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Ciça Camargo -

Luciano             Mais um LíderCast. Esse aqui é daqueles que eu tenho que fazer uma explicação na abertura, isso aqui tem a ver com conexões. Um belo dia eu crio um podcast, as pessoas começam a ouvir o podcast, aí lá pela frente esse pessoal começa a entrar em contato, eu acho que aquela coisa pode evoluir, crio depois um conceito da Confraria, as pessoas começam a assinar a Confraria, a partir da Confraria cria-se um grupo no Telegram, as pessoas entram no grupo, começam a conversar pelo grupo e de repente começa a haver uma série de conexões ali. O que está acontecendo aqui hoje é o resultado de uma conexão dessa que tem a ver com encontro de pessoas que vivem muito longe, uma das outras, mas que acabam conhecendo o trabalho um do outro e por fim dá no que vocês vão ouvir no programa de hoje. Aquelas três perguntinhas que você já conhece, que são as básicas, eu quero saber nome, idade e o que é que faz.

Marcelo             Meu nome é Marcelo Barbisan, eu sou médico, pecuarista também, pai do João Marcelo de 2 anos e um pouco empreendedor também.

Luciano             Idade?

Marcelo             31 anos.

Luciano             Muito bem.

Evelyn               Eu sou a Evelyn Barbisan, sou dentista, tenho 38 anos, mãe do João Marcelo e do João Guilherme, que está para chegar.

Luciano             Pai e mãe e o João Guilherme está aí. Estão chegando de onde?

Evelyn               De Moçambique.

Luciano             Moçambique. Olha lá. Vocês moram onde?

Evelyn               Em Ji Paraná, Rondônia.

Luciano             Ji Paraná. Você que está ouvindo aí a gente, se você não estiver pertinho deles, você não tem a menor ideia de onde fica, mas é longe, fica lá em Rondônia, a segunda maior cidade do estado e é uma cidade que é aquelas coisas que a gente só encontra aqui no Brasil, uma cidade que parece que é… ela é fundada no fim do mundo, aliás depende do ponto de vista, porque para quem está aqui, para quem está lá o fim do mundo é aqui, mas que é formada basicamente por gente que vem de outros lugares do Brasil, o pessoal vai para lá, então tem os gaúchos, deve ter paranaense, deve ter gente do Brasil inteirinho ali e forma uma cidade que nasce de um jeito diferente, é aquela coisa dos pioneiros modernos, não é aquela coisa antiga que… de como nasceu o Brasil, mas é gente que já chega com tecnologia, chega para fazer acontecer e a cidade se expande e hoje é um grande polo econômico na região, eu confesso que eu não fui ainda, ou fui? Se eu não fui eu vou chegar lá uma hora dessa. Vamos contar a história? Já vou direto no assunto. Como é que aconteceu tudo? Me fala como foi o primeiro contato?

Marcelo             Bom, vamos lá. Há dois anos mais ou menos, pouco mais de dois anos comecei a escutar o Café Brasil e o LíderCast, etc. e tal, por indicação de alguns amigos, do meu primo, eu já conheci e alguns podcasts de música, alguma coisa assim e aí ele falou tem o do Café Brasil, do Luciano. Eu comecei a ouvir, dentre essas histórias todas, escutei o LìderCast do pastor Rony, do pastor Rony Clayton, contou toda a história dele, que ia fazer esse trabalho na África, em Moçambique e pouco tempo depois houve aquele acidente do avião da Chapecoense e o Márcio, doutor Márcio, que é o médico da Chapecoense foi meu amigo de turma, meu colega de faculdade e eu parei…

Luciano             Morreu no acidente…

Marcelo             …morreu no acidente e eu parei para analisar e fiquei pensando, refletindo, mais que nós estamos lá no interior de Rondônia, eu sou médico mastologista, trabalho diretamente com câncer de mama, a gente ajuda muita gente, tenta ajudar, porque infelizmente e também tem pessoas que não tem condições aqui no Brasil proporcionalmente é infinitamente menor, não tenho noção de como é lá, mas isso me fez refletir, me deu esse insight quero ir para Moçambique quero ir, quero conhecer, quero ver outra realidade e aquilo, a memória de tudo aquilo que o pastor Rony ficou lá na minha cabeça e me deu esse insight, entrei em contato com ele pelo próprio grupo do Telegram mesmo, ali no Telegram, entrei pelo aplicativo, entrei em contato, ele falou se você quiser mesmo ir, foi em dezembro isso, é material que vale ouro em Moçambique…

Luciano             O médico…

Marcelo             … o médico e falei da Evelyn, a minha esposa, ele falou é um casal que vale ouro, é um prazer, seria uma honra tê-los na nossa equipe e aí foi assim que começou tudo.

Luciano             Deve ter muita gente ouvindo aqui que talvez não tenha ouvido o Rony ainda, mas basicamente o Rony Clayton é um pastor batista que tem a sua congregação ali na cidade de Cerquilho, interior de São Paulo e ele, de quando em quando vai para a África, não só Moçambique, mas alguns lugares da  África e faz um trabalho ali social, de visitar as pessoas carentes, visitar as regiões que precisam de ajuda lá, não é só ele, tem uma  série de pastores que vão para lá, então é um trabalho muito grande, tem muitos brasileiros lá, inclusive vivendo lá na região e ele, de quando em quando, vai para lá e ele desenvolve um trabalho interessante. Ele leva com ele o Palhaço Presuntinho, que ele é o personagem que ele faz, ele bota a roupa de palhaço e vai lá e encanta aquela garotada toda e ele contou isso no LíderCast, ele contou como é que ele faz esse trabalho dele, aquilo foi para o ar e começou a inspirar algumas pessoas por aí, uma delas foi o Marcelo. E ele entrou em contato e aí um belo dia a Evelyn está lá em casa, cuidando das crianças, o Marcelo chega para ela e fala assim, tenho uma ideia, como é que foi?

Evelyn               Bem isso, ele chegou, amor vamos para a África? Hã? Vamos para a África? Ah vamos, ah ta bom. Deixei passar…

Luciano             Esse doido vem com essas ideias dele.

Evelyn               … veio com essa ideia maluca, eu digo está bom, até então não estava acreditando ainda, até a hora que ele comprou passagem, a gente vai mesmo? A gente nunca deixou o João Marcelo, eu estou grávida, acabei de descobrir que eu estou grávida, na verdade eu ainda nem sabia que estava grávida quando compramos a passagem e aí, ah tá bom, vamos, logo depois, acho que umas duas semanas depois, a gente descobriu que a gente estava esperando mais um bebê e aí eu meio que me apavorei, como que eu vou para a África grávida? Aí cheguei para a minha médica e ela disse não, seus exames estão todos ok, eu acho que você só tem que ter cuidado, tomar todas as pré condições, usar bastante repelente, roupa de manga comprida e tudo, eu digo então vamos, chegou na hora de embarcar eu digo a gente está indo mesmo, né? Ainda não estava acreditando.

Luciano             Então, mas foi uma coisa assim que pegou vocês como marinheiros de primeira viagem, você tem um background pesado, me conta a história aí, você vinha do exército. Como é que é essa história?

Evelyn               Eu servi 8 anos o exército…

Luciano             Aonde?

Evelyn               … no Acre, fronteira, batalhão de infantaria, que ele fica. Como é fronteira com Bolívia, então eu servi no batalhão de infantaria, no quarto bis e servi oito anos lá, participei de várias missões assim, atendi muito ribeirinho, vi situações bem parecidas até, que era bem chocante, então eu tenho uma bagagem já grande, para mim já foi…

Luciano             Você serviu lá como dentista?

Evelyn               … como dentista…

Luciano             Você chegou até que patente lá?

Evelyn               … primeiro tenente…

Luciano             Você é primeiro tenente? Uma primeiro tenente, servindo como dentista no interiorzão do Brasil.

Evelyn               … pois é…

Luciano             Quanto tempo você fez isso?

Evelyn               … oito anos.

Luciano             Meu, ela tem mais experiência que você.

Marcelo             Com certeza.

Evelyn               Eu servi em Rio Branco um mês, mas participei de várias missões, fui para Santa Rosa do Purus, que esse é um município do Acre que na época que eu servi, só chegava de avião bimotor, e não tinha pista, a pista era de chão, ou barco na época de chuva, de inverno que o rio estava cheio e passava o barco.

Luciano             Que idade você tinha nesse período?

Evelyn               Uns 25 anos, mais ou menos, 26.

Luciano             Mas você ficou quanto tempo? 8 anos.

Evelyn               8 anos.

Luciano             Então não é 25 mais 8? Não. Você entrou no exército com que idade?

Evelyn               Uns 26 anos, por aí.

Luciano             Não era uma menininha de 17 anos que falou vou começar a entrar…. você já entrou consciente não é?

Evelyn               Consciente, assim, eu aprendi muita coisa, já comecei no estágio de adaptação na selva.

Luciano             Então, mas o que te leva para o exército? É uma escolha…

Evelyn               Eu tive vários professores na faculdade que eram do exército, então sei lá, eu vi aquela farda ali, digo gente, acho que vou vestir um dia essa farda e ficava e aí um dia eu fiz um concurso e passei e aí fui ficando, fui ficando até que nos conhecemos, aí casamos, fomos embora para BH.

Luciano             E você tirou ela do exército.

Evelyn               A verdade é que tinha acabado o tempo, acabou bem na época.

Marcelo             A nossa história, na realidade, começa no Acre, a Evelyn é acreana, a Evelyn é de Rio Branco, do Acre e eu fui para Rio Branco quando eu passei no vestibular na universidade federal, então eu fui para o Acre para fazer medicina…

Luciano             Você veio de onde?

Marcelo             …  eu vinha do sul, minha família, é assim, eu saí com 14 anos de casa para estudar fora, meu pai falou, você quer ser médico? Aqui em Rondônia não tem estudo de qualidade, então…

Luciano             Você nasceu em Rondônia?

Marcelo             … nasci em Ji Paraná…

Luciano             … você nasceu em  Ji Paraná.

Marcelo             … meu pai está em Ji Paraná desde 82…

Luciano             E seu pai tem origem de onde?

Marcelo             … do Paraná, meu pai é paranaense, do sul.

Luciano             E seu pai então é daquela leva de paranaense que foi abrir o sertão no peito, nos anos 70 deve ser.

Marcelo             É, ele foi em 82.

Luciano             82.

Marcelo             Início da década de 80 e é médico também…

Luciano             Escuta, Ji Paraná, década de 80, eu imagino que era aquele lugar que você tinha que tomar cuidado a noite porque tem onça andando ali. Na época tinha, tinha mesmo, que era desbravar mesmo aquele sertão brasileiro, não é?

Marcelo             É verdade, essa época era a época que estava começando, foi a época que realmente houve uma colonização de Rondônia e o interior, principalmente houveram (sic) muitas pessoas do sul que foram para lá, no final da década de 70, quem primeiro foi, foram dois tios meus e meu avô e meu pai, nessa época, estava na faculdade, meu pai fez faculdade em Pelotas, no Rio Grande do Sul e ouviram aquelas histórias todas, terminou a faculdade pegou um avião, foi conhecer, voltou para o sul, casou, pegou um avião de volta para Rondônia e falou, lá é meu lugar.

