Trivium: Capítulo 3 – Função da Gramática (parte 7)
Alexandre Gomes - Iscas Conhecimento -A função fundamental da Gramática é ESTABELECER LEIS para RELACIONAR SÍMBOLOS de modo a expressar um PENSAMENTO.
Uma frase expressa um pensamento de várias formas:
- numa declaração,
- numa pergunta,
- numa ordem,
- num desejo,
- numa prece, ou…
- numa exclamação!
Para poder expressar tudo isso, usamos palavras que representam coisas (materiais e/ou imateriais), elas são SÍMBOLOS CATEGOREMÁTICOS. E a maneira de relacionar tais palavras entre si, para expressar algum pensamento, é através de outro tipo de palavras, que são os SÍMBOLOS SINCATEGOREMÁTICOS que relacionam as as substâncias (símbolos categoremáticos).
As REGRAS para relacionar símbolos regem TRÊS operações gramaticais:
a) substituir símbolos equivalentes,
b) combinar símbolos,
c) separar símbolos.
- REGRAS PARA SUBSTITUIÇÃO:
- Expansão:
a) Todo nome próprio é conversível em uma descrição empírica. ex.: José Bonifácio = principal ministro e amigo de D. Pedro I = tutor de D. Pedro II = fundador do Brasil.
b) Todo nome comum é conversível numa descrição geral. ex.: gato = animal pequeno, peludo, com garras afiadas, bigodes e que mia.
c) Uma palavra pode ser estendida numa frase, um grupo de palavras. ex.: horseshoe (ferradura) = a shoe for a horse (um calçado para um cavalo); planalto = plano alto.
Mas aqui temos um probleminha. Nem todas as palavras compostas podem ser estendidas SEM mudança de significado. E quando se trata da língua portuguesa, é a maioria. Perceba que a versão estendida de “planalto” foi meio que uma forçada de barra. Veja outros exemplos de extensões que corrompem o sentido original da palavra.
wallflower (tímido, invisível) não pode ser “a flower on the wall” (uma flor na parede), e para deixar as coisas mais divertidas, wallflower também é o nome de uma flor específica: goivo-amarelo;
cantochão não é um canto no chão, mas um canto (música) litúrgico da Igreja Católica, no sentido de “plano igual”.
d) um sintagma pode ser expandido numa oração ou grupo de orações. ex.: este relógio = este objeto é um relógio; céu nublado = o céu está nublado.
2. Contração:
a) Teoricamente, toda descrição empírica pode ser CONVERTIDA em um nome próprio. O “teoricamente” é porque não temos nomes próprios para todos os objetos existentes.
b) Teoricamente, toda descrição geral pode ser CONVERTIDA em um nome comum. ex.: uma corrente violenta, estrondosa e rápida = torrente; andar com passos firmes e cadenciados = marcha.
c) Uma frase pode ser CONTRAÍDA numa palavra. ex.: homem que vende = vendedor, luz da lua = luar.
A Contração e a Expansão são artifícios determinantes do estilo (de escrita) e de seus efeitos. Em uma narrativa, expandir símbolos equivalentes pode aumentar a expectativa do leitor, já uma contração pode criar a sensação de velocidade, rapidez.
Perceba uma coisa: livros de suspense ou terror, em momentos de tensão, geralmente passam a detalhar bem mais o cenário, ou a movimentação dos personagens. Ou ainda, para quem conhece o escritor Howard Philips Lovecraft, e suas descrições longas e confusas. Veja um exemplo, do conto O Chamado de Cthulhu:
“Parecia uma espécie de monstro, ou símbolo representando um monstro, cuja forma só poderia ter sido concebida por uma fantasia mórbida. Se digo que minha imaginação um tanto extravagante forjou imagens simultâneas de um polvo, um dragão e uma caricatura humana, não estarei sendo infiel ao espírito da coisa. Uma cabeça carnuda e tentaculada coroava um corpo grotesco, coberto de escamas, com asas rudimentares, mas era o contorno geral do conjunto que o tornava mais aterrorizante.”
A contração também caracteriza a linguagem dirigida para adultos, a expansão é característica mais comum na linguagem dirigida para crianças.
- REGRAS PARA COMBINAÇÃO DE SÍMBOLOS:
Há cinco meios de combinação de símbolos:
- palavras gramaticais: são palavras de operações sincategoremáticas: a pura cópula, verbos auxiliares, conjunções, preposições, determinativos. Eles são os mais importantes meios de relacionar palavras numa frase. SÃO INDISPENSÁVEIS EM QUALQUER LÍNGUA.
