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Cafezinho 645 – O velho comunista
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Entao! Vamos começar de forma doce? Com a Perfetto que faz sorvetes!

Se você já foi no blog da Perfectto em perfetto.com.br, lembrando que esse perfetto tem dois tês, sncontrou, por exemplo o picolé Maxxi Fragola, um sorvete cremoso de morango no palito, com cobertura crocante de chocolate branco e pedaços de morangos liofilizados. Sabor especial, que irá te surpreender. E o novo picolé Strondo Love Story? É sorvete cremoso de morango com cobertura especial de chocolate ao leite.

Huuuummmmm….

Com sorvete #TudoéPerfetto

A “Internet das Coisas” é um termo que nasceu no final dos anos 90, para tratar de uma revolução tecnológica que conectará os itens usados no dia a dia. Eletrodomésticos, meios de transporte, tênis, roupas e até maçanetas conectadas à Internet e a outros dispositivos, como computadores e smartphones, vão mudar nosso jeito de ser, fazendo com que os mundos físico e digital tornem-se um só.

A velocidade e segurança dessas conexões será papel do 5G, a quinta geração das redes móveis, que vem sendo desenvolvida desde os anos 2000, para ser a sucessora da rede 4G. O 5G está chegando para mudar o mundo.

E a Motorola larga na frente com os primeiros 5G do Brasil – Motorola Edge e Motorola Edge +. E também com os primeiros aparelhos do segmento intermediário a permitir esse tipo de conexão, o Moto g 5G Plus e Moto g 5G, linha “G” da Motorola.

A Motorola coloca o 5G em suas mãos. Para saber mais, acesse motorola.com.br.

Marinheiro só
Folclore popular
Caetano Veloso

Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da bahia
Marinheiro só
De são salvador
Marinheiro só
Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só

Todo de branco
Marinheiro só
Com o seu bonezinho
Marinheiro só

Ô, marinheiro marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só

Ah, que delícia, cara… Clementina de Jesus com o clássico do folclore popular adaptado por Caetano Veloso, Marinheiro só.

Não tinha como começar o programa de hoje com outra música, não é?

Um recado para os navegantes. Em 2015 lançamos o podcast LíderCast, com a intenção de conversar livremente, sem roteiro, com gente que faz acontecer. Já são 216 conversas publicadas, algumas delas memoráveis, registros de pessoas que conseguem impactar o mundo com sua força, criatividade, persistência e inteligência. Lançamos os episódios por temporadas, experimentando uma forma de produzir e distribuir que fosse um diferencial sobre as opções de podcasts existentes no mercado. Olha! Foi legal, são cinco anos, gerou diversas ideias, fomos copiados e até o nome LíderCast foi surrupiado por um aí, cara… E agora mudaremos o esquema, o LìderCast passa a sair sempre que um convidado interessante surgir. Não é mais por temporada, tá? E a periodicidade vai ser irregular irregular, vamos ver como será.

E quem inaugura a nova fase é ninguém menos que Amyr Klink.

Bom dia, boa tarde, boa noite. Você está no Café Brasil e eu sou o Luciano Pires.

Posso entrar?

Então… o LíderCast passa agora a ser um especial do Café Brasil, com periodicidade indefinida. Sai um episódio sempre que recebermos um convidado legal. E o programa passa a ser lançado também dentro do Feed do Café Brasil, ampliando assim o seu alcance. Para começar com o pé direito, trazemos Amyr Klink. Escritor, palestrante, empresário e navegador brasileiro que em 1984 realizou a façanha de cruzar o oceano Atlântico num barco a remo.  Há tempos eu planejava esta conversa, que foi extremamente nutritiva. A começar pela abertura.

Há tempos eu planejava essa conversa que foi extremamente nutritiva. A começar pela abertura. Eu estava ali regulando o equipamento e pedi ao Amir “ô meu! Fala alguma coisa aí”. E ele começou….

Amyr: Esse instante no qual, pela primeira vez, me entrou pela retina sua silhueta provocante e fina como um punhal…

Luciano: de novo!

Amyr: Agora que te tenho em minhas mãos e sei que os teus nervos te enfeixam em meus dedos…

(trecho do poema O Ciúme, de Guilherme de ALmeida)

Ali já deu pra sacar o que vinha pela frente. Vamos à conversa? Mas antes….

“Fala Luciano. Boa tarde, bom dia ou boa noite, eu escuto o Café Brasil já há alguns anos, né? Gosto muito do conteúdo e cara! Simplesmente assim… também sou seu fã e agradeço muito pelo fato de você contribuir com o fato da gente procurar uma melhora, né? Melhorar a nossa inteligência, enfim, nossas capacidades, vamos falar assim. E contigo e com o Café Brasil eu tenho certeza que eu também melhorei.