Luciano             Com mulher nova.

Marcelo             Com a mulher nova, com diploma novo, com tudo novo.

Luciano             Isso é admirável. Ele era médico?

Marcelo             Ele era médico recém-formado.

Luciano             foi ser médico em Ji Paraná.

Marcelo             É e estava abrindo tudo e minha mãe era funcionária do Banco do Brasil em Maringá, no Paraná, falou ah, eu quero transferência para Rondônia, para Ji Paraná, opa, é você mesmo que nós precisamos, então eles foram com uma garantia, que minha mãe ia ter emprego, na época funcionária do banco do Brasil e meu pai não tinha nada, tinha um diploma debaixo do braço e uma vontade de empreender, de desbravar e tudo e foi embora.

Luciano             É admirável isso. E a Evelyn? Pais e mães?

Evelyn               De Rio Branco mesmo.

Luciano             De Rio Branco? O que eles faziam lá?

Evelyn               Minha mãe, é uma história longa, minha mãe é do interior do Acre, foi para Rio Branco, fez pedagogia e depois quando ela separou, foi e fez direito…

Marcelo             Vamos fazer uma parada aí, já que é para gravar, a Evelyn precisa contar a história verdadeira, na verdade a Evelyn teve pouco contato com o pai biológico dela, o pai biológico separou da mãe dela, ela era muito nova…

Evelyn               Eu tinha 1 ano e 8 meses.

Marcelo             …  e quem a criou foi o padrasto, seu Rivaldo, que era juiz, que já é falecido também, ele faleceu depois que nós já havíamos conhecido e tem toda uma história aí, conta aí.

Evelyn               Então, quando minha mãe separou, eu tinha um ano e oito meses e depois disso eu não tive mais contato com meu pai biológico…

Luciano             Isso no interior.

Evelyn               … em Rio Branco…

Luciano             Isso já em Rio Branco.

Evelyn               … já em Rio Branco, no Acre e aí minha mãe casou de novo, eu tinha seis anos, cinco anos e pouquinho, quase seis anos e ela tinha três filhos, eu, mais dois irmãos mais velhos e aí porque ela separou, ela viu minha tia estudando para fazer faculdade de direito e ela disse vou fazer também e passou também na universidade federal, as duas se formaram e ela passou para defensoria pública, só que aí acabou que ela não assumiu, porque ela já estava casada com o Rivaldo, na mesma época o Rivaldo passou para juiz e aí ela ficou só no outro emprego que ela já era procuradora da universidade federal, trabalhava lá.

Luciano             Que história, que mãe.

Evelyn               Pois é, e o Rivaldo que me criou e que eu tenho o afeto mesmo, era uma pessoa assim admirável assim, eu só tenho a agradecer, não é amor?

Marcelo             E assim, o Rivaldo, quando casou com a mãe dela, já tinha três filhos…

Evelyn               É, ele era viúvo.

Marcelo             … ele era viúvo, então juntou uma turma…

Luciano             Seis.

Evelyn               Seis filhos.

Marcelo             … juntaram 6 filhos…

Evelyn               Só que eles não estavam satisfeitos, porque eles queriam um filho deles.

Marcelo             E ainda tiveram mais um.

Evelyn               Tiveram mais um…

Luciano             Que legal.

Evelyn               …  que foi o Igor, é meu irmão hoje mais novo que tem 25 anos.

Luciano             Que legal.

Marcelo             E na realidade assim, na história muito bonita, o Rivaldo é uma pessoa que era muito querida, muito conhecida no Acre, era jornalista daqueles antigos que escreviam artigos, publicava crônicas nos jornais, um pouco antes de ele falecer, ele faleceu diabético, aposentado como juiz, com bastante complicação, inclusive faleceu na ADP aqui em São Paulo e ele era um cara fantástico, uma das pessoas que eu conheci na vida e que tinha uma experiência de vida, uma visão, foi juiz da infância e da juventude, tinha uma visão nesses problemas com crianças e com adolescente que foi uma coisa muito linda assim, quem conhece a história dele lá no Acre sabe do que a gente está falando, são pessoas de muito exemplo. E a Evelyn até hoje, pessoalmente, tem pouquíssimo contato com o pai…

Evelyn               Nunca tive.

Marcelo             … é, o último contato  que ela teve foi através do Facetime com o pai que o irmão dela estava lá no Rio de Janeiro, ele mora no Rio de Janeiro hoje, em Macaé e o contato é pelo Facebook

Evelyn               Foi a primeira vez que eu vi, foi através do Facetime que meu irmão estava no carnaval no Rio e me ligou e aí: você vai falar?

Luciano             Evelyn, olha quem está aqui.

Evelyn               É estranho porque é uma pessoa estranha, o Marcelo fala ah, é raiva, não, eu não tenho raiva, mas é uma pessoa como se eu olhasse qualquer outra pessoa assim na minha frente, eu sou seu pai. Tá bom.

Marcelo             Foi um trabalho de encorajamento bem difícil, a gente tem trabalhado bastante isso e se Deus quiser, a próxima vez que nós formos no Rio…

Evelyn               É, eu vou lá, vou apresentar…

Luciano             O tempo se encarrega de acertar isso daí. Muito bem, a Evelyn vai para o exército e um belo dia ela cruza com você, você a conheceu ela estava no exército?

Marcelo             Quando eu a conheci ela estava no exército e eu já…

Luciano             Como foi isso? Se ela estava no meio do mato, como é que você conheceu?

Marcelo             … na realidade ela já servia em Rio Branco, ela ia para missões no interior, já tinha ido, mas ficava alguns períodos, ela morava em Rio Branco. Eu me formei, morei dez anos no Acre ao todo, eu me formei e fiz residência de ginecologia e obstetrícia, para quem não sabe residência é a especialização em medicina e no primeiro ano de residência, são três, de ginecologia e obstetrícia, no primeiro ano, através de alguns amigos em comum, que serviram com ela lá no batalhão do exército também, nós acabamos nos conhecendo, tínhamos tido um encontro pontual seis meses antes, mas eu era noivo, ela era recém também separada de um noivado, nos conhecemos pontualmente e depois de seis meses eu já estava solteiro, ela já estava solteira, nos reencontramos através de…

Luciano             Foi por culpa dela, não?

Marcelo             … não, não foi por culpa dela.

Evelyn               Não.

Marcelo             … nos reencontramos, alguns amigos, inclusive tem uma amiga que é médica que também serviu o exército, ficou um ano no exército nessa época, nós tínhamos muitos amigos em comum no final das contas, porque Rio Branco é uma cidade grande, mas não é tão grande assim…

Evelyn               Mas a nossa história ela é legal, Luciano, foi engraçada assim porque o primeiro dia eu não lembrava dele e ele lembrava de mim, aí eu ah, esse menino é muito chato, o que que ele veio fazer aqui com a gente? Não sei o quê… aí ficamos, aí ta bom, só que passou, acabou que tinha um dia que a gente foi numa balada e eu acabei bebendo demais e meu aniversário era numa terça feira e eu não ia fazer nada,  convidei todo mundo, inclusive ele e foi daí que aí ele disse não vou, aí a amiga dele, que é nossa amiga em comum, você vai, aí foi. E aí aconteceu uma coisa muito engraçada, que foi a primeira vez que a gente conversou e tal, aí quando ele falou que ia fazer, que estava fazendo ginecologia e obstetrícia, aí eu nossa senhora, eu não me imagino nunca namorar com um ginecologista, imagina, deve ser horrível, ave, não, olha aí. Sábado, isso era uma terça, no sábado a gente já estava junto e nunca mais…

Luciano             Não se explica essas coisas. Evelyn, a gente discute muito essa questão da miséria no Brasil e tudo mais, mas uma coisa é você discutir miséria na periferia da cidade, da cidade aqui, esses bolsões que existem em volta. Eu estou aqui em São Paulo, uma cidade gigantesca, mas tem uma periferia que é uma coisa complicada, imagino que Rio Branco tenha a sua periferia também, que é mais complicado ainda, mas o que eu queria saber é outra coisa, como é que é a miséria lá no interior onde você serviu, onde você só chega de barco quando chove. O que que é quando se fala miséria lá, o que é miséria? Ou não é?

Evelyn               É. É assim, não ter o que comer, é muito difícil falar assim, é muito triste porque nós temos uma miséria também no Brasil e saber que tem recursos para ajudar essas pessoas e essas pessoas não são ajudadas, mas assim, é muito triste de ver as pessoas tipo com leishmaniose, com malária e você tentar fazer, ajudar o máximo e tipo não poder ajudar mais.

Luciano             Como é que essas pessoas chegam lá, como é que alguém vai parar, vai morar num lugar que fica oito horas de barco e só dá para chegar quando chove?

Evelyn               Isso também…

Marcelo             É o interior da Amazônia.

Luciano             É um garimpeiro que apareceu por lá, acabou fixando residência.

Marcelo             O transporte é o rio, o rio é uma rodovia de água, então foram se aglomerando pessoas numas determinadas regiões. Eu tive um pouco de experiência de ir em algumas vezes, tinha um programa lá no Acre que chama “Saúde Itinerante”, durante o período que eu morei, que eu estava na residência eu tive oportunidade de participar de alguns programas desses, são mutirões de atendimento e levam-se grupos de médicos para esses locais, geralmente a gente ia de avião e tentar fazer em alguns períodos, alguns atendimentos e assim, é uma situação assim, geralmente é uma pequena cidade ou uma pequena vila, um povoado, na beira do rio onde tem essas casas de madeira, uma pequena ou certa dignidade assim e eles sobrevivem daquilo ali, do que se pesca no rio, de caça, animais de caça, que é de onde vem a carne, alguns tem alguma criação de galinha, de porco, de gado ali, tiram leite da vaquinha, que levam de barco também para essa região, transporta, vão algumas balsas e alguns barcos maiores, conseguem algum transporte, e plantar, geralmente ali é a sobrevivência é o que eles plantam, é uma região que tem um solo rico, então eles vivem daquilo ali, mas é uma subsistência mesmo, a mandioca é a refeição principal deles é peixe e mandioca e aí da mandioca faz-se tudo, eles aproveitam o caule da mandioca, famoso tucupi, que virou comida sofisticada mas é uma coisa…  A farinha da mandioca que é o que eles utilizam mesmo, mandioca cozida, então basicamente é mandioca e peixe, mandioca e carne de caça, é a subsistência, a sobrevivência.

Luciano             A saúde lá é um curandeiro?

Evelyn               Um curandeiro.

Marcelo             Normalmente é.

Luciano             É um curandeiro? É uma parteira.

Os dois             Isso.

Luciano             A Ciça me conta uma história interessante de uma amiga dela que foi lá para o interior de não sei onde, o fim do mundo, numa aldeia qualquer, no meio da Amazônia, nessas condições, ela chega andando pela selva e no caminho ela torce o pé e o pé dela vira uma bola de futebol e ela não consegue se locomover, arrebentada e a muito custo consegue chegar até a vila, chegou na vila o pessoal olhou aquilo, puta, chama a fulana de tal que era a curandeira. E veio a curandeira olhar, olhou o pé dela lá, deita ai, botou umas ervas em cima, fez não sei o quê, no dia seguinte a mulher estava andando.

