Tempos contemporâneos
Luiz Alberto Machado - Iscas Econômicas -Tempos contemporâneos
Novos horizontes e campos de ação na economia
“O governo chinês priorizou a Economia Criativa no último Plano Quinquenal e está fazendo um esforço enorme para transformar a etiqueta ‘Made in China’ em ‘Design by China’”.
Lídia Goldenstein
Qualquer pessoa tem coisas fortemente registradas em sua memória, que incluem momentos, músicas, filmes, livros, lugares. Obviamente, não escapo a essa regra. Um dos meus filmes inesquecíveis é Tempos modernos, do genial Charlie Chaplin. Pensei muito nele ao escolher o título deste artigo. Mas, na última hora, acabei substituindo modernos por contemporâneos, por acreditar que os temas que abordarei daqui em diante combinam muito mais com essa expressão do que com modernos. Apenas um detalhe, mas julguei importante mencionar.
Quando decidi escrevê-lo?
Minutos antes de iniciar minha palestra no segundo dia da Semana de Economia Criativa, evento promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, realizado em São Paulo, de 13 a 16 de setembro, para o qual tive a honra de ser convidado.
Por trás da denominação Economia Criativa, o evento abordou, em suas diferentes sessões, uma série de temas que só passaram a ser discutidos publicamente há pouco tempo, entre os quais Nova Economia, Economia Colaborativa ou Compartilhada, Economia Solidária, Cidades Criativas, além de alguns outros que já vêm sendo objeto de discussão há mais tempo, como Criatividade, Empreendedorismo e Inovação.
A proposta do evento era reunir alguns dos principais players da Economia Criativa do País, abordando as tendências mais relevantes sobre mídia, tecnologia e inovação na era do empoderamento nas redes sociais. Nessa perspectiva, cada dia focalizou um tema específico: Dia 13 – Negócios Disruptivos e Nova Economia; Dia 14 – Criatividade, Inovação e Competitividade; Dia 15 – Mídia Lab; e Dia 16 – Moda, Novos Comportamentos e Novas Regiões Criativas.
Embora minha participação tenha ocorrido apenas no dia 14, procurei estar presente à maior parte do evento, dado o meu elevado interesse pelo tema geral e por diversos dos assuntos nele abordados.
Vale, de início, elogiar a iniciativa do jornal O Estado de S. Paulo e dos demais patrocinadores a apoiadores do evento. Não poderia ser mais oportuno num momento em que o Brasil atravessa uma de suas maiores crises e carece de novos caminhos que possam contribuir para a retomada do crescimento econômico e da geração de novas oportunidades de emprego e renda.
Por esse ângulo, o evento teve alguns momentos excelentes, em especial quando foram focalizadas algumas das principais tendências contemporâneas, o que ocorreu com mais frequência nos dois primeiros dias. A meu juízo, merece destaque especial a apresentação de Reinaldo Roveri Filho, da Stratica Consultoria em Gestão Empresarial, que se ateve à importância da inovação, quer disruptiva, que implica em mudança de paradigmas, quer incremental, que implica em aperfeiçoamento constante, que os japoneses chamam de kaizen, num mundo altamente competitivo em que emergem novas mega tendências (figura 1). Considerando o que foi discutido no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em janeiro deste ano, Roveri mencionou como característica básica da mudança em curso, que vem sendo rotulada de “Quarta Revolução Industrial” ou de “Indústria 4.0”, a promoção da fusão de tecnologias, desmanchando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas. Essa fusão estimula a inteligência artificial, a robótica, a impressão 3D, os drones, a nanotecnologia, a biotecnologia, a estocagem de grandes volumes de dados e energia (Big Data), os veículos autônomos, os novos materiais, a Internet das coisas etc.
Figura 1 – Possibilidades de transformação de uma ideia criativa em inovação
Outro aspecto amplamente focalizado em diversas sessões do evento foi o da Economia Compartilhada, também conhecida como Economia Colaborativa, com vários exemplos de sua crescente utilização nos dias atuais, entre os quais as plataformas Airbnb (que conecta ofertadores a demandadores de hospedagem) e Uber (que conecta motoristas particulares a passageiros). Não há dúvida de que sua vertiginosa expansão só foi possível graças ao aumento explosivo de aparelhos portáteis conectados à Internet. Facebook, WhatsApp, Snapchat, Twitter e Instagram passaram a desempenhar papel crucial na interação dos cidadãos em todo o mundo.
Se esses foram os pontos fortes do evento, não posso deixar de realçar um aspecto em que, em minha opinião, a Semana de Economia Criativa deixou a desejar. No esforço de abranger e relacionar temas tão variados, o principal deles – Economia Criativa – acabou sendo focalizado de forma limitada e, até certo ponto, reducionista. Não apenas por ter deixado de lado segmentos importantíssimos como Arquitetura, Design, Games, Cinema, Animação, Rádio e TV e Gastronomia, mas também por ter enfatizado excessivamente os micro e pequenos negócios, dando a impressão – em especial àqueles que estavam tendo o primeiro contato com o tema – de que a Economia Criativa é uma espécie de atividade marginal, que engloba apenas negócios de reduzida capacidade de agregação de valor. Reconheço que a inclusão social é um dos vetores da Economia Criativa, assim como a sustentabilidade, a diversidade cultural e a inovação, de acordo com o Plano Nacional da Economia Criativa. Nesse sentido, é importante dar espaço para micro e pequenos negócios nas áreas de Moda, Artesanato, Entretenimento e Propaganda e Publicidade, como foi feito no evento. Mas a não inclusão na programação de eventos de grande porte que também fazem parte da Economia Criativa me causou certa frustração. Seria ótimo se a programação da semana de Economia Criativa contasse também com produtores de teatro, festivais de música, eventos gastronômicos, exposições e outros que são potenciais geradores de emprego e renda.
