoa, de salvar não só a vida, porque a questão fundamental não é a vida, a vida ou a morte é uma coisa que está acima da gente, mas é como a pessoa vai viver, a qualidade da vida e isso nós, o ortopedista, a gente que lida com coluna e que… a gente mexe muito com isso, de você dar qualidade de vida para a pessoa de uma coisa que ela tinha perdido, que ela estava restrita e que você dá e na hora em que você atende, que você tem o conhecimento, esse negócio não existe o medo, a fragilidade de você, você simplesmente vai agir pelo teu instinto, pelo teu conhecimento e você trata da melhor forma possível, usando toda a tua capacidade para fazer o teu máximo.

Luciano          Eu imaginei se dava para fazer um paralelo, por exemplo, eu sou palestrante profissional, toda vez que eu vou começar uma palestra, na hora de eu entrar e botar o pé no palco, por mais seguro que eu esteja dá um friozinho na barriga, então na hora de entrar, anunciar com vocês Luciano Pires, entre no palco, dá um friozinho na barriga, dá uma ingestão de adrenalina e aí você decola e vai. Com esses casos de cirurgia, não é mais ou menos isso, o evento o momento em que o evento vai acontecer, você está se preparando lá, vou enfiar a faca no sujeito. Você tem alguma reação desse tipo ou é absolutamente técnica a coisa?

Marcelo          É muito técnico, é muito técnico, muito programado, a gente estuda, existem aqueles casos de urgência, mas geralmente a coisa é muito estudada, eu confesso para você que quando nós temos determinados casos com tumores graves, a gente chega a perder noites de sono pensando, quantas vezes já não acordei com minha esposa conversando sobre paciente com ela e falando. Então, a gente perde às vezes noite de sono com planejamento e preocupado, mas na hora que você entra para um ato cirúrgico, já entra naquela resolução, você já sabe o que fazer, já está tudo planejado, não dá frio, interessante o que você está dizendo, porque às vezes a gente tem que dar uma aula num congresso, vai apresentar um trabalho no exterior, aí sim, a gente tem esse frio na barriga, mas na hora do ato cirúrgico ou do ato médico de atender, de fazer aquela cirurgia, não tem muita essa sensação, você tem uma segurança muito grande. Existem cirurgias e cirurgias, óbvio, existem procedimentos que são aqueles procedimentos que geram mais atenção e te dão um pouco mais de tensão, existe dentro da cirurgia de coluna as cirurgias que são mais delicadas, que são cirurgias com deformidades, por exemplo, são crianças, adolescentes que tem escoliose e essas crianças, você vai fazer uma cirurgia e existe um risco intrínseco da cirurgia, que por mais técnico que você seja e por melhor que você faça, elas podem ter uma deficiência neurológica na hora de corrigir essa deformidade, então esse é um momento muito tenso, aí sim, eu confesso que em alguns casos de cirurgias de deformidades, ás vezes quando a gente está monitorando a medula e o profissional que monitora a medula para a gente na cirurgia começa a falar cuidado, o potencial da medula está baixando, ou ás vezes, antigamente, antes dos  anos 2000 a gente operava deformidade e você tinha que acordar o paciente no meio da cirurgia para pedir para mexer os pés, para ver se estava tudo funcionando, hoje em dia,  nós monitoramos a medula durante a cirurgia, então nesses  procedimentos em que envolve uma possibilidade de uma lesão neurológica, a gente realmente tem um pouquinho mais de preocupação.

Luciano          Você falou uma coisa interessante aí que tem a ver com o procedimento que eu passei agora com você, que todo mundo que pergunta para mim como é que foi? Eu falo foi há um mês. Porra mas você está assim? Eu falo, se fosse 10 anos atrás eu acho que ia estar de cama ainda me recuperando, porque a evolução foi uma coisa brutal tanto que até hoje em dia quando você fala vou fazer uma cirurgia, a primeira coisa que vem é uma careta, todo mundo faz careta porque a imagem da cirurgia da coluna é aquele cara com um ferro enfiado nas costas, dois anos de cama e sem recuperação. No meu caso foi uma coisa bastante rápida, eu saí cinco dias depois do hospital, sai andando, saí caminhado ali, um negócio impensável. Isso implica o seguinte, tem uma evolução tecnológica tanto dos equipamentos que você utiliza quanto dos medicamentos, quanto dos procedimentos que é uma coisa que acho que na medicina vai numa velocidade brutal, eu lembro, tenho alguns conhecidos que são médicos e eles falam, eu tenho que estar toda hora na convenção não sei o que, naquele workshop disso e daquilo porque as coisas vão numa velocidade grande. Tem um lado do teu dia que você é obrigado a estar estudando essas coisas novas para poder implementar no teu dia a dia, quer dizer, você jamais pode parar na tua profissão e eu não sei se existe outra profissão como a medicina onde as coisas acontecem numa velocidade tão grande, você parou, fica 3 meses sem dar uma olhada, já perdi o fio da meada, já mudou tudo e os procedimentos foram. Existe um processo, vocês médicos, em conjunto, vocês tem um… tem um lugar que vocês vão para isso, tem um horário do teu dia, tem um tempo, a tua rotina diária, tem um tempo para estar antenado nessas coisas, você tem um grupo que o pessoal se comunica, como é que você faz para se manter atualizado?

Marcelo          Eu acho que existem duas coisas muito importantes nesse aspecto, eu acho que existem princípios básicos, os princípios básicos de ética, de tratar um paciente, isso é básico, isso não muda e nunca vai mudar, apesar de algumas pessoas quererem. Eentão o princípio de saber examinar um paciente, de ter o conhecimento básico, até princípios de cirurgia, de educação dentro de uma cirurgia, de ter uma rotina, isso não vai mudar, isso é estático, são princípios básicos que tem que ser seguidos, que é o princípio da ética, o princípio do correto, o princípio de fazer exatamente o que tem que ser feito…

Luciano          Moralidade, tá.

Marcelo          … a moral tem que ser feita, o que infelizmente, a tecnologia tem mudado um pouquinho a vida, confundido as pessoas, porque às vezes o excesso da tecnologia traz problemas, então muitas das cirurgias, mesmo que nós realizamos  às vezes para uma hérnia de disco, elas são básicas e são feitas há cem anos praticamente da mesma forma, coisas que são importantes, por exemplo, o uso de um microscópio, o uso de uma lente, uma lupa, isso auxilia, técnicas são desenvolvidas com modernidade e esse é o lado bom, esse é o lado bom da globalização e da tecnologia da informação. Você consegue hoje ter acesso e o tempo que o médico, que nós temos livre, a gente está na internet, a gente está indo em congressos e hoje já não é tão difícil ir em um congresso, você já pode fazer congressos online, então tem procedimentos como técnicas endoscópicas para hérnia de disco, existem coisas mais atuais e modernas que facilitaram a abordagem do paciente, mas eu acho  ainda que mais de 50% dos conceitos ainda são básicos, são os corretos e você consegue, de forma simples, resolver o problema das pessoas. Então eu, na minha visão ainda, eu acho que a tecnologia trouxe uma interrogação, as coisas cresceram demais e os abusos mais me preocupam de que me deixam tranquilo, para ser muito sincero, então eu acho que muito da tecnologia que apareceu serve a interesses comerciais e isso é um derrame que vem para cima da classe médica, então o médico toda hora está recebendo e-mails, convites, fornecedores que querem esse contato para mostrar a tecnologia e vender o seu peixe, seja na forma de medicamentos, seja na forma de materiais cirúrgicos, seja na forma de organização, de logística, então a gente é assediado, eu tenho muita dúvida e sou muito criterioso em termos de lidar com esses avanços tecnológicos, entendeu? Eu acho que é interessante, tem que ir com calma, aparecem coisas muito boas, mas a maior parte, infelizmente, das coisas que aparecem, não são tão boas e muitas vezes você vê que são experimentadas coisa que não tem uma comprovação de uma eficácia maior…

Luciano          Que o custo-benefício não…

Marcelo          … não é tão grande, entendeu?