Evelyn               Sabe o que é o mais incrível assim? É que você vai passando assim no rio, nós vamos parar assim, tem uma casa ali. Não gente, não tem casa ai, só tem mata. Tem, tem casa aí. Gente, não tem. Tipo várias vezes eu discuti porque eu dizia olha o tanto que a gente vai andar e não tem. Quando chegava, tipo assim, andava, andava, apareciam as casas e o que é mais impressionante é que se você foi fazer um atendimento, um vai avisando para o outro e vai aparecendo gente, não sei onde que eles, tipo assim…

Luciano             De algum lugar chega.

Evelyn               … de algum lugar e não só aqui, como em qualquer outro lugar com nós conhecemos agora também, a mesma coisa, vai aparecendo gente,  vai saindo, brotando, ninguém sabe como é que aquilo ali…

Marcelo             Nós sabemos já hoje que existem, estava abordando essa questão do curandeiro de usar ervas, existem diversos medicamentos fitoterápicos que vem disso, hoje se faz um estudo, pesquisa séria, realmente nós sabemos que tem medicamentos que são tirados da natureza e que tem poder anti-inflamatório, poder antibiótico, poder analgésico e que tem muitos medicamentos sintéticos hoje que foram aperfeiçoados, mas a origem é da própria natureza, o próprio antibiótico que é a penicilina quando foi descoberta, foi através de um fungo, então nós sabemos que isso existe, então são inúmeras histórias. Eu que fiz faculdade no Acre lá e percorri alguns interiores, a gente escuta várias histórias, então existe realmente toda uma cultura, isso é não impede o tratamento tradicional.

Luciano             Mas então você um cientista furungando no meio do Acre lá e descobriu aquelas coisas que o índio fala que funciona e acaba que funciona mesmo, não é?

Marcelo             Ah existe muita coisa que funciona, não adianta a hipocrisia de dizer que não funciona, o que a gente não admite, o que eu falo assim, existem coisas que vão prejudicar, é claro, o que eu digo assim, isso é uma coisa que eu convivo, estou no interior de Rondônia trabalhando e existe uma questão cultural, temos muitas pessoas que falam ah, o chá da folha da graviola, a folha da graviola cura o câncer? Eu falo olha, o que você quiser tomar que você acha que vai te fazer bem, você utiliza, isso é uma opinião muito pessoal minha como médico, como mastologista. Desde que você aceite que nós façamos todos os tratamentos tradicionais, a alopatia que a gente chama, os tratamentos clássicos, tudo o que for para te beneficiar e você quiser utilizar, utiliza, não vai substituir o tratamento tradicional por alguma coisa alternativa que não existe comprovação, mas quando a gente fala de medicamentos, existem medicamentos que hoje já são produzidas capsulas, já são comprados aqui em São Paulo, mas que a origem é de raízes, de  plantas, então são coisas diferentes, mas que existe uma cultura de toda essa utilização de medicamentos naturais para se tratar uma diversidade de doenças, existe e grande parte deles funciona, o que eu digo é o seguinte: não substitua o tratamento tradicional por isso, faça os dois em conjunto que o que tem para somar só tem a ajudar.

Luciano             Milhares de brasileiros precisando desesperadamente de vocês no interior do Acre e vocês vão para a África. E aí?

Evelyn               E aí?

Marcelo             Na realidade assim, já vamos entrar numa realidade África então, a intensidade da pobreza, da miséria é muito diferente, mesmo no Brasil as pessoas que precisam, elas conseguem ter o mínimo de acesso, mesmo com toda a dificuldade, o Brasil com todas as dificuldades que nós temos e não são poucas, as pessoas ainda conseguem ter acesso, ainda tem estradas, ainda tem um mínimo de assistência, esse assistencialismo que a gente às vezes critica tanto e tal, mas…

Evelyn               Lá naquele local pior que seja, mas tem um postinho de saúde, tem um…

Luciano             Faz um bolsa família de 70 reais faz toda a diferença…

Evelyn               … tem um bolsa família, tudo isso, já na África eles não tem nada, não tem.

Marcelo             Não tem nada, nada, mas é nada mesmo, é uma realidade totalmente diferente. O que nós fomos buscar  é entregar um pouco daquilo que nós aprendemos,  da nossa profissão, um pouquinho de amor no coração nisso, porque se fosse só isso não ia e conhecer a realidade, na realidade eu digo assim: hoje, depois de ter voltado de Moçambique, lá do Dondo, eu mais aprendi com eles do que eu, na minha visão, do que eu levei em atendimento. É lógico que aquela pessoa que eu atendi, que eu ajudei lá, a diferença é gigantesca, mas na coletividade, nosso aprendizado é muito maior, é essa visão.

Luciano             O Rony escreveu no Telegram que tem três tipos de pessoas que vão lá, tem o turista, vai lá para ver e fotografar, bater foto em volta do povo lá. E aqueles que se envolvem um pouco, que vão e se envolvem um pouquinho e tem aqueles que mergulham de cabeça e vão até o fim, que eu acho que foi o que acabou acontecendo com vocês, até de forma surpreendente. Mas, deixa eu voltar para o comecinho aqui, muito bem, vocês vão, pegam o avião, descem em Johanesburgo que é primeiro mundo e aí o que  acontece? Entra num carro e vai para onde? Esse Dongo, bongo.. o que que é? Vocês vão para onde?

Evelyn               A gente ainda pega o outro avião e vai para Moçambique, a gente desce em Beira, pega um avião bem menor.

Marcelo             Cidade da Beira, é a segunda maior cidade de Moçambique, fica a duas horas de voo de Johanesburgo.

Luciano             Então é longe.

Marcelo             É longe.

Luciano             É longe.

Marcelo             E aí nós descemos no aeroporto em Beira, é uma cidade portuária, uma cidade que fica no Oceano Índico e tem uma estrutura básica, uma cidade que é razoável, não é nenhuma metrópole, uma cidade que tem uma população grande, se eu não me engano,  acho que uns 200 mil habitantes, se eu não me engano.

Luciano             Vocês já tinham saído do Brasil?

Marcelo             Já.

Luciano             Já tinham ido para onde?

Evelyn               Estados Unidos. Eu Bolívia.

Marcelo             Pela proximidade ali eu cheguei a ir conhecer Cochabamba, La Paz e Santa Cruz de la Sierra.

Luciano             Eu perguntei para vocês porque eu também, já viajei para um monte de lugares aí e cada lugar que você chega é um choque diferente então você desce nos Estados Unidos é aquele choque daquela organização, aquela sociedade capitalista fantástica, você desce na Europa é aquele choque de história, você está andando na rua e está passando pela história do mundo ali, eu desci na Ásia foi um choque de zona, de bagunça, não dá nem para entender o que está escrito na parede lá, na África eu tive pouco, eu desci e fiquei em Johanesburgo ali, fiquei algumas horas lá, fiquei no hotel depois fui para outro lugar ali, mas eu estava numa grande metrópole ali, não consegui, se você perguntar para mim: sentiu o sabor da África? Não, não senti. Eu imagino que o choque lá deve ser um choque diferente, como é que é isso?

Marcelo             É, aí essa região o Dondo, é 30 quilômetros, 35 quilômetros para dentro do continente, dessa cidade que é Beira, é uma pequena cidade, uma vila mesmo, uma população periférica gigantesca que não tem estrutura, infraestrutura, dignidade, é casa de barro, pau e barro mesmo, como essas casas de pau a pique que a gente vê no nordeste, não tem banheiro, não tem acesso e aí que veio forte…

Luciano             Esqueça água e esgoto, esqueça energia elétrica.

Marcelo             Energia elétrica, por incrível que pareça tem, não tem para todos,  lá energia elétrica até é uma discussão, o governo, por conta de gato, dessas coisas, esses problemas, eles mudaram, a energia lá é pré-pago, você paga para utilizar, então quem tem dinheiro…

Evelyn               E se acabar, aí vai cortar sua luz, apagam a luz, tu já sabe, tem que comprar mais crédito para colocar.

Marcelo             … e aí tem uma usina hidrelétrica muito grande lá, foi construída em Moçambique e abastece tranquilamente todo o estado, até eles vendem energia para outros países, agora de modo geral assim, não tem nada, na vila, na cidade ainda tem, existem casas que tem estrutura de banheiro, mas mais de 90% não tem acesso a nada disso, a energia ainda tem algumas redes assim, mas não são todos que tem dinheiro para pagar, esse é o problema, o acesso é diferente, tem a infraestrutura da energia elétrica, que é diferente da água e o esgoto, que não tem infraestrutura, a água é um poço cavado com uma bomba manual, daquelas de manivela mesmo e fica no meio de uma vila, no meio de um bairro, vamos dizer assim, e ali eles recolhem a água nos baldes, o banheiro é um buraco cavado no chão, latrina que chama, aquele buraco cavado no chão, geralmente cercado por casca de madeira e ali que eles fazem o banho, as necessidades.

Evelyn               Só voltando ai desse negócio da água, essa água que eles pegam em balde é água para tomar banho, é a água para beber, é a água para cozinhar, é a água para fazer tudo, essa é a água deles.

Luciano             É uma realidade muito longe da gente.

Evelyn               Muito, eles estão assim….

Marcelo             Eu falo que toda a miséria que nós temos no Brasil talvez, algumas pequenas localidades no interior do interior, do interior do nordeste tenha uma realidade parecida, mas proporcionalmente é infinitamente menor do que eles tem lá e a realidade do acesso ao dinheiro é muito pouco assim, um trabalhador que faz um serviço ganha um dólar por semana, é uma coisa que no Brasil, por mais que a pessoa tenha ali um trabalho, ela consegue ganhar ali seus 100 reais por semana, 200 reais por semana, que  é uma miséria gigantesca, mas é muito mais do que eles tem lá, um dólar lá vão ser 60 medicais que não dá para nada, não tem nada, para você ter ideia um almoço simples, barato, baratíssimo, no restaurante popular, simples que nós fomos, é em torno de 500 medicais por pessoa…

Luciano             Medical é…

Marcelo             É a moeda deles.

Luciano             O que dá isso em reais.

Evelyn               Um metical…

Marcelo             1 dólar são 60 medicais, então… 3,5 vamos por aí o dólar hoje…

Luciano             3,5 60 medicais a 3,5… é pouco.

Marcelo             É muito pouco, então para eles é uma dificuldade .

Evelyn               Outra coisa, no Brasil por mais pobre que seja, o mais pobre, eles andaram um pouquinho, eles vão encontrar um posto de saúde, que vai ter um médico, vai ter um dentista, vai ter alguma coisa, lá eles não tem nada disso, nada, nada e outra coisa, o médico lá olha para a cara do paciente, várias pessoas assim, agradeceram a gente porque a gente tratava muito bem e tal, ficava até meio assustado, porque eles não estão acostumados com as pessoas tratarem bem, ele olha para a cara do paciente, aí ele ó eu estou com dor, ah está bom, já passa o antibiótico, pode ir embora e não quer saber o que que é, entendeu?