Essa mesma impressão ficou na sessão destinada às Regiões Criativas. A cidade de São Paulo, que dificilmente atrai visitantes por conta de suas belezas naturais, é um excelente exemplo de como a Economia Criativa pode contribuir para tornar atraente uma localidade destituída de belezas naturais. Afinal, São Paulo reúne os dois elementos fundamentais de uma Cidade Criativa: equipamentos e eventos ou atividades. Não basta ter equipamentos (espaços físicos), se não houver com que ocupá-los. Assim como não adianta ter (ou trazer) grandes atrações, se não houver espaços adequados para elas se apresentarem. Cada vez mais, São Paulo se destaca por possuir as duas coisas e, graças a essa combinação, atrai uma quantidade crescente de visitantes, do Brasil e do exterior, que ficam impressionados diante da fabulosa oferta de shows, teatros, cinemas, museus, galerias de arte, centros culturais, restaurantes, mercados, feiras, exposições, shopping centers e outros tipos de espaços e eventos que atendem a todo tipo de público, de maior ou menor poder aquisitivo. Essa extraordinária potencialidade da cidade de São Paulo, decorrente da Economia Criativa, deixou de ser explorada na programação da Semana de Economia Criativa. Prevaleceu, uma vez mais, a noção de que a Economia Criativa não passa de um conjunto de atividades marginais, secundárias do ponto de vista macroeconômico, algo underground, suficiente apenas para produzir uma ou outra política de inclusão social. Deixou passar a chance de mostrar a Economia Criativa com potencial para transformar o setor em uma locomotiva do desenvolvimento, a exemplo do que já ocorreu em diversas regiões dos Estados Unidos após a grave crise econômica que teve origem no sistema hipotecário em 2008/2009. Richard Florida, um dos mais reconhecidos especialistas da Economia Criativa apresenta uma série de exemplos dessa natureza no livro O grande recomeço.
Fiz questão de mencionar esses aspectos, pois, como afirmei logo no início, achei a iniciativa super oportuna e espero que ela se repita em novas edições. Tais observações podem, eventualmente, contribuir para o aperfeiçoamento de edições futuras, permitindo uma compreensão maior e melhor da Economia Criativa e de seu fantástico potencial.
Eventuais novas edições da Semana de Economia Criativa servirão também para compensar o descaso e a descontinuidade com que nossas autoridades governamentais têm tratado a Economia Criativa, por não conseguirem enxergar como ela poderia ser importante para superar as dificuldades enfrentadas pelo País, por nossos estados e por nossas cidades.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Recomendações e indicações bibliográficas
CHRISTENSEN, Clayton M. O dilema da inovação. Tradução de Edna Emi Onoe Veiga. São Paulo: Makron Books, 2001.
FLORIDA, Richard. O grande recomeço: as mudanças no estilo de vida e de trabalho que podem levar à prosperidade pós-crise. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
GOLDENSTEIN, Lídia (coordenadora). Regeneração urbana através da cultura funciona? Publicado pelo British Council (Série Investigando Políticas), 2014.
_______________ Novas direções na formulação de políticas para a economia criativa. Publicado pelo British Council (Série Investigando Políticas), 2014.
_______________ Qual o papel do design na política de inovação? Publicado pelo British Council (Série Investigando Políticas), 2014.
LEITÃO, Cláudia e MACHADO, Ana Flávia (organizadoras). Por um Brasil Criativo: significados, desafios e perspectivas da economia criativa brasileira. Minas Gerais: BDMG Cultural, 2016.
MIRSHAWKA, Victor. Economia criativa: fonte de novos empregos. São Paulo: DVS, 2016.
NEWBIGIN, John. A Economia Criativa: Um Guia Introdutório. Tradução de Diana Marcela Rey e João Loureiro. Publicado pelo British Council (Série Economia Criativa e Cultural), 2010.
PLANO da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014. Brasília: Ministério da Cultura, 2012.
Recomendações e indicações webgráficas
CINTRA, Marco Antonio Macedo. A crise econômica mundial e a quarta Revolução Industrial. Disponível em http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/a-crise-economica-mundial-e-a-quarta-revolucao-industrial.
LEITÃO, Cláudia. “Economia criativa não tem carreira meteórica”. Disponível em https://www.ideafixa.com/economia-criativa-nao-tem-carreira-meteorica/.
Indicação cinematográfica
Tempos modernos
Direção: Charlie Chaplin
Gênero: Comédia/Drama
Elenco: Charlie Chaplin. Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Sandford, Chester Conklin
Música: Deniss Gilbert
Ano de produção: 1936