Luciano          Me fala uma coisa aqui, vamos falar do avião que você pilota aí, eu entro no avião tem a comissária de bordo, tem a chefe das comissárias, tem o navegador, tem o piloto, etc e tal. Numa cirurgia, imagino que seja uma coisa parecida, eu não conheço muito bem a hierarquia como é que funciona lá, eu queria que você me falasse um pouco disso, porque você vai montar um time para resolver um problema, está lá o paciente deitado e vem não sei quantas pessoas, nem sei quantos tiveram envolvidos na minha quatro, cinco pessoas, não sei quantas foram, mas há um time ali que você vai ter que coordenar aquele time. Quem monta esse time? Aliás, quem é o piloto? É o cirurgião chefe que é o piloto, quem é que monta esse time? Como é que você faz para bater o olho no anestesista e sem ele falar nada você sacar os dois se entenderem naquele esquema da equipe que funciona junto, como é que funciona isso?

Marcelo          É uma coisa, pode parecer simples, mas é muito complexa, o aspecto de simplicidade em termos exatos assim, você tem que ter primeiro, um hospital de qualidade, que e ofereça as condições para você poder fazer um procedimento…

Luciano          Eu acho que a gente não falou aqui no começo lá, mas você atende no Einstein, que é uma das mecas da medicina aqui no Brasil, não é? Legal.

Marcelo          … existem vários hospitais na cidade de São Paulo, é interessante até que para o conhecimento, como eu te falei logo no começo que eu adoro São Paulo, sou paulistano convicto e eu acabei conhecendo São Paulo às custas de hospitais, que você vai dando plantão em tantos hospitais por aí que você vai conhecendo a cidade inteira, então existem muitos hospitais bons em São Paulo, tanto públicos como particulares. O Einstein obviamente é um dos principais hospitais não do Brasil, mas do mundo em termos de qualidade e isso dá para falar tranquilamente, porque durante a nossa formação no Felow que eu fiz, e conheci vários hospitais e realmente o Einstein tem um padrão muito grande. Agora dentro da tua pergunta, a gente precisa ter uma equipe que tenha um cirurgião que vai coordenar e esse cirurgião, ele vai ter que ter um ou dois assistentes em cirurgia de coluna, eu acostumo ter dois assistentes, tem um instrumentador cirúrgico que vai mexer com os materiais e vai controlar os materiais e passar esses instrumentos para o os assistentes e para o cirurgião, tem um anestesista da confiança, eu tenho uma equipe de anestesistas que trabalha comigo, que é da minha confiança e em alguns momentos, por exemplo, tem certas vezes que você tem que usar o anestesista do hospital, eu lembro muito dentro de um hospital público às vezes você trabalha e você não escolhe o anestesista, é o anestesista que está de plantão que trabalha com você, você às vezes até conhece, mas o ideal é que o anestesista seja muito acostumado com você, você  olha na cara dele durante a cirurgia e sabe que está tudo bem, ele vai estar com a vida do paciente na mão, cuidando dos parâmetros clínicos, então tem um anestesista…

Luciano          Uma coisa interessante, quem é de fora, o anestesista é o cara que vai fazer eu dormir e acabou, me bota para dormir e sai da sala e não é nada disso…

Marcelo          … é, ele fica monitorando o tempo todo, ele é o responsável em, quando numa anestesia geral, em manter as vias aéreas funcionando, em oxigenação, qualquer falta de oxigenação pode levar a uma sequela neurológica, então ele vai ser a pessoa que vai estar atento o tempo todo ao seu lado vendo e é uma alquimia, porque tem que ministrar drogas que te deixam ao mesmo tempo dormindo para que a cirurgia possa se desenrolar, ele vai ter que cuidar para que você não tenha dor, então você tem que ter um anestesista e uma equipe anestésica da tua confiança porque o teu paciente está na mão dele, ele que controla tudo, dependendo das drogas ou da posição que o paciente está, ele pode ter um sangramento maior durante a cirurgia, ou menor, então até as drogas, o nível de pressão que ele mantém o paciente, tudo isso a gente combina e ele sabe a cirurgia que eu estou fazendo e ele sabe que, por exemplo, tem que ter um sangramento diminuído naquela área que eu estou trabalhando, então tem que manter a pressão do paciente um pouquinho mais baixa, então tem que ser uma equipe e tem que conhecer bem, então tem o cirurgião, os assistentes, o instrumentador, o anestesista e dentro da sala cirúrgica ainda tem uma circulante, que é uma funcionária do hospital que fica cuidando para que os instrumentos sejam todos trazidos na sequência certa e monitoradas e além do que está acontecendo naquela sala cirúrgica ainda tem a enfermagem que está por fora, que está coordenando tudo, tem os responsáveis pelo centro cirúrgico, então é uma logística muito grande, é uma equipe que você tem que coordenar e tudo fica na coordenação do cirurgião.

Luciano          E antes de começar uma cirurgia tem uma reunião com a turma ou é vamos lá? Vou trocar calota, levanta o carro ai, vamos trocar calota.

Marcelo          Por exemplo, a gente tem até agora um projeto no Einstein que é um projeto de cirurgias de coluna, é um projeto que foi feito em parceria com algumas fontes pagadoras em que devido a situações de uso excessivo de implantes cirúrgicos, a operadora fez um acordo com o Einstein, então os pacientes são encaminhados para o Einstein, pacientes que às vezes não teriam nem direito, existe um board que discute esses casos clínicos, o médico atende, leva o caso para o board, esse caso é discutido e aí sim, a partir dessa discussão, quer dizer, existe uma programação cirúrgica, eu na minha equipe, eu tenho mais três cirurgiões formados como cirurgiões de coluna, que participaram da sua cirurgia, que são o doutor Délio Eulálio, o doutor Nelson Astur e o doutor Michel Canas que são os cirurgiões de coluna que trabalham comigo, então praticamente a gente passa uma semana, a gente discute no consultório cada caso, eles me apresentam os exames, nós discutimos e dentro dessa discussão a gente vai para a cirurgia já sabendo o que vai fazer e prevendo até as possíveis complicações, problemas, desafios que a gente vai encontrar na cirurgia, então tem uma programação.