Luciano             Até porque se ele fosse debruçar no caso de cada um nunca mais acaba.

Evelyn               E a questão de dentista, tem um dentista que atende uma vez por semana no período da tarde…

Marcelo             Só para vocês entenderem, aí é nesse município que é o Dondo, tem uma vila onde tem prefeitura, câmara de vereadores, equivalente lá, alguma coisa assim, dois ou três bancos pequenos, um pequeno hospital e dentro desse hospital é aonde também não tem muita infraestrutura, tem um gabinete odontológico, tem um consultório odontológico e lá tem um dentista, que vai um período, uma tarde, uma manhã por semana, se eu não me engano.

Luciano             Não mora lá, ele vem de longe.

Marcelo             Ele vem de Beira e atende ali…

Luciano             Isso é pelo governo?

Marcelo             … e é uma limitação…

Luciano             É pelo estado?

Marcelo             … é, pelo estado, é e aí tem … eles não tem acesso na realidade.

Evelyn               Agora assim, ele foi bem, comigo…

Marcelo             É, nós tentamos ver se conseguíamos essa disponibilidade desse local para atender, mas aí tem um monte de questões burocráticas, a gente também não sabia exatamente qual seria o caminho das pedras, mas teria que ser. Eles justificaram, teria que ter sido enviado documentos, papeis oficiais para mandar para a direção, para mandar para a secretaria, mandar para não sei para onde, aquelas questões burocráticas que nós sabemos que no Brasil e lá não é nada diferente disso também…

Luciano             Deixa eu entender como é o processo então, vocês entraram num grupo que foi para lá que era o grupo coordenado pelo Rony, é isso?

Marcelo             É, na realidade o que aconteceu? Voltando um pouquinho, meu cunhado, o irmão da Evelyn é casado com uma moça que o pai dela é pastor batista lá no Acre e eu coloquei numa ligação o pastor Ivan e o pastor Rony e existiam duas missões, o pastor Rony estava tentando liderar uma missão, o pastor Ivan outra lá no Acre e nós como ficamos nós três numa ligação telefônica, eu juntei os dois…

Luciano             As duas missões para Moçambique?

Marcelo             …  isso, para o mesmo lugar, eles conheciam as mesmas pessoas, o pastor Ivan que é o pai da Priscila, cunhada da Evelyn, já tinha ido para lá também para essa região ali da Beira, outras vezes e acabou que eu consegui fazer as conexões ai, juntar todo mundo e aí juntou o grupo numa missão só, várias pessoas desistiram, no final o grupo nós somos somente em 12 pessoas…

Luciano             Doze.

Evelyn               E o pastor Ivan foi coordenando todo o grupo.

Marcelo             É, o pastor Ivan que acabou coordenando todo o grupo, o pastor Rony foi conosco, com a experiência, já a quinta vez que ele está lá, sete anos, o  pastor Ivan já tinha ido acho que duas ou três vezes…

Luciano             Esse grupo tinha mais médicos, tinha..

Marcelo             Não.

Luciano             Não, eram vocês dois, médico e dentista.

Marcelo             Tem uma moça que é técnica de enfermagem, tinha uma médica veterinária, o pessoal foi com o intuito de fazer um trabalho social de evangelização e tudo isso e nos ajudaram, uma moça que é escrivã da polícia civil, que é de Vitória do Espírito Santo foi auxiliar da Evelyn lá em algumas extrações dentárias, então a gente que foi disposta a ajudar no que foi preciso, como assim que nós fomos, quando eu conversei com eles nessa ligação eu falei olha gente, eu não sei o que eu vou poder fazer, eu não sei qual a infraestrutura, não conheço, eu não tenho noção…

Luciano             Isso que é importante saber, não é que já existia um processo em andamento, tira o médico A, bota o médico B, não, não tem nada.

Marcelo             … eles falaram assim: esse grupo…

Evelyn               Médico lá é enfermeiro.

Marcelo             … é, quem faz o atendimento lá é quem eles tem, técnico de enfermagem, é quem tem, quem pode, então na realidade foi assim, aí nós nessas conversas, eles me explicaram mais ou menos o que que tinha de infraestrutura, existe um bairro dentro do Dondo que chama Mafarinha e a igreja batista do Dondo que é liderado por um casal de missionários, o pastor Gerônimo e a Noemi…

Luciano             Brasileiros?

Marcelo             … a Noemi é brasileira, casada com o pastor Gerônimo que é moçambicano, que é um homem de conhecimento fantástico, uma grande experiência tê-lo conhecido lá, só de ter conhecido e conversado com ele já valeu a viagem, são pessoas do bem e esse casal coordena os projetos da igreja batista…

Evelyn               A Noemi está há 30 anos lá.

Marcelo             … a Noemi mora há 30 anos já em Moçambique, entre os projetos, eles tem a gestão de um posto de saúde, de uma clínica nesse bairro…

Luciano             Que é do estado?

Marcelo             … na verdade os funcionários são cedidos pelo estado, mas a infraestrutura, a estrutura que eles tem são deles, dentro de um terreno que é da igreja.

Luciano             A  igreja construiu aquilo?

Marcelo             … que construiu e com ajuda de vários projetos, tem projeto, por exemplo, de nutrição, que é da igreja, que é mantida por um grupo de batistas do Texas, então tem uma diversidade, eles tem vários projetos que são liderados por eles, tem uma creche, tem duas escolinhas para crianças, tem uma escola secundária que é modelo em Moçambique, com toda a dificuldade de infraestrutura, mas então é essa parceria, os funcionários, professores, por exemplo, são do estado mas a gestão é deles, da igreja, eles que gerem os recursos, eles que gerem isso tudo. Investimento em sala de aula, infraestrutura em tudo é deles, eles são exemplo em Moçambique disso, nessa cidade lá no Dondo, é lindo o trabalho que eles fazem, não tem como descrever, é só indo lá, vivendo essa experiência, é uma ilha, numa pobreza, de uma miséria e eles tentam ajudar ao máximo, as crianças, a família, pagam um pouquinho para ajudar ali a manutenção disso tudo, mas é praticamente gratuito, vamos dizer assim.

Luciano             Uma coisa só, vocês são batistas?

Marcelo             Não.

Luciano             Nada a ver, nenhuma conexão?

Marcelo             Nenhuma conexão religiosa, tanto que assim, até é incrível eu falar isso, que a pessoas entendam, em nenhum momento ninguém quis nos converter, nada disso.

Evelyn               Tanto que a gente não achava que estava numa igreja batista, uma igreja evangélica, eu era meio assim…

Luciano             Resistente.

Evelyn               … resistente a essas coisas, tipo assim porque toda pessoa que eu conheço evangélico, tenta converter ou tenta tipo assim, que o seu Deus não existe, que você é católico seu Deus não existe…

Luciano             Você é católica?

Evelyn               … eu sou católica, o Marcelo é espírita.

Marcelo             Eu sou espírita kardecista.

Evelyn               Então, e aí as pessoas, tipo assim, ah sempre falam alguma coisa, não gente, para vocês entenderem, foi assim maravilhoso o trabalho que eles fazem não é lavagem, levar a palavra de Deus mesmo, foi uma coisa assim incrível, incrível que a gente participou de tudo com eles e assim.

Marcelo             Eles falam de Jesus Cristo, lógico, é um programa que é liderado pela junta das missões mundiais, que é da igreja batista, eles tem um processo de evangelização, é lógico que tem, é explícito isso, nenhum momento eles escondem, mas quando eles vão pregar nas próprias pregações que a gente participou junto com eles de algumas atividades, eles levam a mensagem de Jesus Cristo, não tem bandeira de religião lá assim, não tem bandeira de evangélico, não, eles levam a mensagem de Jesus Cristo, eles tentam levar isso, é muito bonito esse trabalho. Trabalham com jovens, trabalham com adolescentes, existe um trabalho lá que chama Projeto Vida, que infelizmente o HIV lá é banal até, as pessoas recebem diagnóstico de HIV e recebem…

Evelyn               É com se recebessem a notícia que está gripado.

Marcelo             … eles recebem a notícia de uma forma banal, então eles tem uma série, recebem recursos, ajuda, através dessa junta de missões, através  de outras pessoas que acabam mandando recursos, é um trabalho lindo que eles fazem, é um trabalho fantástico entre eles. Eles tem essa gestão da clínica lá e essa clínica é que aonde nós acabamos fazendo o nosso atendimento ali com a pouca e dificultosa infraestrutura que eles tem, com os  recursos que eles tem, pouquíssimos medicamentos, tem-se o básico, um diclofenaco, um paracetamol, antirretrovirais, tem para fazer o tratamento do HIV, tem muita malária, um dia a gente estava numa região endêmica de malária, então tem os medicamentos também disponibilizados para a malária, também é muito subsidiado, o valor que eles pagam é… a gente falou aí da questão monetária, eles pagam 1 ou 2 medicais em comprimido, então é uma coisa muito barata, até para eles isso é barato e subsidiado. Idosos não pagam o medicamento e também subsidiado pelo governo, pelos próprios programas, então eles têm uma diversidade, é muito bonito o trabalho que eles fazem, eles criaram uma rede mesmo e existe necessidade de mão de obra, existe necessidade de infraestrutura, existe necessidade de recursos, é necessidade de tudo.

Luciano             Vocês saem daqui então, não sei o que eu vou encontrar, eu vou chegar á tenho uma vaga ideia, vi umas fotos do lugar, vi alguma coisinha assim.

Marcelo             … nas conversas, como eu falei, naquela ligação, falei olha, nós estamos indo dispostos a ajudar no que for preciso, se der pra eu atender eu vou atender, se der para eu consultar eu vou consultar, se não der o que precisar eu vou fazer, se precisar cozinhar  nós vamos cozinhar, se precisar ajudar, então a gente foi disposto com o coração aberto lá ajudar no que fosse preciso e trocar experiência e conhecer a realidade,  então o foco foi esse e foi extremamente surpreendente, tiveram muitas conexões aí, o pessoal publicou até eu o pastor Rony publicou, conheci um rapaz que é da igreja que é recém formado em medicina na cidade da Beira, então teve um dia que eu saí do grupo e fui com o líder deles, o pastor Gerônimo, até a Beira que ele é professor universitário na Beira, professor de psicologia numa universidade…

Luciano             Tem uma universidade?

