
Neurociência, criatividade e modelos de solução de problemas
Luiz Alberto Machado - Iscas Econômicas -Neurociência, criatividade e modelos de solução de problemas
“Nosso cérebro é constituído de três subsistemas (cérebro triúnico): reptiliano, límbico e neocortical. O cérebro reptiliano nos programa para duas coisas importantes: sobrevivência e reprodução. Estes são, naturalmente, nossos instintos mais primários: se não pudéssemos sobreviver e reproduzir, nossa espécie acabaria. O cérebro reptiliano é, portanto, mais influente do que nossos outros dois cérebros. Tendo em vista que a sobrevivência é mais importante em nossa existência do que ‘sentir-se bem’ (sentimento) ou ‘alguma coisa fazer sentido’ (lógica), o cérebro reptiliano sempre domina o emocional e o racional”.
Clotaire Rapaille
Dois dos primeiros ensinamentos que obtive quando passei a me interessar por criatividade, em 1993, por ocasião da primeira ida a Buffalo para participar do CPSI – Creative Problem Solving Institute, realizado nas instalações do campus local da New York State University, foram: (i) não existe pessoa não criativa; todos possuem potencial criativo, cujo desenvolvimento pode ser maior ou menor, dependendo de uma série de fatores, entre os quais a personalidade de cada um e seu próprio esforço em se aprofundar. (ii) para seguir evoluindo no campo da criatividade é indispensável obter noções básicas a respeito da constituição e do funcionamento do cérebro humano.
Por se tratar de tema complexo, com uma literatura técnica repleta de detalhes e expressões capazes de assustar qualquer leigo, preocupei-me, inicialmente, em identificar fontes que fossem acessíveis, me permitissem razoável compreensão e combinassem seriedade e respeitabilidade acadêmica. Destacaram-se, nesse sentido, nomes como Alex Osborn, criador do brainstorming e que aplicou ao mundo dos negócios os conceitos de pensamento divergente e pensamento convergente originalmente descritos por J. P. Guilford, Edward de Bono, Paul Torrance e Clotaire Rapaille.
Foi por meio das obras desses autores que passei a conhecer aspectos básicos do cérebro humano, bem como de sua estreita ligação com a criatividade. Entre os conhecimentos obtidos nessa época, estava o de que o cérebro humano é dividido em dois hemisférios, ligados por um corpo caloso, cada um responsável por determinadas habilidades, como pode ser visto na figura 1.
Figura 1
No que se refere à solução de problemas, há diversas linhas de pesquisa que desenvolvem modelos próprios de solução criativa de problemas. O traço comum a alguns desses modelos é a aceitação da divisão do cérebro humano em dois hemisférios, como visto na figura 1, sendo o esquerdo ligado ao pensamento linear e o direito ao pensamento não linear.
Embora não se trate de uma unanimidade[1], observa-se, principalmente no caso de problemas complexos, que exigem várias etapas para sua solução, que muitos desses processos partem da mesma premissa: buscar primeiro uma grande quantidade de opções, utilizando, para tanto, o pensamento divergente; só então, se preocupar com a escolha da opção mais adequada, utilizando, agora, o pensamento convergente, como pode ser visto na figura 2.
Figura 2
Divergência e convergência
Aplicando as atitudes adequadas de divergência (suspenda o julgamento, não avalie, busque quantidade, aceite todas as ideias, faça combinações, procure novas perspectivas, corra riscos) e convergência (seja específico, não decida rapidamente, evite conclusões prematuras, mantenha o foco no objetivo, desenvolva um senso de julgamento positivo, procure ser equilibrado) a um esquema genérico de solução de problemas teremos, em suas diversas etapas, a alternância entre divergir (foco na quantidade) e convergir (foco na qualidade), como se observa na figura 3.
Figura 3
Esquema de solução de problemas em que se observa a alternância entre os pensamentos divergente e convergente
A fim de permitir uma visão mais detalhada do assunto, seguem-se três exemplos de modelos que adotam a mesma premissa: o Modelo CPS, o Modelo de Pensamento Produtivo Estruturado e o Design Thinking.
O Modelo CPS, também conhecido como Modelo Osborn-Parnes, alterna fases de pensamento divergente e pensamento convergente nas sete etapas do processo (definição de objetivo, coleta de dados, definição do problema, geração de ideias, definição de solução, definição de aceitação e implementação) como pode ser visto na figura 4.
Figura 4
Modelo CPS (ou Osborn-Parnes)
Também se insere nessa trajetória o modelo desenvolvido por Tim Hurson, autor de Pense melhor. Admitindo a divisão do cérebro entre hemisférios esquerdo e direito e, sobretudo, as noções de pensamentos convergente e divergente, Hurson propõe a denominação de Modelo de Pensamento Produtivo Estruturado (figura 5) , constituído de seis etapas (o que está havendo?, o que é sucesso?, qual é a pergunta?, gerar respostas, forjar a solução e alinhar recursos). Se bem aplicado, trata-se de um excelente modelo para explicar o impacto da forma de pensar das pessoas no mundo corporativo, ou seja, no empreendedorismo e na inovação.
