Médicos cubanos – sustos trabalhistas
Luciano Pires -Texto de José Pastore
Li nos jornais que o governo se assustou ao saber que o subterfúgio da “bolsa-formação” a ser usado para remunerar os médicos cubanos não está isento do recolhimento das contribuições previdenciárias. O aviso veio da Secretaria da Receita Federal. O órgão alertou que a importância mensal paga aos médicos constitui salário e, como tal, está sujeita ao recolhimento ao INSS de 11% pelos contratados e de 20% pelo contratante. Para o governo, a despesa mensal subiu de R$ 10 mil para R$ 12 mil por médico.
Como se trata de salário, haverá sobre ele incidência de todos os encargos sociais (FGTS, seguro acidente do trabalho, salário-educação, descanso semanal remunerado, férias, abono, aviso prévio e outros) que somam 102,43% do salário. É isso que diz a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O governo, que previa gastar R$ 511 milhões para contratar 4 mil médicos cubanos por quatro anos, terá de reservar mais de R$ 1 bilhão só para essas despesas. Não estão nessa conta os gastos com transporte e acomodação dos médicos no Brasil, nem tampouco os adicionais por insalubridade e periculosidade a que muitos farão jus.
Há que se considerar ainda que, mais cedo ou mais tarde, os médicos cubanos conhecerão o alcance das nossas leis trabalhistas, que, se não forem cumpridas, detonarão ações judiciais – individuais ou coletivas – com vistas a receberem atrasados e reparar danos morais. Eles saberão que, ao contrário de Cuba, as portas dos tribunais do Brasil estão permanentemente abertas para todos os cidadãos que aqui trabalham. Basta acioná-los.
Por isso, a conta pode subir muito. Todos sabem que, no campo trabalhista, quem paga mal paga duas vezes. Pagamentos realizados por força de sentenças judiciais são sujeitos a elevadas multas e pesada correção monetária.
Suponho que os competentes advogados da União tenham prevenido os nossos governantes sobre os riscos a que estavam submetendo a Nação. Tudo indica, porém, que a urgência para montar um programa eleitoral falou mais alto, e venceu. Agora, o bom senso recomenda fazer provisões para o desfecho, que pode ser desastroso.
Tenho estranhado o silêncio do Ministério Público do Trabalho. Da mesma forma, intriga-me o mutismo das associações de magistrados do trabalho. Mais surpreendente ainda é a indiferença das centrais sindicais, que, sendo contrárias à necessária regularização da terceirização no Brasil, assistem pacificamente a um tipo de contratação que tem tudo do trabalho escravo. Basta lembrar que os médicos cubanos não podem trazer seus familiares; estão impedidos de sair do Brasil; se pedirem asilo, será negado; e ainda têm 70% do seu salário confiscado e remetido ao governo cubano, que nada pode fazer para os brasileiros. Situações mais brandas que essa têm sido denunciadas pelas centrais sindicais como “análogas ao trabalho escravo”. Neste caso, “ouve-se um sonoro silêncio”. Não me deterei nesse aspecto, pois o assunto já foi bastante comentado pela imprensa. Não comentarei tampouco a insinuação de que os recursos que vão para Cuba acabarão voltando para o Brasil – não se sabe para quê.
A minha preocupação está na área trabalhista, porque, a julgar pela conduta rigorosa da Justiça do Trabalho, a conta dessa contratação pode se tornar colossal, o que vai demandar recursos que poderiam ser aplicados na própria solução eficaz do problema da saúde em prazo médio.
Para dizer o mínimo, a fórmula escolhida pelo governo agrediu o interesse nacional. Por mais nobres que sejam os propósitos do Programa Mais Médicos, nada justificava afrontar o nosso ordenamento jurídico de forma tão contundente. Afinal, tudo poderia ser feito seguindo as regras vigentes, como, aliás, ocorre com os médicos que vêm da Argentina, Portugal, Espanha e de outros países que aqui estão para ajudar a aliviar a dor dos brasileiros. Até quando nossos governantes poderão desperdiçar o dinheiro do povo impunemente?
José Pastore é professor de relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração e membro da Academia Paulista de Letras.