Luciano          Interessante isso, a gente que está de fora só, aliás, quem está dentro não consegue ver nada, eu estou dormindo lá. Fala uma coisa, o outro lado que evidentemente, essa parte da questão técnica e tudo mais, a gente sabe como ela funciona, mas tem um outro lado que eu não sei se eles te ensinam na escola, que é o lado de você lidar com o ser humano que quando chega na tua frente está num estado de fragilidade total, eu me lembro que quando eu cheguei para consultar contigo, eu quase que não conseguia falar de dor, então eu estava ali entregue, pelo amor de Deus, enfia uma chave de fenda na minha coluna aqui que eu preciso passar isso aqui e as pessoas estão sempre, então chega na frente do doutor, doutor eu estou aqui absolutamente fragilizado e você vai conversar com essa pessoa. Há um treinamento para isso, essa coisa de lidar com gente, de lidar com uma pessoa que está fora do seu estado normal, evidentemente talvez com um parente ao lado que está preocupadíssimo com o que vai acontecer e às vezes você não tem boas notícias para dar. Há um treinamento para isso, há um suporte para isso, como é que você lida com isso?

Marcelo          Olha o treinamento para isso, na faculdade, eu acredito que seja muito baixo, muito pouco. A gente vai crescendo de acordo com o aprendizado e com as pessoas que vão te passando as experiências, você vai conhecendo, como eu falei, e volta aquele assunto da faculdade, daqueles antigos professores que tratavam seres humanos e não exames. Hoje com o advento da tecnologia e da vida louca que todo mundo leva, isso passou de ter valor. É interessante que tanto médicos como pacientes, por incrível que pareça, às vezes valorizam mais o exame do que ele mesmo, então até o professor Moisés Cohen que era, até a semana passada, o chefe da ortopedia da Escola Paulista, ele falava o seguinte, quantos centros de diagnóstico existem entre a Av. Paulista e a Faria Lima? Quase toda esquina tem um centro de diagnóstico, por que isso cresce? Porque existe um acordo velado aí de “vamos, não, eu quero saber o que eu tenho vou fazer ressonância, vou fazer um exame de imagem e não é isso, esse preparo não existe e infelizmente os médicos, para se resguardar ou às vezes por não ter tempo de fazer uma consulta, de escutar o paciente, ah o senhor está com dor aí? Vamos fazer uma ressonância daí. Ah a dor é no pescoço? Ressonância de pescoço. Então falta realmente  para o médico na formação universitária, na minha opinião, essa visão humanista. Nós temos algumas disciplinas de psicologia, de ética, mas isso é muito pouco, a gente tem tanta coisa par a estudar e tanta coisa para abordar em termos médicos que isso fica relegado a segundo plano, se o médico não tiver uma… e isso, essa educação que a gente está falando agora, ela vem de mais cedo, é uma coisa que vem de casa, que vem de família, entendeu? E isso está se deixando em segundo plano, então por isso que hoje uma das coisas que eu sinto quando eu vejo e a falta… eu conheço muitos médicos que agem da forma errada e não atendem porque não tiveram berço, hoje você vê as crianças, pessoas tendo filhos e relegando à babá para criar, você vê babás indo levar a criança para… eu tenho pacientes que me contam que vão numa reunião de pais e mestres e está lá a babá como pais e mestre da criança, então primeiro que isso vem de berço, na  faculdade de medicina não existe uma dada importância, cada vez mais os médicos estão mais especializados e menos humanistas menos com essa formação geral…

Luciano          Você sabe que me lembrou um negócio, que todo mundo tirou sarro mas que tinha um fundo ali, foi quando estava se discutindo a questão dos médicos cubanos e a Dilma falou que ela queria um médico que apalpasse, ela deu a entender que médico nenhum apalpa mais, ele senta, olha para a tua cara, você fala duas coisas, ah isso é virose, vai tomar um treco aí qualquer… então houve esse distanciamento. Quando você fala para mim do lance do cheirar hálito, quer dizer, pelo cheiro do hálito dá para entender o que a pessoa pode estar tendo? Dá.

Marcelo          Lógico, eu não esqueço, eu lembro, falando disso, eu lembro, vem na minha cabeça o meu professor falando, Marcelo, você quer ver o que é um hálito urêmico, o que é uma insuficiência renal crônica, cheira o hálito do paciente, cheira a boca do paciente e vê aquele cheiro de ninho de rato, que é o hálito urêmico, aquilo nunca mais saiu da minha cabeça. A história desse professor que era o Gelson Kalil era fantástica porque ele sabia tudo de medicina e eu lembro que ele adorava tomar a cervejinha dele e ele gostava de comer quindim, era um diabético que não se cuidava e ele acabou tendo as duas coxas amputadas, por causa do diabetes e mesmo assim, nós íamos à casa dele e passávamos visita na enfermaria, ele com a cadeira de rodas, amputado, passando e examinando, a gente tinha uma enfermaria de tuberculose, colocava o estetoscópio, escutava, fazia ausculta cardíaca, ausculta pulmonar, está vendo? Isso aqui é um sopro tubário, é um sopro típico de tal problema, isso aqui é… então isso que se perdeu e eu não sei se a gente vai conseguir voltar com isso, porque a tecnologia que você estava dizendo, da importância de a gente ter tecnologia, por outro lado está se perdendo a humanidade, está se perdendo a humanidade de escutar, de tratar, de examinar um paciente e não examinar uma ressonância e não tratar, hoje mesmo, sempre eu canso de ver isso, doutor eu estou com uma hérnia no pescoço e isso está me doendo o pescoço, o senhor não pode ver aqui na ressonância a minha hérnia? Eu falo olha, não trato a hérnia, não trato a imagem, eu trato o paciente, isso é uma coisa que está se perdendo e é muito triste.

Luciano          Vocês falam sobre isso, vocês conversam sobre isso? Não digo assim o teu grupinho no bar, eu digo o seguinte, o grupo de profissionais ao qual você faz parte, está num dos principais hospitais do Brasil, em algum momento fala sobre isso? Isso é assunto recorrente entre vocês ou não?

Marcelo          Com determinado…  porque você tendo uma posição dessa você cria o seu meio de convivência, então os mestres que eu ainda tenho não só na faculdade como pessoas, eu cito uma pessoa que praticamente me adotou, que é o professor José Goldemberg lá do Einstein também, é uma pessoa que me passou isso. Então você se apega a mestres e a pessoas e você acaba ficando e você se distancia de algumas pessoas que não tem essa visão de algumas pessoas que… então no nosso grupo, às vezes eu tenho, que nem hoje, eu estava com um amigo meu, o doutor Marcos Stavale, um neurocirurgião que nós operamos alguns casos em conjunto e a gente trata… existem pacientes que chegam e que não tem às vezes uma condição econômica, não tem como, mas você se sensibiliza e tem que tratar aquele paciente, então o teu meio acaba…. você se afasta das pessoas que não tem essa conduta, que tem uma visão diferente, que tem uma visão tecnológica até os meus assistentes são muito competentes, até falo com o Délio e com o Nelson que são meus assistentes, eles vibram com cirurgias como eu vibrava antigamente, com detalhes, com técnica, com usar o microscópio, endoscopia, mas eu já passo para eles uma coisa que não teve quem me dissesse na época, eu aprendi com essas pessoas. Calma, tudo isso é bom, a tecnologia é ótima, mas é uma porcentagem baixa, o envolvimento com o paciente, ele é fundamental e vale muito mais do que qualquer tecnologia desenvolvida, entendeu? E é uma coisa que infelizmente está crescendo muito, médicos que não examinam, pacientes que não querem ser examinados, que tem horário, chegam no consultório com celular, chegam no consultório com agenda cheia, lotada, então formou-se um pacto, o médico, ótimo, vamos pedir uma ressonância, o paciente ótimo, na ressonância vou ver tudo que eu tenho e já resolve, então eu acho que a sociedade está indo para lado muito preocupante desse aspecto.