Marcelo             … em Beira, uma universidade de medicina, universidade católica, são três universidades, se não me engano, a que tem medicina, tem duas, na realidade de medicina que eu fui no hospital, eu conheci alguns estagiários, só tem duas faculdades de medicina em Beira. Fui conhecer o hospital Regional lá, o hospital central deles, na Beira, que é a segunda maior cidade do país, então tem uma mínima infraestrutura realmente… não é muito diferente daquilo que a gente vê no hospital público aqui com uma maior falta de recursos, a gente sabe a triste realidade que aconteceu, que acontece com a saúde brasileira, é triste, eu fui presidente da Associação Nacional de Médicos Residentes, então convivi com isso, sei das dificuldades como tem dificuldade aqui, mas lá isso é em proporções muito maiores e não tem muito quem ajuda, não tem muita filantropia assim, tem os estagiários e acabei indo conhecer o hospital, o cirurgião lá é o médico que opera que faz tudo, não existe sub especialidade, então não existe cirurgião vascular, não existe cirurgião de coluna, não existe cirurgião plástico, urologista, não existe sub especialidades. Eles tem o ginecologista, pediatra, o clinico geral e o cirurgião geral, cirurgião geral que opera da ponta do nariz ao dedinho do pé, então eles fazem tudo e eu fui conheci, eles tem uma falta gigantesca de especialistas, inclusive para ser professor, para dar aula, eu fui na universidade, conheci, fui convidado para ir lá dar custos, fazer algum workshop, até dar aula na universidade, que eles tem o sistema de módulo de PBL, então ginecologia e obstetrícia, são seis meses, você estuda anatomia e fisiologia, tudo, tratamento, toda a parte de ginecologia, então eles falaram, você pode condensar, vir dar dez aulas, condensa em  quinze, vinte dias, você vem, dá as dez aulas e volta, então até o convite, falei em nenhum momento da minha vida imaginei que fosse para Moçambique e fosse ser chamado para dar aula na universidade. Fui chamado pela equipe da cirurgia para ir fazer a parte de cirurgia de câncer, alguma coisa de reconstrução, que é a uncoplástica que a gente chama, que é a reconstrução quando a gente faz a retirada da mama, então nesse sentido foi muito além das expectativas, isso que aconteceu de conhecendo uma pessoa e conhecendo outra e apresentando outra e você vê o tanto que eles precisam, então eles precisam desde a água para beber, do atendimento, do banheiro, até pessoas com conhecimento, pessoas formadas para dar aula, para ser professor, então falta de tudo,  é um país que eu vi, presenciei lá, está sendo reconstruído, tem muitos chineses lá, está sendo ampliado o porto, estão sendo construídas rodovias, tem uma mina de  carvão muito grande no norte, então tudo desce por trem ali para Beira, onde tem o porto, existe uma estrada de ferro, que foi construída pela Vale, que está lá em Moçambique, então existe um país que está crescendo, existe um país que está investindo em infraestrutura, a gente vê, sabe que as pessoas lá disseram que existe muita corrupção envolvida em todas essas construções, em todas essas obras, em Beira, por exemplo, tem um resort construído pelos chineses que é uma coisa linda, fantástica, não perde acho que para nem um resort do mundo, mas é uma…. igual eu falei, é uma ilha de sofisticação, de luxo dentro de uma miséria ao redor, grande parte que a população não tem acesso a nada disso, então a gente…

Luciano             Vocês estavam preparados para o que vocês viram lá? Ou não? Era muito mais impactante do que…

Marcelo             Eu tive duas impressões, uma muito positiva e uma negativa, eu esperava uma realidade que nós tivéssemos algumas dificuldade que nós não tivemos, então assim, aonde nós ficamos, a casa da missionária, uma casa com tudo, com banheiro, com quartos, com uma infraestrutura toda…

Evelyn               Ar condicionado.

Marcelo             … ar condicionado, alimentação, tem-se de tudo, então tem arroz, feijão, batata, mandioca, cenoura, carne, frango, carne de porco, carne de carneiro, tem tudo, o problema é que a maioria das pessoas é muito pobre, vive numa miséria que não tem acesso a isso, então vocês vão comer o quê? História lá, não sei se você viu, a gente colocou na confraria comendo aquele ratinho, é um ratinho selvagem que vive nas plantações…

Luciano             Só para o pessoal entender, apareceu uma foto lá com uns espetos…

Marcelo             … uns espetinhos…

Luciano             … com um rato no espeto, ratos no espeto.

Marcelo             … é, eles chamam de imbeua lá, é um ratinho selvagem que vive nas plantações e a grande maioria das pessoas, a proteína que eles têm para comer é aquilo, porque eles não tem dinheiro para comprar, eles caçam aquilo…

Evelyn               A comida deles é arroz, todos os dias ou shima, estilo nossa polenta, feito de farinha de milho branca.

Marcelo             … é o milho branco, o milhos mais barato, então eles pegam aquela farinha e muitos deles só tem aquilo para comer, é uma polenta.

Evelyn               Quando eles tem um feijão, quando eles tem uma proteína para comer junto, é artigo de luxo isso, é muito luxuoso isso aí, entendeu?

Marcelo             É um contraste, então o lado positivo foi a receptividade, a recepção das pessoas é maravilhosa, o amor que eles tem, quando nós chegamos, as crianças vem nos abraçar, os adultos fazem questão de vir, pegar na mão, cumprimentar, de sorrir…

Evelyn               Eles fazem fila.

Marcelo             … fazem fila para vir falar com a gente, abraçar, então o amor que aquelas pessoas, mesmo vivendo em uma condição de miséria, você chega na casa  para conversar com as pessoas, lá o café da manhã chama mata bicho, pergunta já “matabichou” hoje? Já tomou o café da manhã? Não, a gente não tem comida, mas se Deus quiser amanhã nós vamos ter, então as pessoas…

Evelyn               Feliz.

Marcelo             … e felizes, sorrindo…

Evelyn               Amanhã vai ter.

Luciano             Eu vi os vídeos que vocês colocaram, qualquer coisinha lá todo mundo festejando, todo mundo cantando…

Marcelo             Lá então…

Luciano             … todo mundo dançando.

Marcelo             … tudo eles festejam, é tudo muito colorido, as roupas, é uma alegria, tudo eles cantam…

Evelyn               Eles dançam demais, e fui tentar dançar e assim, eles não deixam a gente parado.

Marcelo             … então, isso foi uma coisa muito surpreendente, a alegria, a receptividade ao mesmo tempo poderíamos imaginar que é pobre, que tem uma pobreza, mas a vivência da realidade lá não tem como descrever, por mais que você tenta colocar em fotos, colocar em vídeos e tenta mostrar uma realidade,  é uma situação difícil, igual essa história aí que a gente está tentando, o pastor Rony compartilhou, uma criança de doze anos que ficou com dois irmãos pequenos, os pais morreram de HIV, ficou uma bebê de meses, um filho de três anos, uma criança de doze tomando conta com um irmão trabalhando, de dezenove anos que foi quem a família não  levou porque tem um problema de cabeça, um problema mental, os outros irmãos mais velhos, a família do pai levou porque são os que podem trabalhar e geral alguma renda e os restante eles ficaram abandonados numa casa aonde essa menina de doze anos que tem treze agora e é responsável pela família e o irmão mais velho que é quem põe o dinheiro em casa, ganha um dólar por semana, quatro dólares por mês, então é uma coisa que é inimaginável a realidade, e eles vivem de comida do que o pessoal da igreja ajuda, doa e…

Luciano             Então, e não adianta você imaginar que vou pedir ajuda para o meu vizinho porque o meu vizinho está numa situação igual.

Evelyn               Não tem.

Marcelo             … não tem, a situação não é pior porque assim, na realidade os vizinhos ajudam e o pior, o melhor, Luciano, é que você nota a compaixão das pessoas lá, quem tem um pouquinho, divide aquele pouquinho que tem com quem está do lado, entendeu? E como eu falei, foi impressionante a questão do HIV, existe uma questão cultural, os homens lá tem muitas mulheres, essa questão da poligamia, do adultério, lá é muito banal, então os homens, eles proliferam contaminação de HIV, as mulheres até quando tem o diagnóstico, às vezes elas não contam para o marido com medo de ser divorciada e ele dizer que foi ela que pegou e passou para ele, entendeu?

Evelyn               Porque eles falam isso, entendeu? Quando eles pegam, qualquer tipo de doença, eles vão lá, eles se tratam e não contam para a mulher, se a mulher aparecer com alguma coisa, a culpa é da mulher, ainda existe muito aquela coisa… eles batem muito na mulher, a mulher tem que ser muito respeitada, que não sei o quê, eu até brinquei, teve um dia, como a gente falou, a gente entrou de cabeça mesmo, a gente foi para a cozinha, a gente cozinhou, a gente fazia tudo e tinha um grupo da igreja que ia ter uma festa da igreja, estava na casa dessa missionária ajudando a gente e aí entraram os meninos, tinha umas meninas e tinha os meninos, o Marcelo estava…

Marcelo             Os adolescentes, os jovens.

Evelyn               … os adolescentes e jovens da igreja, o Marcelo estava fazendo a parte salgada e eu na parte doce e aí a gente começou a brincar, e eu não sei o que que eu falei, eu olhei e disse assim, aí ele: mas a senhora não cozinha? Eu disse não, eu não sei cozinhar, quem cozinha na minha casa é meu marido. O quê? Não pode. Eles ficaram horrorizados porque eu falei que meu marido que cozinhava.

Marcelo             É eu gosto de cozinhar nas horas vagas

Evelyn               Eu disse não, a gente tem um trato, eu sou da parte de doce ele é da parte de salgado.

Marcelo             A Evelyn acabou fazendo os bolos só para entrar no contexto, eles estavam fazendo os jovens da igreja, quem tem um pouquinho mais de acesso, eles juntaram, fizeram a vaquinha e fizeram uma comemoração de aniversário, não o aniversário do mês, o aniversário dos aniversariantes do primeiro semestre, que é onde eles conseguem juntar um pouquinho de dinheiro, a igreja ajudou, é o grupo de jovens, chamava Angana, aí fizeram churrasco, a maioria deles era primeira vez na vida que estavam comendo.

Evelyn               Na verdade assim, a igreja, a Noemi, ela pega, para não tipo dizer assim que eles, para eles se esforçarem para eles darem dinheiro, mas aí ela…

Marcelo             Cobrou coisa de cinquenta medicais de cada um, como eu falei, é menos de um dólar…

Luciano             Sim, para dar valor se não, não tem valor.

Marcelo             … é, e aí um churrasco de frango, que é mais barato e de carne de porco e eu fui ajudar fazer…

Evelyn               Foi a primeira vez que eles comeram churrasco.

Marcelo             … fazer maionese caseira, estava na cozinha ajudando lá  e tal e para eles isso é uma barreira muito grande porque é a cultura bem machista mesmo, que é a mulher que tem que fazer o serviço de casa e tudo…

Evelyn               A mulher tem que cozinhar, outra coisa, eles batem muito na mulher, muito, muito mesmo, tipo assim e é normal e você não pode ir lá reclamar, porque aí você apanha mais.

Marcelo             Com toda a dificuldade que nós temos aqui, a questão cultural lá e bem complicada mesmo, eu posso dizer que é cem anos atrás da nossa realidade.