Figura 5
Modelo de Pensamento Produtivo Estruturado (MPPE)
De acordo com Hurson, quem faz uso, exclusiva ou predominantemente, do hemisfério esquerdo do cérebro emprega o que ele chama de pensamento reprodutivo, o que permite apenas a adaptação de produtos já existentes, no que pode ser chamado de aperfeiçoamento incremental – que os japoneses denominam de kaizen. Para que ocorra a inovação propriamente dita, com o surgimento de produtos completamente diferentes dos pré-existentes, na direção da mudança de paradigma concebida por Thomas Kuhn, é indispensável o uso do pensamento produtivo, decorrente do emprego exclusivo ou predominante do hemisfério direito do cérebro.
O Design Thinking começou a ser usado por Robert McKim em seu livro Experiences in Visual Thinking, como forma de levar o pensamento usado por designers para outras áreas de conhecimento. Com o tempo, essa abordagem foi se popularizando e conquistando mais adeptos, em razão dos bons resultados alcançados.
O Design Thinking (figura 6) também segue o princípio da anterioridade da quantidade à qualidade em suas seis etapas (imersão preliminar, imersão profunda, síntese e análise de dados, ideação, prototipação e testes). Sendo assim, recomenda-se que em cada etapa, inicialmente, apliquem-se práticas de pensamento divergente com o objetivo de gerar o maior número possível de opções. Só num segundo momento adotam-se atitudes típicas do pensamento convergente para escolher a opção mais adequada.
Figura 6
Etapas do Design Thinking
Mais do que uma metodologia composta por rígidos passos pré-definidos, o Design Thinking se constitui numa abordagem que incentiva o trabalho multidisciplinar, a troca de experiências, valoriza os diferentes pontos de vista e a diversidade dentro das equipes de trabalho.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências
CREATIVE EDUCATION FOUNDATION. The creative process. Buffalo, NY: C.E.F. Press, 1993.
DE BONO, Edward. Criatividade levada a sério: como gerar ideias produtivas através do pensamento lateral. Tradução de Nivaldo Montigelli Jr. Supervisão técnica de Gisela Kassoy. São Paulo: Pioneira, 1994.
HURSON, Tim. Pense melhor: um guia pioneiro sobre o pensamento produtivo. Tradução e adaptação de Beth Honorato. São Paulo: DVS Editora, 2008.
McKIM, Robert. Experiences in visual thinking. Second edition. USA: Cengage Learning, 1980.
MOREIRA, Bruna Ruschel. Guia prático de design thinking: aprenda 50 ferramentas para criar produtos e serviços inovadores. E.book. Edição da autora, 2018.
OSBORN, Alex F. O poder criador da mente: Princípios e processos do pensamento criador e do “brainstorming”. Tradução de Jacy Monteiro. São Paulo: IBRASA, 1975.
RAPAILLE, Clotaire. O código cultural: por que somos tão diferentes na forma de viver, comprar e amar? Tradução de Tom Venetianer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
TORRANCE, Paul. Creativity – just wanting to know. Pretoria, South Africa: Benedic Books, 1995.
[1] Edward de Bono chamou atenção para o risco envolvido em levar ao exagero essa divisão entre hemisfério esquerdo e hemisfério direito. No livro Criatividade levada a sério, afirma: “A simplicidade geográfica de hemisfério direito/hemisfério esquerdo tornou essa divisão muito atraente – ao ponto de quase haver um racismo hemisférico: ‘Ele usa demais o hemisfério esquerdo…’; ‘Precisamos para isto de uma pessoa com mais hemisfério direito…’; ‘Nós a contratamos para trazer um pouco de hemisfério direito para essa questão…’. Embora a notação esquerdo/direito tenha algum valor para indicar que nem todo pensamento é linear ou simbólico, a questão tem sido exagerada ao ponto de ser perigosa e limitadora, causando grandes danos à causa da criatividade. […] O hemisfério direito pode permitir uma visão mais holística, ao invés de construir as coisas ponto por ponto. Tudo isso tem valor, mas quando chegamos ao envolvimento da criatividade na mudança de conceitos e percepções, não temos opção a não ser usar também o hemisfério esquerdo, porque é lá que são formados e alojados os conceitos e as percepções. É possível ver quais partes do cérebro estão funcionando em determinado momento por meio de um exame TEP (Tomografia de Emissão Positiva). Pequenos lampejos de radiação, captados em filme, mostram a atividade. Parece claro que, quando uma pessoa está empenhada em pensamento criativo, ambos os hemisférios estão ativos ao mesmo tempo, como seria de se esperar”.