Luciano          E eu como paciente tenho que tomar alguns cuidados aí. Eu fui fazer a minha fisioterapia conforme você recomendou, então eu pedi, para você que está me ouvindo aqui, quando eu terminei de fazer a cirurgia, fui fazer meu primeiro exame lá, o doutor olha, vou te fazer a fisioterapia, recomendar e tudo mais e a minha preocupação é que fosse perto da minha casa, porque eu falei não quero ter que cruzar São Paulo para fazer fisioterapia e por uma sorte, aliás essa minha hérnia é uma hérnia de sorte todinha ela, ele me recomendou, sem olhar, foi o primeiro nome, olha, vou te recomendar a fulana. Onde é que fica? Não sei, fica em Moema, é onde eu moro, eu fui ver, fica a uma quadra e doze passos da minha casa e eu fui fazer. É uma fisioterapeuta bastante experiente, de seleção brasileira de basquete, etc e tal e aí o dia que eu sentei para fazer a consulta com ela, ela foi conversar comigo, ela olhou para mim e falou você deu sorte. Eu falei por quê? Você pegou um médico que olha, você não podia ter escolhido um cara melhor. Eu falei por quê? Ela falou você não sabe o que me aparece aqui, aparece paciente aqui com placa enfiada, com parafuso, com coisas que não haveria necessidade de acontecer, mas que acaba acontecendo e você pegou um cara que, no caso é você e aí eu fiquei pensando o seguinte, mas olha a forma como foi, eu dei entrada no hospital e o médico que veio me atender era um que estava saindo, estava lá, não sei como é que te acharam, no celular te chamaram, você voltou, então eu dei uma sorte tremenda, eu como paciente fico absolutamente inseguro, será que eu tenho que depender dessa sorte? Toda vez. O que eu, como paciente deveria fazer numa hora como essa para tentar não depender de sorte, mas ir no cara que… então na minha cabeça, por exemplo, se eu estou no Einstein eu estou em boas mãos porque aqui estão os melhores profissionais e ela fala para mim, calma não é o fato de você estar no Einstein que vai te colocar na mão dos melhores profissionais, mas eu fico inseguro, como é que eu como paciente, o que eu posso fazer?

Marcelo          Mas é um passo já, um bom hospital como o Einstein, como o Hospital Sírio Libanês, esses hospitais, eles tem um controle de qualidade e isso, felizmente, por um lado felizmente, mas por outro é um lado triste, esses hospitais, eles estão sendo obrigados a rever o corpo clínico. Então existe uma monitoração cada vez mais exigente por parte desses hospitais dos médicos que são aceitos para trabalhar dentro, o Einstein evoluiu muito nisso, ele tem uma parceira muito grande com os médicos e eles sabem quem são os médicos que estão. Há pouco tempo isso era mais liberado, mas cada vez é mais vigilante, então o primeiro passo para você ter um bom médico é realmente estar dentro de uma boa estrutura, de um bom hospital e posso citar vários com tranquilidade, seja o Einstein, Sírio Libanês, Oswaldo Cruz, o Hospital São Luis, quer dizer, o risco de você ter…

Luciano          … mas eu sou o Zezinho, eu estou aqui dentro desse busão, uma hora e meia para chegar no meu trabalho e eu trabalho aqui na periferia, eu moro na periferia, trabalho aqui no fim do mundo, eu estou no SUS.

Marcelo          No SUS também é uma coisa interessante, eu acho que os extremos são interessantes, porque existe, eu sou médico, trabalhei no Hospital São Paulo, durante muitos anos eu fui responsável pelo ambulatório de coluna no Hospital São Paulo, então as mesmas cirurgias que eu fazia no Einstein eu fiz no Hospital São Paulo durante muitos anos e com grande qualidade. Pelo SUS, eu cheguei a operar em Hospitais como o Vila Nova Cachoeirinha, onde eu trabalhei também durante alguns anos, fiz cirurgias de hérnia de disco no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, então grandes serviços universitários como Santa Casa de São Paulo, apesar de toda a crise, Hospital São Paulo, a USP, o Hospital das Clínicas, então são hospitais de excelência que vão dar um atendimento, você vai encontrar esses profissionais, esses profissionais que estão no Einstein, no Sírio, estão na USP, estão na Santa Casa, estão no Hospital São Paulo ou na Escola Paulista de Medicina, então eu acho que são os passos e o paciente que está lá na periferia e às vezes não tem como ser tratado, ele pode ser encaminhado para hospitais de referência. A gente tem hoje na zona  leste, hospitais como o Hospital Geral do Tatuapé, Hospital Santa Marcelina tem uma equipe ótima de cirurgiões de coluna, então a gente tem, eu trabalhei durante muito tempo no Hospital Regional Sul, onde eu fiz muitas cirurgias também de ortopedia até durante a minha formação e te dão condições, então existem bons hospitais públicos também. O problema são hospitais que eu diria hospitais pequenos e ás vezes mesmo hospitais ligados a convênios pequenos, esses hospitais podem ser um pouco mais problemáticos, porque eles não têm, às vezes, tanto uma seleção ou interesses tão claros assim, porque hoje é muito importante, dentro da instituição pública ou privada, ter uma boa definição de conflito de interesses. Conflito de interesses é o que rege a humanidade hoje e na área médica mais do que tudo e a gente está caminhando para isso, só que esses hospitais de ponta, seja na área pública ou privada, eles estão mais avançados nessa área e é nessa área justamente que você pode selecionar melhor o profissional que vai cuidar da tua vida, seja público ou privado.

Luciano          Só vai precisar de um estudo ali, não dá para deixar para última hora para resolver como o meu caso, foi no desespero, eu não sabia nem para onde ir, não tinha a quem recorrer, não tinha nem um médico para ligar, me recomenda alguém ai, sexta feira, final de semana.                                   Me fala uma outra coisa aqui que batendo um pouco nessa questão da tecnologia, antigamente você recebia um paciente na tua frente, que você começava a falar o cara ficava de boca aberta, não entendia nada, hoje em dia esse cara tem uma aula na internet e quando ele chega… eu fui assistir cirurgia de hérnia na internet para ver o que aconteceu comigo e vi as imagens da cirurgia, então eu entrei sabendo  que ia acontecer comigo. Como é que é isso para você que é um médico que agora recebe um… era o vendedor de carro antigamente, agora o cara vem já sabe como é que funciona o motor e o vendedor na hora de conversar pegou um cara que já não é mais um nó cego. Isso para vocês é bom ou é ruim?