- as flexões têm a mesma função das palavras gramaticais. ex.: bélico (bellum) é uma terminação flexionada que pode ser substituída por “para guerra”, pois expressa a mesma ideia, só que por palavras gramaticais
- A ordem das palavras é muito importante numa língua pouco flexionada como o inglês… hã, imagino que você está se perguntando o que eu quero dizer com “flexionada”, certo? Bom, vamos comparar frases/exemplos em línguas distintas!
“She gave me a pencil.” (voz ativa)
(ela me deu um lápis)
“A pencil was given to me by her.” (voz passiva)
(um lápis foi dado a mim por ela)
“I was given a pencil by her.” (voz pseudo passiva)
(idem acima)
“To me was given a pencil by her.” (voz pseudo passiva)
(ibidem letra b)
Uma tradução “literal” das frases “c” e “d” é quase sem sentido, pois a ideia de tornar a palavra “pencil”, antes (a) objeto direto, para (b) sujeito, se repete nas frases “c” e “d”, Logo, a tradução para o Português (uma língua mais flexionada).
- A ênfase é força relativa com que um som é pronunciado, é um MEIO de expressar as relações das palavras. Este caso tem maior importância na linguagem falada. Veja:
A frase: “ele era meu amigo” pode ter vários sentidos só por conta da ênfase.
-
- ELE (e não outro) era meu amigo.
- Ele ERA (não é mais) meu amigo.
- Ele era MEU AMIGO (e não outra coisa).
Até a entonação nas sílabas pode mudar o sentido da palavra. Veja mais esse outro exemplo na frase a seguir:
“Eu almoço o almoço”.
Graficamente as palavras são idênticas, mas você lê assim:
“Eu almóço o almôço”
- Entonação é o uso controlado do tom de voz e uma outra maneira de expressar as relações das palavras. O melhor exemplo que conheço de como a entonação pode mudar o sentido objetivo das palavras é o discurso de Marco Antônio na peça de Shakespeare Júlio César. Segue um trecho:
“Mas Bruto diz que ele (César) era ambicioso. E Bruto é um homem muito honrado!”
As palavras escritas são de elogio e respeito à Bruto, mas se você ouvir o discurso irá ficar querendo enforcar Bruto pelo crime que cometeu. A cena toda, com o discurso de Bruto, seguido pelo discurso de Marco Antônio pode ser visto no link abaixo. Quem interpreta Marco Antônio é Marlon Brando, Bruto é personificado por James Mason. Infelizmente não achei uma versão dublada em português, mas o poder da entonação fica evidente mesmo em inglês.
https://www.youtube.com/watch?v=rATfCBic3AE
Nenhuma língua pode prescindir das palavras gramaticais. Nenhuma língua pode valer-se EXCLUSIVAMENTE da ordem das palavras, da ênfase, da entonação.
A língua inglesa depende principalmente da ordem das palavras e das palavras gramaticais. A língua portuguesa, igual ao Latim, se assenta principalmente na flexão. Mesmo assim, todas usam os recursos acima descritos.
- PONTUAÇÃO ORAL:
As marcas de pontuação estão para a linguagem escrita assim como a prosódia*, a ênfase e algumas formas de entonação estão para a linguagem falada.
* PROSÓDIA: boa pronúncia, estudo da acentuação vocabular.
Note que uma passagem lida com prosódia grotesca, ou seja, com métodos errados de combinação e separação, torna-se quase sem sentido. Veja este incrível exemplo do inglês:
“He said that that that that that sentence contains is a definitive”
Entendeu? hahahahahahahaha… Vou tentar de novo, brincando com espaços e grifos.
“He said that – that “THAT” that that sentence contains is a definitive”
Agora, com a tradução e grifos, para ajudar a relacionar os “that”s.
“Ele disse que – aquele “QUE” que aquela sentença contém é um determinativo”
Se você não muda a entonação, não faz pausas nos momentos certos (prosódia), a frase em inglês acima não terá sentido algum!
Uma vez que as línguas são imperfeitas por obra de sua EXTREMA RIQUEZA DE SIGNIFICADOS, o problema da Gramática é interpretar a página escrita. A linguagem FALADA é esclarecida por quem a fala e a pontua oralmente.
Os estudantes falham na expressão, ao falar ou escrever, pelo mesmo motivo que falham na impressão, ao ouvir ou ler. Qual é o erro deles?
Eles não entendem, ou não aplicam, as regras da Gramática que devem guiar TODO aquele que escreve, lê, fala e ouve.