Luciano             Eu faço na minha palestra do Everest, eu comento, tem um momento da palestra que eu comento que de repente eu estava caminhando num lugar lá,, que eu estava no alto das montanhas lá, seis mil metros de altura, cinco mil metros de altitude, quatro mil metros e tem os povoados que estão ali e ali é um lugar que plantando nada dá, o que tem é pedra, gelo, aquilo só abre para os turistas quatro meses por ano, abril e maio, outubro de novembro, fora isso você não consegue subir, porque é tempo de chuva ou é tempo de gelo e quando não tem o turismo lá a economia para e aí não tem muito que fazer ali e o povo todo vive lá e ali eu comento, na palestra, dizendo o seguinte: quando eu volto da viagem eu desço no Brasil, é abril de 2001 e eu desço no Brasil em plena campanha eleitoral que foi a primeira campanha que o Lula ganhou e o slogan do Lula era “O Brasil tem 40 milhões de miseráveis”, a hora que eu ouvi esse termo “miséria” na boca de brasileiros, eu acabando de voltar de lá foi um choque tão grande que eu digo o seguinte, você quer ver miséria? Vai ver com quinze abaixo de zero, vai ver miséria num lugar que é pedra, gelo e é para cima, para baixo, não tem reto, não tem, roda não funciona, uma coisa com roda não funciona, porque você sobe ou desce, onde não há perspectiva, não é que tem uma escola lá em cima, não tem, lá não tem nada. É uma aula de você mudar o teu ponto de vista em relação ao país que você vive, então eu digo, quando eu voltei para cá que eu desci no Brasil eu falei é verdade, Deus mora aqui sim senhor, porque aqui você o mínimo que você tenha, tem algum tipo de recurso que chega até você, nós estávamos num lugar onde a miséria está num ambiente que nem a discussão moral cabe, não dá para discutir moralmente nada lá porque num lugar onde alguém ganha um dólar por semana, você vai discutir o quê? Você vai discutir a escolha desses caras? A escolha moral dele? Então ou você está lá vivendo aquilo ou você tem que olhar de longe e falar eu tenho um limite, eu consigo discutir até a página dois, dali para a frente, aquilo que vocês viram lá e quando você fala pô, o cara bate na mulher, é um absurdo, isso é um horror, para nós que estamos aqui sentados em São Paulo, bonitinho, com ar  condicionado, etc. e tal, naquele ambiente onde o cara vai comer um rato, continua sendo errado bater na mulher sim, mas só estando lá para entender o que é isso, eu não estou justificando, o que eu quero dizer é o seguinte: é tão diferente do mundo que a gente vive aqui, por pior que seja o nosso mundo aqui, que só estando lá para ter essa pancada.

Evelyn               Luciano, aconteceu uma coisa agora no último domingo que estávamos lá, a gente foi para um local que é Tissassa que eles chamam, é apresentação do bebê à população, à sociedade, entendeu? E eles fazem todo um ritual, oram pela criança e tal, tal, tal. Resumindo: tem muita dança, muita música, tudo isso, aí depois eles servem um chá que é um…

Marcelo             Na verdade é uma….

Luciano             É um velório ao contrário?

Marcelo             Exatamente.

Luciano             É o oposto do velório, nasceu alguém nós vamos fazer uma…

Marcelo             Crianças de dois, três meses, reúne-se, a criança fica dentro de casa nesse período, não é exposto, só fica com a mãe dentro de casa e nesse dia acontece um chá de bebê, vamos dizer assim, mas é para apresentação da criança e é aonde a criança é apresentada para a sociedade e as pessoas levam recordações, lembranças, pequenos presentes, ou dá aquilo que eles tem, algum dinheiro que eles tem condições de ajudar é feita uma comemoração em torno disso e eles servem uma bebida, agora me fugiu o nome, é uma bebida feita de milho fermentado, lá tem muito milho, tem bastante milho, que é o que eles conseguem ter acesso, o que planta-se e aí essa bebida é servida…

Luciano             É uma aguardente?

Marcelo             … não, não chega a ter um período de fermentação grande, tem uma pequena quantidade de álcool porque é fermentado dois, três dias só ali. Eu provei, não é ruim mas não é a melhor coisa do mundo também, mas é…

Evelyn               E aí, voltando a isso, aí voltando a esse assunto, aconteceu um episódio triste nesse local, tinha uma mãe lá, uma senhora com um bebê e esse bebê era albino e acho que já estava o quê? Terceiro ou quarto filho…

Marcelo             Terceiro filho do casal que era albino.

Evelyn               … que era albino e o marido não aceitava, só que a irmã dele é albina e ele não aceitava porque lá é maldição, ter um filho albino, então ele chegou lá no carro com a amante e olhou…

Marcelo             Seria a segunda esposa.

Evelyn               … com a segunda esposa e olhou para ela e disse que não queria mais ela e saiu, pegou pelos cabelos dela e saiu arrastando ela, ela do lado de fora do carro e ele dirigindo arrastando ela pelos cabelos, ele dirigindo, ela do lado de fora ele arrastando pelo cabelo no chão, acredita nisso? Porque ele disse que a culpa era dela, se ele tivesse mais um filho, que a maldição era dela…

Marcelo             Então ele entende que quem carrega o gene de ter filhos albinos é ela, que na realidade é ele…

Luciano             Provavelmente é ele sim.

Marcelo             … e tem três filhos e que o problema da maldição da vida dele é essa mulher que ele está largando dela e ele tentou agredir, tentou…

Evelyn               Aí só não agrediu porque tinha muita gente…

Marcelo             … e ela não aceitou, na realidade ele foi com essa outra mulher pra dizer essa é a minha segunda mulher porque você só me dá filho albino e ela não aceitou e teve esse conflito e ele entrou dentro do carro, ela foi tirar satisfação, ele puxou ela pelo cabelo e saiu arrastando e as pessoas “interviram” ali, conseguiu controlar a situação, mas é uma situação, para você ter ideia do nível, então a complexidade econômica, social, cultural é muito maior, isso foi extremamente surpreendente, porque por mais que a gente imagine, a gente não conhece a realidade e isso deve variar dentro dos próprios países da  África, a gente sabe, porque na própria América Latina existe uma diferença cultural mesmo e você junta tudo isso dentro de um pote e sai aquela realidade que é uma coisa surpreendente, que é só para quem vai, quem vive,  quem consegue perceber ali, captar essa percepção de que o jeito que eles vivem talvez não adiante só você ir lá e dar dinheiro, que todo mundo fique rico, não adianta só, é uma  questão que vai demorar tempo, é uma questão que vai demorar um aprimoramento cultural social e que pode ser que não chegue naquilo que a gente imagina, naquilo que a gente imagina como ideal porque talvez o ideal para eles não seja o ideal para nós, aquilo que a gente imagina como uma sociedade ideal aqui, pode ser que nunca eles imaginem que seja aquilo para eles.

Luciano             Eles são atrasados. Eu me lembro lá de estar lá no Nepal e entrei num lugar tinha um cartaz na parede e era um cartaz que falava sobre… explicando para as pessoas para não defecar perto de fontes de água, eram os cartazes que eu via em Bauru em mil novecentos e sessenta e nada, eu era molequinho e eu estava vendo aquele cartaz, falei esses caras estão no Brasil de 1950, até pior que isso, então é tão básica a discussão lá que a gente realmente acho que não consegue nem entender direito lá. Vocês chegaram aqui, vocês sentaram na minha sala ali e eu estava reclamando do meu computador, lembra, que eu estava pô troquei o Windows, estou tomando uma surra, a minha vida é um inferno por causa do meu computador. Como é que é quando você sai dos seus paradigmas aqui, dos problemas que nós temos no Brasil, no nosso dia a dia, etc e tal e mergulhar num mundo como esse onde os problemas são…. não dá nem para comparar, quando você fala para mim que  o cara come um rato e eu estou preocupado com o meu Windows aqui, é tão diferente, é tão fora da realidade que parece que são dimensões paralelas, como é que é para vocês receber essa carga, essa pancada?

Evelyn               Eu assim, eu voltei com outro pensamento assim que tipo, é muito forte sabe, as pessoas dão valor a pequenas coisas que quando a  gente saiu de lá, que a gente viu que eles dão valor a qualquer coisa lá, tipo se você der um pedacinho de papel, um coraçãozinho de papel para eles, eles te dão valor a isso e aqui a gente olha, ai, joga fora…

Luciano             Se não for o iPhone7 eu não quero nem pensar.

Evelyn               … nem pensar, então assim, eu tinha um batom, eu peguei deixei tudo, roupa, essas coisas, você precisava ver a alegria dessas pessoas.

Marcelo             As jovens, adolescentes.

Evelyn               As jovens, adolescentes com que eu deixei. É assim… é incrível impressionante assim.

Marcelo             Nesse dia do churrasco dos jovens adolescentes, as meninas tiveram uma tarde de maquiagem, de beleza e a Evelyn junto com as outras moças, as outras missionárias que estavam lá foi ensiná-las a fazer maquiagem, isso foi no sábado, no domingo no culto, elas estavam todas maquiadas do mesmo jeito que estavam no sábado, porque aquilo para elas é uma coisa diferente, elas não têm acesso a nada disso, então a Evelyn pegou aquilo que ela tinha ali, deixou, entregou e deu de presente para elas e aquilo é uma gratidão, uma alegria, uma felicidade, uma coisa que é incalculável, inimaginável, entendeu?

Luciano             Se eu for na lojinha de um real ali, eu compro cem batons e não vou gastar nada e eu imagino uma carga de batons chegando num lugar como esse aí. Deixa eu contar um caso para vocês interessante, foi um texto que chegou para mim contando um lance, eu não vou lembrar dos detalhes todos, mas era a liberação de um campo de prisioneiros na segunda guerra mundial e é contado por um americano que estava lá, ele chegou na hora da liberação, pego um abriu o campo, estava aquele pessoal naquelas condições, as piores que vocês puderem imaginar, todo mundo, gente morta para todo lado, aquele negócio horroroso e quando chegaram os suprimentos, alguém errou e mandou uma carga de batom e o cara falou a última coisa que nós precisamos nesse lugar aqui é batom e aí a carga foi aberta, os caras viram e de repente caiu na mão das prisioneiras e ele contando de quando ele viu que a prisioneira toda arrebentada, a mulher não conseguia se mexer direito, pegando um batom daquele, passando nos lábios e se sentindo… aí ele conta o impacto que foi para ele ver o valor que aquela mulher deu para um batom, para ela se sentir bonita nas piores condições possíveis, quando tudo o que ela precisava era um prato de comida e de repente o batom e ele conta como é importante uma bobagem como essa que a gente aqui não dá o menor valor, jogo fora essa porcaria aqui e lá imagina uma caixinha com 30 batons chegando nessa cidade, as meninas vendo aquilo…

Marcelo             Vale ouro.

Luciano             … é como receber o iPhone7 aqui.

Marcelo             Exatamente.

Evelyn               É isso mesmo.

Marcelo             E assim, Luciano, o que que a gente pode deixar assim… qualquer coisa que você faça lá, para eles é um legado, entendeu? Um obrigado, um bom dia são,  acho que a Evelyn quis dizer é o que para nós, muitas coisas são banais, para eles, eles valorizam muito, a gratidão deles é muito grande e para nós são coisas simples, esse exemplo que você citou, pequenos detalhes e às vezes nem isso, a gente via a alegria deles de eles verem que nós estávamos lá dispostos a ajudar de alguma forma. Eu fiz palestra para os jovens falando sobre DST’s, doenças sexualmente transmissíveis, a Evelyn fez palestra para os jovens falando sobre higiene bucal, a Evelyn pegou nas escolinhas e foi passar flúor, ensinar a escovar os dentes, nós levamos muitas escovas de dente que nós ganhamos aqui e dava para as crianças, para os jovens, para os adultos, a gente deu escova, fio dental e creme dental…

Evelyn               Tinha gente que nunca tinha visto fio dental na vida.