Marcelo          Na minha opinião é sempre bom, eu gosto, eu acho que é um direito e mais do que direito, é uma obrigação das pessoas se informarem. Eu acho que de todo o que eu acho que eu vejo dos males da tecnologia, de diminuir o contato do ser humano, as pessoas hoje se falam por WhatsApp, ficam mandando mensagenzinha de carinho, beijos pelo WhatsApp sem mesmo ver, não se abraçam,  não se cumprimentam, não tem uma conversa no olho a olho, isso é muito ruim da tecnologia. Agora, o acesso a conhecimento ele é valiosíssimo, eu gosto quando meus pacientes procuram, saibam do procedimento a que vão ser submetidos, conheçam sobre a doença que tem, nós mesmos geramos os conteúdos, seja em termos de publicações acadêmicas ou seja, como aulas para leigos que a gente faz, então é muito valioso, é um direito, é uma obrigação, o paciente às vezes chega envergonhado, pô doutor, desculpa, eu abri o exame e vi lá o laudo, não tem problema, o único problema, que eu peço para o paciente, é ter calma com o que encontra às vezes no laudo e não se assustar. Às vezes o paciente lê um laudo e lê lá protusão de disco, ou doença degenerativa da coluna, e o cara nossa, eu já tenho uma degeneração, então tem que ter o bom senso, acho que o bom senso ele rege tudo, todos os relacionamentos humanos são regidos pelo bom senso, nessa área também, mas para mim eu prefiro, eu gosto quando o paciente tem o conhecimento, ele traz isso para que a gente possa discutir a respeito.

Luciano          Você está formado há quanto tempo? Quanto tempo você está n batente?

Marcelo          Eu me formei na faculdade em 92.

Luciano          92, então nós estamos aí com 24 anos?

Marcelo          24 anos de formado. 93 eu fui para o exército como eu falei, aí eu fiz mais três anos de residência de ortopedia, dois anos de cirurgia de coluna, depois eu fiz meu felow na Europa em oito cidades lá e de lá para cá é uma carreira constante, tanto na área de atendimento como na área acadêmica, que a gente tem toda a carreira acadêmica, mestrado, doutorado, pós doutorado, publicações.

Luciano          Me fala um pouco da saúde no Brasil, recentemente eu revi, fiz questão,  até publiquei no meu Facebook de novo um Roda Viva com o doutor Adib Jatene, que é uma delícia ouvir o Roda Viva porque lá ele faz um diagnóstico da situação brasileira e também revi um outro, que também publiquei, que é com o coordenador, o presidente, o gerente geral, sei lá o que ele é, do Hospital do Coração lá do interior, como é o nome da cidade lá onde tem a festa de peão de boiadeiro?

Marcelo          Hospital do Câncer de Barretos.

Luciano          Exatamente. E ele dá, e é fabulosa a conversa dele ali no Roda Viva é maravilhoso porque ele traz uma visão da excelência na medicina fora dos grandes centro que é um negócio fantástico e o meu amigo Adalberto Piotto que eu também entrevistei aqui, está fazendo um documentário, neste momento, lá em Recife sobre o transplante de rins que o pessoal criou um centro de excelência lá no Recife e ele está contando, mostrando através de um documentário toda essa loucura que foi você criar um centro de excelência fora… porque criar em São Paulo é fácil, levar para essas regiões é difícil ali e todos eles dão um desenho de como é que é a saúde no Brasil, o que é e o que o Adib Jatene batia é o seguinte, a questão não é só dinheiro, precisa de dinheiro, mas não é só dinheiro, é a forma como esse dinheiro é aplicado. Lá no instituto de Barretos também dava uma visão humanística fabulosa lá.  Como é que você enxerga essa situação da saúde no Brasil, fazendo parte de uma categoria que ora é acusada de mercenária, ora é acusada de aproveitador, ora é acusada de que não quer, de má vontade, precisou trazer os cubanos porque nenhum médico quer ir para o interior, ora toma pedrada, ora salva vidas, então é uma coisa maluca, é um milionário, é o médico do Einstein, é o rico que só quer saber de ganhar dinheiro, etc e tal e nós pobres aqui estamos nos ferrando, então tem um quiproquó envolvido nessa questão da saúde onde vira e mexe o médico é colocado como o “do mal”, ele é o elemento do mal nessa equação. Como é que você vê, como é que vocês se incomodam com isso e como é que você vê essa situação?

Marcelo          Eu acho que a gente tem um sistema público de saúde que no papel ele é muito bonito, sistema chamado SUS, o Sistema Universalizado de Atendimento à Saúde, ele é muito bacana, teoricamente ele é um dos mais avançados do mundo, só que o problema maior ele vem lá de cedo, é o que a gente estava falando, o problema é educacional, educacional, das pessoas não terem formação básica e não terem conceitos básicos de tratamento, vem desde que a gente tem que pensar muito no Brasil, uma coisa que não se enxerga é a medicina preventiva. Não adianta você querer ter tratamentos sofisticados se você não tem saneamento básico, se você não tem esgoto, eu estava vendo uma reportagem recente no Brasil falando que a grande falência do Brasil é o sistema de saneamento público, nesses 13 anos isso se agravou, nesses13 anos desse governo que teve, que houve uma promessa, então não adianta a gente querer ter uma medicina sofisticada se não tem saneamento básico, se não tem um controle desses problemas básicos e a partir daí, as pessoas que vão para essa área mais básica são pessoas, às vezes,  preocupadas, são pessoas que estão num pedestal falando, intelectuais que falam e dizem um monte de coisas bonitas, mas que na prática são pouco efetivas. Então eu acho que falta educação, hoje na formação médica, existem… antigamente a gente falava que o Brasil era a Belíndia, se usava muito esse termo de Bélgica e Índia, mas nem isso a gente não é mais, porque a Índia já passou a gente, então a gente está muito abaixo até disso, então o problema, você vê que as pessoas se formam em escolas médicas que não tem condições, às vezes no interior em locais do país e querem vir para São Paulo para fazer especialização, então o médico, ele acaba se formando na especialização porque as faculdades são muito fracas e uma vez que eles fazem especialização em São Paulo acabam ficando em São Paulo ou nos grandes centros do país e para tirar essa pessoa daí é impossível, depois que você deu o que há de melhor para uma pessoa, que ele tem a possibilidade de vir, ele não vai voltar para a floresta, ele não vai voltar para uma cidade do interior de não sei onde. Eu lembro, para você ter ideia, eu fiz o meu doutorado, eu fui estudar, fiz um estudo genético numa doença chamada escoliose idiopática e eu tive que estudar uma família que a origem dessa família era no interior, no sertão da Paraíba, uma cidade chamada São José de Piranhas e eu tive que ir até lá para poder conhecer, pegar as pessoas, colher amostras de sangue, radiografias, então tive contato, uma parte da família estava lá e outra estava lá no Pará, numa cidade chamada Medicilândia, que eu tive que encontrar eles em Altamira, então eu tive contato com, na cidade, a cidade de referência Cajazeiras, perto de Juazeiro do Norte, no Ceará e tinha um hospital enorme lá, eu fiquei fascinado com o hospital, mas era um elefante branco, não tinha médico, não tinha estrutura, quer dizer, enquanto a gente tem essa ideia de que o importante é material, não, nós construímos tantos hospitais, tantas unidades de saúde, ou agora se vê na eleição a proposta dos candidatos, até o que foi eleito, vou contratar seiscentos médicos, vou contratar mil médicos. As pessoas precisam entender que não adianta contratar o médico, a proposta atual, não, vou contratar seiscentos médicos recém formados para irem trabalhar nas periferias, o médico que vai trabalhar na periferia, ele não  pode ser um recém formado, ele tem que ser um médico qualificado e que vai resolver as coisas…

Luciano          Até porque ele vai estar numa situação onde ele tem que improvisar e você tem que saber como.