Marcelo             … gente que nunca passou um fio dental na vida, então são coisas que a gente entregava, ensinava como utilizar e a gente via que aquilo tinha um valor muito grande para eles.

Luciano             Você fez atendimento lá?

Evelyn               É assim, eu fiz alguns atendimentos, foi muito difícil o atendimento.

Luciano             Você não tinha equipamento, você não tinha nada?

Evelyn               Não tinha equipamento, não tinha nada, nós descobrimos uma bolsinha, uma bolsa lá que um certo dentista foi lá…

Marcelo             Há 10 anos atrás.

Evelyn               … há 10 anos, e deixou essa mala…

Marcelo             Uma mala com instrumentais, material.

Evelyn               … e aí eu descobri uma autoclave…

Marcelo             Descobrimos que tinha uma autoclave antiga…

Luciano             O que é autoclave?

Marcelo             Autoclave é o equipamento que se utiliza para esterilizar material.

Evelyn               … e aí eu pedi, limparam todos esses instrumentais, autoclavaram e eu coloquei uma cadeirinha de plástico numa sala e fui selecionando aqueles dentes que estavam piores para fazer extração,  arrancando dente em pé, eles sentados numa cadeirinha…

Marcelo             De plástico.

Evelyn               … de plástico, na janela e fui lá, fui tentando, foi bem difícil para mim, para minha índole, aquela coisa assim tipo…

Luciano             Você arrancou na porrada, não tem… Como é que tira, você levou?

Evelyn               … não, aí o que aconteceu?  Quando eu descobri que tinha esses materiais, ainda tinha uma turma no Brasil que estava indo, aí eu mandei buscar anestésico, agulha, luva, máscara…

Marcelo             Materiais, alguma coisa…

Evelyn               … materiais e aí eu levei e ai…

Marcelo             Como tinha esses instrumentais que é um, literalmente, é um alicate que você arranca o dente, vamos dizer assim resumindo, e umas alavancas que você consegue tirar a raiz do dente, era isso que tinha, não tinha motorzinho do dentista, cadeira de dentista, não tinha nada disso.

Luciano             Vamos fazer um Raio X ?

Evelyn               Eles não sabem nem o que é isso, uma restauração, eles não sabem o que é restauração, eles falavam, eu posso chumbar o dente? Chumbar é uma restauração depois de muito tempo que eu descobri que era uma restauração, que é chumbar o dente, só que lá eles não tiram nem a cárie, tacam material em cima, tipo qualquer, o curativo ou o amálgama, pronto, se vira. E aí eu recebi vários pacientes, várias pessoas com o rosto inchado, com edema, com abcesso, tipo eu não tinha o que fazer, a abertura mínima, alimentação de boca, não tinha o que fazer, até porque eu também não ia meter a mão ali, porque aquele paciente com o rosto todo inchado podia morrer, a única coisa que dava para fazer é medicação…

Marcelo             É, formou o abcesso, uma bolsa de pus ali na região do dente, chega uma situação que está um processo inflamatório, um processo infeccioso ali, se você naquele momento da fase aguda mexer, tem risco de essa infecção se espalhar, se generalizar para uma assepsia…

Luciano             O que acontece com essa pessoa?

Marcelo             … a gente, o que a gente fez? É anti-inflamatório, antibiótico para regredir esse processo inflamatório e depois….

Luciano             Sim, que vai acabar dentro de dois dias e não tem mais.

Evelyn               Dentro de sete dias.

Marcelo             Geralmente até sete dias, dez dias, alguns casos e aí depois o que essa pessoa pode fazer é retirar o dente, porque o certo seria ela fazer um tratamento de canal, mas lá não tem isso, não existe, entendeu?

Evelyn               Então assim, contra os meus princípios, tirei alguns dentes, mas foi assim…

Marcelo             O princípio da odontologia, para as pessoas entenderem, você não é para arrancar o dente, você tem que ao máximo tentar preservar o dente, fazer tratamento de canal, tentar preservar ao máximo aquele dente, só que dentro da realidade que a gente tinha lá, não tinha opção, a pessoa estava morrendo de dor com aquele dente que teria que fazer um tratamento de canal, mas não tem como, não tem material, a opção era tirar, entendeu?

Evelyn               Não tem dentista, não tem médico, eles vão aonde? No curandeiro, lá tem muito essa coisa de curandeiro, tem pessoas que fazem trabalhos que entregam o filho antes de nascer para um espírito…

Marcelo             É tem essa questão de todos os rituais, existe muito essa cultura, existem muitos curandeiros, existem…

Evelyn               Tipo assim, se olhar para você, Luciano, olha Luciano, a gente está discutindo e eu olhar para você e falar “você vai ver, tá?”, isso é uma ameaça, você pode ir até na delegacia fazer uma ocorrência porque isso é uma ameaça.

Luciano             Pode ser que você bota um feitiço em mim…

Marcelo             Exatamente e se acontecer alguma coisa com você, Deus o livre aconteça qualquer coisa…

Evelyn               A culpa é minha.

Marcelo             … a pessoa é acusada, a culpa é da pessoa que colocou uma maldição em mim, então isso é uma questão muito importante lá, eles valorizam muito isso.

Luciano             Jornal, revista, rádio, televisão.

Evelyn               Beira.

Marcelo             É, eles têm televisão via satélite, as pessoas que tem condições de pagar, na cidade da Beira lá tem os jornais e quem pode comprar também compra, então o pastor Gerônimo é professor universitário e  tudo, comprou alguns jornais, eu li, cheguei  a ler, notícias do Brasil…

Evelyn               Tinha notícias do Brasil

Marcelo             … como é país de língua portuguesa eles põem notícias do Brasil, eles se espelham muito no Brasil, país que produz conhecimento, que produz tudo em língua portuguesa que é o maior país é o Brasil, economicamente falando, em volume, é o Brasil, então eles se espelham muito, então eles põem muitas notícias do Brasil, tem alguns programas de acesso a rádio sim, mas é bem limitado mesmo, é igual você falou, é igual o Brasil da década de 60, da década de 70, é aquela realidade, quem tem acesso, as casas, você vê nas casas aquela anteninha do lado de fora, isso é a televisão que eles têm, quem tem condições de pagar, mas não é a realidade.

Luciano             Rádio sim?

Marcelo             Rádio sim.

Luciano             Sim, eu vi…

Evelyn               E agora assim, Luciano, a gente fala assim que Deus realmente protege porque olhando aquelas crianças, olhando aquelas pessoas na situação que eles vivem, é assim… é muito chocante, tipo se fosse no Brasil, um filho seu andar pisar no local daquele descalço, brincar como eles brincam ali, é tudo esgoto, fazer tudo…

Marcelo             Ia estar muito mais doente que a realidade deles.

Evelyn               E eles não.

Luciano             É a resistência, eles se adaptam.

Marcelo             Resistência, eles acabam criando uma adaptação do ambiente.

Evelyn               E agora nós temos vários projetos para 2019.

Marcelo             É, nós falamos aí do João Guilherme que está na barriga, deve nascer em janeiro do ano que vem, aí nós não sabemos como vai ser ainda, alguns contatos por e-mail, WhatsApp desses alunos de medicina, eu vou mandar materiais para eles, a gente ficou de conforme o acesso deles, fazer alguma conversa por Hangout ou com Skype para a gente conseguir passar alguma questão de atendimento, porque realmente, o nosso acesso no Brasil à informação científica é muito grande, a gente tem acesso, eu abro aqui meu celular, leio um artigo que foi publicado ontem e tenho acesso ao tratamento mais atual de câncer de mama, essa é a minha realidade. Lá eles não conseguem ter esse acesso, inclusive eu fiquei até de conseguir livros aqui, de língua portuguesa traduzido científico, aqui no Brasil onde é traduzido tudo para conseguir mandar para eles, livros de medicina que eles não tem lá, alguns poucos que eles tem são em inglês, então esses contatos nós pegamos, esse médico cirurgião que é chefe  lá desse hospital me convidou para quando for para lá operar com eles e ajudar, então temos essas perspectivas, talvez para 2019, colocamos para 2019 como uma meta, se der antes, ótimo, maravilhoso. Eu, na minha cabeça, coloquei três frentes de atendimento assim, como lá em Rondônia a gente tem fazenda, meu pai tem fazenda também, a gente mexe com criação de gado, cria e recria engorda e faz integração lavoura-pecuária com plantio, eu tenho um pouquinho de conhecimento dessa área, tem os técnicos que trabalham com a gente eu sou curioso disso, então eu estudo, eles têm uma área lá da igreja de alguns, quatro ou cinco hectares, que é uma área que eles utilizam, tem algum plantio de abacaxi, tem mandioca, tem uma pequena horta, mas conversando com o pastor, ele quer fazer aquele negócio produzir ali, virar…. eu sugeri, já que eles tem a escola já secundária, da gente buscar um mecanismo de formação técnica já que muita gente mora no interior e trabalha com agricultura, quem ainda produz alguma coisa nos interiores, onde tem alguns plantios, são pequenos, áreas de terra, então tentar montar aí um projeto com eles nessa parte da agropecuária para montar uma formação técnica agrícola, alguma coisa parecida e um modelo sustentável ali para aumentar a produtividade deles para que esses jovens possam ter uma profissão, para que eles possa produzir riqueza. Uma outra frente, na odontologia, para ver se a gente consegue, nessa estrutura da clínica que eles têm onde já tem algumas pequenas casas onde tem o trabalho dos americanos com a questão da desnutrição, questão do HIV, a gente conseguir recursos para a gente montar um consultório odontológico, alguma coisa que dê para melhorar a estrutura em termos da odontologia e com a questão do atendimento médico mesmo, para a gente também conseguir montar um grupo, com melhorar a infraestrutura também e meu objetivo é ver se eu consigo, através dos meus amigos, dos meus colegas médicos, conseguirmos montar um grupo para 2019 a gente conseguir ir com um grupo maior para prestar esse atendimento, prestar atendimento de um pouco mais complexidade, acesso a alguns exames, levar aparelho de ultrassom portátil, porque lá é difícil conseguir acesso aos exames, tentar levar uma equipe para a gente trocar experiência de ensiná-los algumas técnicas mais novas de cirurgia, porque lá só se faz retirada da mama, então são essas frentes aí que nós estamos com o projeto, projeto para voltar para lá.

Luciano             Se a gente quisesse criar um canal aqui que pudesse estabelecer…. um canal de remeter coisas que eles precisam para lá, não quero pegar toma a conta do banco,  deposite dinheiro assim, não, de repente eu não tenho dinheiro mas eu tenho meus livros, eu tenho minhas roupas, eu tenho muita coisa aqui que poderia chegar para lá, como a gente podia fazer para criar um canal que isso acontecesse, será que seria através da igreja batista, do pastor?