Marcelo          … não é improvisar, 90% das coisas que a gente pega são coisas que podem ser resolvidas com medidas simples de conhecimento, então se você pega um médico experiente e contrata ele, paga ele de uma forma digna, o médico é remunerado, remunerado pelo conhecimento que ele tem,  ele vai exercer a medicina e não precisa grandes, não precisa um centro como o Einstein na periferia para você fazer cirurgias extremamente sofisticadas, essas exceções podem ser distribuídas, eu acho que tem que ter uma parceria entre o setor público e privado, o Einstein tem trabalhado muito nisso, tanto que o Einstein agora encampou hospitais públicos como o Hospital do M’Boi Mirim, Moysés Deutsch, agora está com uma parceria com a prefeitura no Hospital Santa Catarina, que era o antigo Santa Marina.

Luciano          O que é encampar um hospital?

Marcelo          É fazer parcerias de tal forma que os médicos dessa estrutura privada trabalhem na estrutura pública e possam também dar esse atendimento para o serviço público e serem remunerados por isso, então eu vejo na obrigação, ainda mais na área de saúde dessa participação, porque muitas entidades tem o nome de hospital filantrópico, hospital beneficente, hospital, santa casa e às vezes não tem essa contrapartida. O Einstein buscou esse caminho com o Hospital M’Boi Mirim que é hospital público, é um hospital da prefeitura e que os médicos do Einstein dão atendimento lá e desenvolve, tem programa de residência médica, assim como o Hospital Santa Catarina, também da prefeitura, como tem um posto de atendimento em Paraisópolis que é pelo Einstein, então eu acredito nessas parcerias   e não precisa ser só na região, então eu acho que essa mistura e o tratamento do público com o privado é importante. Mas, por outro lado, voltando no médico, o médico tem sido forçado a ter uma formação de especialista, o médico então ele tem que ter esse conhecimento básico para que ele tenha ferramentas, as ferramentas de conhecimento para poder atender casos, os casos mais simples, casos básicos nas periferias, nos rincões do país, só que você tem que desenvolver, o médico, ele precisa ter infraestrutura na cidade de onde ele vem, não é ter uma faculdade de medicina, mas ter uma  escola básica, ele tem que ter uma escola básica e nessa escola básica já interagir, já poder examinar as crianças, essas crianças tem que ter uma alimentação adequada, então eu acho que o problema está lá embaixo, lá embaixo na coisa básica, no início da cadeia e de repente vem  um governo que quer impor mais médicos, que quer impor tantos aparelhos não, nós construímos tantos hospitais, não é esse o problema, eu vejo, sou professor na Escola Paulista e atualmente dou aula para o sexto ano, poxa, eu vejo meus pacientes que eu atendo com os meus alunos do sexto ano, eles ficam, o aluno chega para mim, professor, vamos discutir essa ressonância? Eu falo não, deixa a ressonância de lado, vamos ver o paciente e o índice de exames que eu tenho eu pedir é muito baixo, então se nós tivéssemos médicos treinados, o que trava o sistema de saúde, você vai pedir uma ressonância no setor público, às vezes o paciente tem uma fila de seis meses, um ano, nessa quantidade…

Luciano          Enquanto isso não acontece ele está parado.

Marcelo          …está parado e a quantidade desses exames realmente, eu acredito que mais de 50% não precisavam ser feitas, um exame e uma consulta bem feita, uma orientação, ensinar o paciente a fazer um alongamento, ensinar o paciente a forma de levantar da cama, resolveria o problema, mas o médico não tem esse tempo, seja porque ele ganha pouco no setor público ou seja  porque ele é ligado a um convênio médico que vai pagar trinta, quarenta reais para atender um paciente, ele tem que atender vinte pacientes em quatro horas, ganhando isso, então é mais fácil ele ficar requisitando exames do que conversar, escutar. Quantos e quantos pacientes não chegam no meu consultório e falam puxa vida doutor, só de o senhor me escutar já estou me sentindo melhor, a minha dor no pescoço já está mais tranquila, quer dizer, a pessoa tem uma dor tensional, tem uma contratura muscular, vai no consultório, vai no serviço público e pedem uma ressonância magnética do pescoço quando uma conversa de meia hora já orientaria. Não, faz uma compressa quente, passa a ter uma atividade física, então falta esse bom senso da saúde básica, da instrução básica, da educação e isso gera todo o nosso problema, então nós não precisamos de mil médicos, seiscentos, nós precisamos do número certo de médicos que tenham a capacidade, tempo, disposição e condições para dar o atendimento básico.

Luciano          É impressionante, toda vez que eu falo sobre os grandes problemas estruturais do Brasil, cai lá na educação básica, cai lá embaixo onde tem uma responsabilidade gigantesca do paciente, do próprio paciente, quer dizer, essa história de a gente se colocar como vítima, pobres pacientes, são as vítimas, há uma iniciativa que podia começar nas próprias regiões, quer dizer, nas cidades pequenas, como é que eu atraio um médico para uma cidade pequena? Eu conversei com vários, eu fiz aí umas viagens pelo interior do Brasil, aliás, eu faço todo ano, eu viajo para cada lado, é uma loucura e cidades muito pequenas e o cara me falava dizendo o seguinte, o médico não quer vir para cá porque primeiro, eu tirei de um lugar, dependendo da idade dele, ele tem mulher e filhos e aqui eu não vou ter escola que o filho dele tem lá, então ele não quer vir para cá. Segundo, ele chega aqui não tem o tomógrafo, não tem a estrutura que ele tinha lá, então ele vai ter que improvisar ou se virar com o que tem aqui à disposição, então muito pouca gente quer vir porque não há estrutura, o cara não tem gaze, sabe aquela história dos buracos saindo água, você tampa um aparece outro? Dá impressão que não tem fim, que esse processo não tem fim. Uma vez eu fui num evento que a Viviane Senna estava lá apresentando o processo lá, o projeto da Fundação Senna, que é de educação e ela mostrou um projeto que elas fizeram, escolheram um estado pequeno no Brasil, não me lembro se foi Rio Grande do Norte, algum estado lá, que elas fecharam o estado e implementaram naquele estado um projeto delas de educação que foi um negócio maravilhoso, lindo, aconteceu tudo, foi muito legal e ela fala o seguinte, qual é o problema disso aqui tudo? O Brasil não consegue combinar qualidade com quantidade, a gente consegue fazer coisas que são ilhas de excelência maravilhosas num lugar e a hora de ampliar isso aí para dar escalabilidade, perde-se tudo porque nós não conseguimos combinar qualidade com quantidade e aí entra no meio do caminho o interesse econômico, tudo o que você já conhece e a impressão que dá ouvindo você falar é que não tem fim, não tem fim porque…  devia ter começado há trinta anos a arrumar essa situação para poder estar tendo resultados agora. Sei lá onde é que isso vai chegar.