Marcelo             É, nós temos esse contato do pastor Rony é uma pessoa que tem esse canal, essa comunicação direta, o pastor Ivan lá do Acre também tem esse canal direto, as pessoas enviam de vez em quando uma mala com roupas, mala com livros, mala com coisas para lá, então a gente consegue, porque tem missionários sempre indo e vindo, essa  parte desse projeto que eu acabei de falar que é uma iniciativa minha, quem quiser entrar em contato, me procurar eu fico á disposição para a gente criar esse canal.

Luciano             Como é que te acha? Vamos botar e-mail aqui ou Facebook.

Marcelo             O Facebook Marcelo Barbisan, tem o Facebook profissional…

Luciano             Barbisan com s?

Marcelo             B A R B I S A N

Luciano             Marcelo Barbisan.

Marcelo             Tem o e-mail, marcelobarbisan@gmail.com estou no Instagran também: Dr Marcelo Barbisan, no Facebook, Instagran e tem meu e-mail, fico à disposição, se a pessoa quiser saber mais detalhes, se quiserem procurar saber como que é o trabalho desenvolvido, quiserem ajudar, participar desse novo projeto que a gente está, nosso intuito foi ir conhecer, aprendemos muito mais do que fomos entregar, apesar que a gratidão das pessoas entrega bastante, como diz meu primo, o Eder, que a gente discutindo esses dias antes de eu ir, falando de Shopenhauer, ele falando que o ato de você fazer algum trabalho voluntário é egoísta, porque você quer se sentir melhor e realmente tem um sentido no que ele fala, não é totalmente isso, mas tem um sentido.

Luciano             Por favor seja egoísta bastante, porque o resultado do teu egoísmo vai dar impacto lá.

Marcelo             Então assim, a gente se sente melhor em estar fazendo um trabalho, então eu falei, se isso vai fazer uma pessoa melhor ou não, eu não sei, o importante é que você está indo e está ajudando, o pastor Gerônimo lá me contou e eu já tinha escutado essa história, é aquela história da estrela do mar e ele contou para mim da tartaruguinha, você está lá andando na praia tem aquele monte de tartaruguinha recém nascida, que acabou de desovar ali, tentando voltar para o mar, muitas delas não conseguem, você vai pegando uma, duas e vai jogado para o mar, aí chega uma pessoa, o que é que você está fazendo, tem milhares aqui você não vai dar conta de tirar essas milhares daqui, essas milhares eu não sei, para essa uma, duas, três que eu joguei, fez toda a diferença, então é isso aí, às vezes o que a pessoa pode ajudar para ela pode não significar muita coisa, mas para aquela pessoa que está recebendo isso vai fazer uma diferença gigantesca e lá faz.

Luciano             Imagino. Evelyn?

Evelyn               Eu também…

Luciano             A Evelyn está meio baleada porque ela pegou uma gripe, eu não sei se é uma gripe moçambicana, deve ser.

Evelyn               Foi, porque como eu tive muito contato com crianças, então as crianças estavam todas muito gripadas, muito então eles fazem questão de vir o tempo inteiro abraçar gente, não tinha como você não abraçar e aí teve um dia à noite que eu cheguei com muita dor no corpo, dor de cabeça, gripe, essas coisas e aí olharam para a minha cara: é malária. Eu só fazia chorar, eu grávida, imagina.

Marcelo             Falei para ela, oito anos no exército, no interior do Acre, você não pegou malária, vai pegar malária em Moçambique?

Evelyn               Mas aí eu vi que era só os sintomas de gripe e voltei bem gripada, mas assim, qualquer ajuda, qualquer coisa que quem puder ajudar, a gente aceita, porque para eles assim é impressionante, no entanto,  Luciano, eu esqueci de te falar aí, que eu, além de dentista, eu dei um curso de culinária.

Luciano             Ensinar a fazer doce?

Marcelo             A Evelyn tem o hobby de fazer docinho gourmet, fez curso disso aqui no Brasil e ensinou, até para elas, muitas delas, aquilo ali virou uma fonte de renda, virou um emprego.

Evelyn               O que foi mais impressionante assim, que eu nunca tinha feito doce no…

Luciano             No forno…

Marcelo             O fogão, na verdade as pessoas não tem gás lá, é carvão.

Evelyn               Carvão.

Marcelo             É carvão, não é aquele fogãozinho a lenha, aquela coisa bonitinha, não, é uma coisa de ferro que você põe o carvão, aquilo ali vira o fogão, então ela teve que se adaptar e se virar lá.

Evelyn               Mas saiu tudo muito bom e elas super agradeceram e então qualquer coisa que a gente faça lá já é muito bom.

Luciano             No texto desse programa aqui você encontra no Portal Café Brasil, vocês vão ver, eu vou publicar várias fotos que eles estão deixando comigo aqui, esses fragmentos de som que vocês ouviram ao longo da entrevista, são coisas que o Marcelo capturou, eu pedi para eles, vê se pega o som, pega o pessoal cantando, manda para cá e a gente está usando aqui ao longo do programa, você vai ouvir também, no texto também a gente vai colocar alguns links para quem quiser fazer o contato mas a mensagem que para mim fica clara nesse final das contas é o seguinte: vocês não são um casal de classe média, morador de São Paulo que, entediados da vida, resolveram fazer uma viagem para a  África par conhecer, vocês saíram de Ji Paraná, vieram lá do interior de Rondônia, você grávida, os dois com duas atividades que fazem sentido,  quer dizer, não foram lá para ver o que está acontecendo, mas foram para botar a mão na massa, acho que por mais que você diga que quem mais tirou vantagem foi você, mas o que você deixou lá, eu imagino que no mínimo o alívio de um dente menos, vocês acabaram deixando, mas acho que o ais importante é continuar essa coisa das conexões, conectando, conectando, conectando, de  repente a gente, nesse programa aqui, vai conseguir fazer uma conexão desse garoto que você conheceu lá, que vai entrar em Skype com você, com alguém que ouviu o programa aqui, vai dizer eu tenho equipamento aqui parado num canto e eu vou dar um jeito de mandar esse equipamento para lá, sei lá, estou falando qualquer bobagem aqui, mas imagino que tenha muita gente querendo ajudar e que não sabe nem por onde começar, não vou mandar um e-mail para a África, mas agora tem um contato que a gente deixou aqui, repete de novo teu e-mail:

Marcelo             marcelobarbisan@gmail.com

Luciano             Tá. O Marcelo não é nenhuma entidade, o Marcelo não é uma organização, o Marcelo é um brasileiro que se coçou para ir lá, evidentemente que ele não vai poder resolver todos os problemas do mundo, mas já tem alguns contatos e talvez a gente pudesse, por meio desses primeiros contatos, estabelecer uma conexão que acabe promovendo mudanças.

Marcelo             Tem essa própria entidade que é a Junta das Missões Mundiais, tem as contas deles, alguns desses programas que estamos programando de colocar como projeto, vão ser vinculados à igreja lá, quem quiser os documentos, inclusive eu peguei outros documentos, então eu quero ajudar a escola secundária, eu quero ajudar a creche, eu quero ajudar, tem documento para isso, são todas instituições sem fins lucrativos mesmo, são liderados por esse casal que eu falei, os americanos ajudam eles, porque é uma questão idônea mesmo, jamais em nenhum momento houve nenhum questionamento disso, da idoneidade deles, esses projetos de implantação, de tudo isso que eu falei, serão direcionados também a essa instituição, se for abrir alguma conta bancária, alguma cois para angariar recursos, jamais eu vou aceitar na minha conta, assim como o pastor Rony também,  a gente conseguiu ai no grupo da confraria angariar os recursos, esses dias aí para ajudar pontualmente essa família lá que eu falei, mas os recursos normalmente são depositados nessas contas que são vinculadas a esse projeto que é vinculado à junta das missões mundiais, vinculada à igreja que é para não ter problemas.

Luciano             Neste país que a gente já não pode mais, ninguém pode abrir a boca, que é o país de todo mundo querendo dar balão em todo mundo, é complicado isso. Eu vou conversar com o Rony agora e vou tentar, no final desse programa aqui, aliás o texto desse programa eu vou, você que está ouvindo a gente aí,  dá uma olhada no texto, tem toda essa nossa conversa que vai estar escrita ali, mas no final eu vou tentar juntar todos os links que eu puder colocar ali para dar acesso a quem quiser fazer qualquer, de novo, vou voltar para aquele exemplo do batom, se você quiser mandar uma caixinha com dez batons lá, imagina o impacto que não vai ser uma bobagem como essa e daí para a frente o céu é o limite. Olha, boa viagem de volta para Ji Paraná, eu acho que vocês deram um passo muito legal abrindo esse caminho aí, talvez mais gente decida acompanhar essa iniciativa de vocês aí, vou ficar super feliz se mais gente for, estou aqui com uma invejinha branca, porque no fim… vou acabar aparecendo lá uma hora dessa, não sei muito… talvez eu vá ensinar alguém a fazer podcast. Mas é o caminho. Obrigado pela visita, vocês estão chegando agora, chegaram ontem a noite de Moçambique, vão embarcar daqui a pouquinho e deram uma passadinha aqui para a gente fazer essa conversa aqui, acho que vai ser legal e vai inspirar bastante gente.

Marcelo             Só deixar a mensagem final, você está falando aí, Luciano, a nossa ideia é tentar inspirar mais pessoas, que você puder fazer para ajudar, ir lá a partir do momento que você está disposto a ir e se dedicar, ajudar qualquer coisa, eu falo, não sei o que eu vou fazer, vou ajudar a ensinar o pessoal a criar podcast, às vezes só de você estar lá e se dispor a fazer alguma coisa, às vezes abraçar uma pessoa, isso já faz muita diferença para elas, eu digo que é o seguinte: é transformador, é uma experiência fantástica, pelo menos para servir de modo egoísta para você se transformar e você modificar para se tornar uma pessoa melhor,  isso é importante. Então se alguém, em algum momento nos ouvindo aqui sentiu um pouquinho incomodado, como você fala lá, deu aquela coceirinha no cérebro, entre em contato com a gente, vamos programar, a gente está com um projeto pra longo prazo, para 2019, então dá tempo de se programar, comprar passagem pagar parcelado, não é fácil para todo mundo, tem gente que vai que a maioria das pessoas que vão lá, as missionárias que estão lá não é gente rica, milionária, pelo contrário, são pessoas que pagam em dez vezes a passagem para poder ir, agora, é transformador, é transformador. Então nós estamos à disposição e nos colocamos aí para esclarecer, se alguém quiser tirar alguma dúvida e vamos que vamos aí, que as conexões se façam cada vez maiores.

Luciano             Legal. Como é que é o nome do bichinho que está aí dentro?

Evelyn               João Guilherme.

Luciano             João Gulherme, então. Marcelo, Evelyn e João Guilherme Barbisan no LíderCast, obrigado a vocês.

 

                                                                                   Transcrição: Mari Camargo