Marcelo          E vai, o problema é interessante, porque eu falo, você está no meio dos teus amigos, não porque Dilma, Lula, Serra, Aécio, na  verdade isso muda muito pouco, nós podemos influir muito pouco nisso, tudo bem o que o voto é democrático, tem que votar, mas o problema somos nós, isso que as pessoas não entendem, o problema é o cara que pegar e joga um lixo no chão, o problema é o cara que está ao seu lado e o cara vai num protesto contra a Dilma, mas é o mesmo cara que está passando, que não tem respeito a uma faixa de segurança, é o mesmo cara que te  dá uma fechada no trânsito sem dar uma seta, o mesmo cara que está metendo o pau em Dilma, Lula ou Aécio é o mesmo cara que não está nem aí para o cara do lado, é o cara que pode cortar uma fila, é o cara que quer ter uma vantagem. Vou te dar um exemplo, uma coisa, até um desabafo para você, pô as pessoas às vezes tem uma cirurgia, nós operamos, restituímos, a pessoa está apta a voltar ao trabalho e está bem, voltou à vida normal, mas existe uma brechinha. Se o doutor der um relatoriozinho dizendo que ele pode, por causa daquela cirurgia, ter uma isenção de imposto para ter um carro automático, então as pessoas vão nessa brecha e querem, aí vem aquela história da vantagem, de tirar uma vantagem do outro e isso não é uma coisa de Dilma, Lula, não é uma coisa sabe, é uma coisa…

Luciano          É em geral.

Marcelo          … é uma coisa geral, uma coisa do ser humano, uma coisa de querer tirar vantagem, de querer ter uma coisa.

Luciano          E que no fim dá impacto em todos os segmentos, atividades, se nós estivéssemos discutindo aqui cartório, projetos de engenharia, a bicicleta, que caiu no Rio de Janeiro lá com a onda que bateu, a ciclovia, qualquer tema que trouxer aqui no fim vai acabar nessa mesma história, tem uma responsabilidade na ponta lá que a gente não consegue resolver. Bom, vamos caminhar aqui para os nossos finalmentes, eu quero saber o seguinte, você falou que é professor e está dando aula para uma molecada aí. Como é que é que você está vendo essa molecada nova, essa geração nova que está chegando aí, como é que ela vem? Ela vem diferente, pior, melhor, igual ao que era na tua época? Quer dizer, quando você se vê com a idade deles e compara as duas coisas, eu sei que são épocas diferentes e tudo mais, mas te preocupa essa geração que está vindo aí ou você está tranquilo com ela? Como é que é?

Marcelo          Não estou tranquilo, estou muito preocupado, eu acho que as pessoas estão querendo ir para uma linha tecnológica, estão esquecendo efetivamente do que é o paciente, do que é a medicina, do que aqueles princípios que eu falei do mestre, de saber o básico, de saber propedêutica, de escutar o ser humano e me preocupa demais o conhecimento está muito baixo, uma coisa crítica que eu vou falar, eu tenho muito medo de falar algumas coisas hoje porque infelizmente a gente está vivendo um tempo em que é bonito ser politicamente correto, então você tem que tomar cuidado com determinados assuntos, porque você pode ser mal interpretado, às vezes você vê, você está dando aula, de repente você olha num canto da classe você vê pessoas às vezes, os alunos, com manifestações, fazendo coisas que não sejam ligadas à aula e você tem medo de repreender porque você pode ser acusado, você  pode ser acusado de  estar discriminando ou fazendo coisas, então às vezes você vê pessoas, atitudes, por exemplo, uma coisa que me preocupa às vezes com esse negócio de cotas, eu acho que isso é uma coisa que me preocupa demais porque isso na minha verdade eu teria vergonha de ser um favorecido por cota, porque acho que esse é o verdadeiro racismo que existe, eu lembro de antepassados campos de concentração que eles tinham cotas de comida, tinham cotas de roupa, de cobertor, porque o problema não é esse, uma coisa que me preocupa é você querer colocar pessoa direto no local sem ter aquela formação básica, a gente precisa dar o acesso lá embaixo, a gente precisa dar condições para que a pessoa possa competir lá na frente, não colocar o cara de paraquedas lá na frente, eu acredito que sim, existe, nós temos uma contrapartida, uma justiça social de… nós temos um débito, pessoas que sofreram até historicamente em termos de crescimento do país, mas não adianta querer, de uma hora para a outra, tomar uma atitude e colocar eles lá na frente se a gente não está dando o básico, então isso acaba gerando mais problemas, você acaba formando, você acaba tendo retardos de centro de excelência não conseguindo formar, você tem que acabar perdendo tempos, então estou muito preocupado com a formação, eu  tenho muita preocupação com pessoas que falam demais mas agem muito pouco e que não estão nesse meio, é muito bonito ter um discurso bonito, porque isso dá voto, isso torna as pessoas politicamente corretas, mais acessíveis, mas não é a verdade, não é a verdade, a gente perde qualidade. Então tem lugares em que você tem que ter qualidade, você tem que dar condições para que a pessoa possa competir lá na frente, entendeu? Eu acho que nós temos uma sociedade injusta, mas nós temos que tomar cuidado para não tornar essa injustiça mais comprometedora. Eu acho que uma grande coisa que eu vejo em países europeus, principalmente Alemanha, eu estava ouvindo isso no rádio hoje, formações técnicas, por que você tem que dar cota? Por que você tem que colocar, fazer programas de incentivo de acesso à universidade; será que só existe esse caminho da universidade? Será que profissões técnicas não têm o seu valor? Será que não tem o seu caminho? Será que não existem coisas… Eu estava ouvindo até o Max Gehringer que você fez entrevista, ele falando ontem na CBN sobre a história do funileiro que fez uma pergunta para ele, ele falou poxa, mas eu vi um cara de paletó e gravata que veio aqui, o cara trabalha numa corporação, mas a hora que eu comecei a  conversar com ele eu descobri que eu ganho mais do que ele e o Max Gheringuer, ele respondeu com muita sabedoria,  você ganha mais do que ele porque você tem uma profissão, ele tem um cargo, então eu acho que o caminho  é esse, oferecer, a pessoa vai fazer, não, vou ser médico, meu pai quer, vai ser bonito para a  minha família ser médico, mas será que ele está feliz com isso? Será que se ele fosse um técnico em uma determinada área ele não seria mais feliz dentro disso?  Será que as pessoas que se dão uma cota para ir para uma universidade, se ele fizesse um curso técnico, tivesse uma formação melhor, ele não estaria feliz em vez de cair de paraquedas às vezes numa situação em que ele não tem a base para seguir?

Luciano          Eu publiquei recentemente no Café Brasil um comentário de uma ouvinte que ela dizia que o sonho dela era fazer medicina e que ela sabia que ela não ia ter a menor chance de fazer medicina ou por causa de grana ou por capacidade de passar nos exames todos e ela botou na cabeça que ia ser enfermeira, se formou uma enfermeira e aquilo, aliás, e depois ela esta atuando como enfermeira ela teve condições de pagar faculdade e ela entrou na universidade e dizendo que foi um choque aquilo, ela falou foi um choque, não era nada daquilo que eu pensava que seria e que eu imaginava que seria uma faculdade, não é nada daquilo que eu imaginava, eu estou muito mais feliz aqui como enfermeira cuidando dos meus doentes, lavando doente, trocando a fralda, quer dizer, ela encontrou a profissão e o propósito dela salvando vida, como salva um médico, do jeito que salva um médico. Aliás eu diria até que, outro dia eu estava até pensando nisso, falando passa o doutor, passa o doutor na enfermaria, pô o doutor, terminou da passar o doutor, quem é que vem? E aconteceu comigo e antes de mim, minha esposa estava internada lá, então as meninas que entram pra conversar com a gente, a forma do tratamento, cada um que entra ali para bater um papo, cada sorriso que você vê, cada jeitinho que você é tratado lá compõe o processo, então o médico é só um elemento que passa uma vez por dia, alo tudo bem? Tá legal?  Quando ele vai embora, eu estou sozinho no quarto, na mão desses outros profissionais e você vê no olho das meninas, aquelas que estão lá por tesão de estar ali, fazem questão, está tudo bem? Que legal. Minha esposa ficou internada quase quinze dias, na hora de sair vem a menina, abraça com lágrima no olho porque ela está indo embora porque elas desenvolveram uma amizade ali entre elas, do tratamento da menina com ela que você fala isso está muito além do que que ser enfermeira, ela  é enfermeira mas ela gosta do que faz e está fazendo com brilho no olho e para mim que sou paciente isso faz toda a diferença do mundo, acho que isso é um pouco do que você está dizendo aí, que se perde nesse processo todo maluco de deixa eu te atender em quinze minutos, vai embora, senta lá e espera e essa desumanização aí que toma conta. É meu caro, estamos aí, me incomoda muito estar conversando isso com você e saber que você é do Einstein, que eu sou um cara que consigo ir no Einstein, posso pagar o Einstein e que muita gente que está ouvindo a gente aqui não vai nunca chegar nem no estacionamento do Einstein, que está lá na outra ponta vivendo a realidade de uma sociedade aí que ela não tem o acesso que nós temos, não tem a condição que nós temos, então me incomoda muito esse tipo de coisa, mas eu também sei que eu pouco posso fazer a respeito a não ser conversar um pouco e incentivar as pessoas que possam discutir esse assunto e mais ainda, a moçada que está nos ouvindo aqui que tem como sonho fazer medicina, na hora que for entrar numa faculdade falar pô, teve um cara que foi lá no Líder Cast e falou para mim um negócio que eu não fazia ideia que era além do desenvolver a minha capacidade técnica tem um outro lado que é esse lado do humano. Para mim o nosso papo aqui, eu vou deixar guardado para mim para o resto da vida o “cheira o hálito”, entendeu? Essa coisa, cheira o hálito, o simbolismo que tem nesse negócio todo é fantástico, quem é que quer cheirar o hálito de alguém hoje em dia? Meu amigo, quem quiser lhe… você tem um blog, você tem um lugar que você escreve, seja de acesso de um ser humano normal, comum, que não seja um outro médico que vai aqueles trabalhos científicos, tem algum lugar que você dá algumas dicas, que você…

Marcelo          Não, eu sou uma pessoa muito reservada, eu gosto, eu acabei aprendendo a duras penas na vida que eu prefiro ser mais reservado. Eu era uma pessoa que corria muito, me preocupava muito em aparecer e divulgar, mas hoje eu sou uma pessoa muito mais reservada, eu sou mais uma pessoa introspectiva e eu trabalho na Escola Paulista de Medicina, trabalho no Einstein, mas eu procurei me poupar de uma super exposição assim, eu gosto de lidar com as pessoas, gosto no meu consultório de ter uma coisa mais olho no olho sabe e é isso que eu gosto, eventualmente a gente tem assessoria de imprensa no Einstein que manda a gente ou leva a gente a dar palestras em alguns lugares, como eu falei, na CBN a gente já falou, mas eu não tenho blog, eu tenho o meu e-mail, tenho meu consultório, tenho esses locais, locais que eu fico.

Luciano          Começa a pensar nisso viu, o blog é excelente porque você não aparece, você fica guardadinho ali, você não vai ser aquela figura, mas você tem um volume de conhecimento importante aí que precisa ser passado para a frente de alguma forma e eu me vejo com a seguinte preocupação, como é que se traduz esse conhecimento científico que você tem para a gente que não é do ramo, que precisa saber dessas coisas e não tem acesso, então tem muita gente fazendo hoje em dia aí. Eu fiz uma entrevista aqui com um editor, com o Cássio, da Reino Editorial e ele terminou a entrevista dele falando assim, um dos maiores tesouros da humanidade estão no cemitério, é o livro que não foi escrito, é o blog que não foi editado, é a palestra que não foi dada, o filme que não foi feito, pensa nisso, sabe, de você tentar de alguma forma traduzir, se for em forma de blog é legal porque você não precisa ter nenhum compromisso profundo a não ser pegar o seu conhecimento e começar a colocar como seus insights, pequenos insights que eu tenho aqui naquilo que eu faço e coisas que eu aprendi ao longo do tempo, se eu não for ler você como um paciente, talvez uma molecada que vai estudar medicina possa ler como, olha tem um caminho, tem um cara me dando uma luz aqui para coisas que eu não tinha prestado atenção. Legal, muito obrigado pela visita viu…

Marcelo          Foi um prazer.

Luciano          Valeu o papo, muito obrigado por ter salvo, acabado com a minha hérnia de disco, eu estou muito bem na velocidade de recuperação, está bem legal, em breve aí eu vou estar voltando para 100% da atividade.

Marcelo          Se Deus quiser. Muito obrigado, eu que agradeço a oportunidade desse bate papo, eu acho que a verdadeira mudança que a gente vai ter no país, eu sou muito crédulo, eu tenho orgulho de ser brasileiro, uma das coisas que até critico, que as pessoas vão atrás de passaportes, italiano, polonês,  europeu, eu não quero, eu quero ter um passaporte brasileiro, eu sou brasileiro eu amo meu país, eu não quero ter uma segunda pátria e a forma que nós vamos encontrar de mudar o país não é só com voto, mas é com essas conversas, é eu conversando com você,  com o outro e unindo pessoas com conhecimento para que a gente possa mudar, são essas pequenas conversas, pequenos atos que mudam e não é em passeata com milhões de pessoas gritar fora isso, fora aquilo, mas construir e não destruir, então acho que essas conversas, essa oportunidade que eu estou tendo, eu estava ansioso para poder conversar justamente esses aspectos com você porque é por meio desse conhecimento e dessas conversas que a gente vai mudar o país, com esses conceitos.

Luciano          Sem dúvida. Muito obrigado.

Transcrição: Mari Camargo