Mas na verdade, eu estou aqui pra te agradecer pelo… acabei de escutar o último podcast de 2020, com o Rocket Man. Com a música do Elton John e pôxa, que já é por si uma música incrível e muito legal ter conhecido toda essa história que você contou sobre a música, inclusive por tentar ajudar  um amigo seu, né? Um colega do Café Brasil, né? Mas o que me tocou assim, profundamente, foi que eu estava viajando na letra e na sua explicação e tudo mais e no final tu vem e coloca uma versão do Maynard James Keenan, eu sou muito fã de Tool, muito fã de Perfect Circle, já tive oportunidade de ver um show deles, mas ainda não do Tool, né?

E enfim, cara! Fiquei extasiado de ver essa versão que eu não conhecia e por mais isso te agradeço, né? Além de tudo, o conteúdo sobre filosofia, a gente consegue ainda crescer com os aspectos musicais aí que tu trabalha. Muito obrigado, tá, cara?

Um abraço e longa vida aí!”

Esse foi o Vicente Zanata, gaúcho que mora em São Paulo. Olha! Eu sabia que aquele Maynard James Keenan ia pegar uns ouvintes pelo coração, rararara. Fico muito feliz quando as pessoas sacam essas referências. O cara é especial, multi talentoso e.. não é pra todos os gostos. Mas a versão dele é sensacional. #tamojunto!

Muito bem. O Vicente receberá um KIT DKT, com alguns dos principais produtos PRUDENCE, como géis lubrificantes e preservativos masculinos. Basta enviar o seu endereço para contato@lucianopires.com.br.

A DKT distribui a maior linha de preservativos do mercado, com a marca Prudence, além de outros produtos como os anticonceptivos intrauterinos Andalan, géis lubrificantes, estimuladores, coletor menstrual descartável e lenços umedecidos. Mas o que realmente marca na DKT é a sua causa de reverter grande parte de seus lucros para projetos nas regiões mais carentes do planeta. A DKT trabalha para evitar gravidez indesejada, infecções sexualmente transmissíveis e a AIDS. Ao comprar um produto Prudence, Sutra ou Andalan você está ajudando nessa missão!

facebook.com/dktbrasil.

Vamos lá então!

Luciano – Lalá, o que é que existe entre o céu e o mar?

Lalá – Ah, a certeza de que tem de usar Prudence, né? Aí você viaja tranquilo.

Luciano: Muito bem, mais um Lídercast. Esse daqui é daqueles de tietagem, figura que está diante de mim aqui. Eu sou fã… aliás, quem não é? E eu sempre começo o programa com três perguntas que são as básicas, as únicas que você não pode chutar. O resto você chuta à vontade. Essas três, não, tem que ser na linha. Preciso saber o seu nome, a sua idade e o que você faz.

Amyr: Meu nome é Amyr Klink, tenho 65 anos e eu construo viagens.

Luciano: Constrói viagens, cara? Você nasceu onde, Amyr?

Amyr: Eu nasci em São Paulo. Morei muitos anos em Paraty, hoje eu tenho os meus negócios lá. Mas o nosso escritório hoje é aqui em São Paulo. E a gente se dedica a resolver problemas sobre a água, de barcos a casas flutuantes, marinas, estruturas flutuantes. Eu gosto muito de mexer com tudo que está ligado à água.

Luciano: Sim. Você tem irmãos?

Amyr: Eu tenho um irmão mais novo e tenho duas irmãs mais novinhas, gemas, que também moram aqui em São Paulo.

Luciano: Deixe-me investigar um pouquinho da sua origem. O que teu pai e a tua mãe faziam, cara?

Amyr: Eles não nasceram no Brasil. Minha mãe nasceu na Suécia, meu pai nasceu no Líbano, morou muitos anos na parte oriental da Pérsia.

Luciano: O Amyr vem do pai e o Klink da mãe? É isso?

Amyr: Não. O Klink, por incrível que pareça, é árabe, mas é um nome árabe muito pouco…

Luciano: Conhecido.

Amyr: Pouco comum. Mas tem um [inint] [00:10:47] no Líbano, tem ramo grande de Klink lá. E eles se apaixonaram pelo Brasil. Se conheceram aqui no Brasil, em Campos do Jordão, lá em um hotel que se chamava Rancho Alegre. E eu compreendi, depois de muito tempo, que eles eram muito mais brasileiros do que todos os meus amigos que nasceram aqui. Eles eram brasileiros de verdade porque eles adotaram o Brasil com o coração.

Luciano: Isso aí.

Amyr: Você é brasileiro porque você nasceu aqui. É muito fácil. Não é patriotismo nenhum levantar a bandeira do Brasil. Mas eles abraçaram o Brasil com a alma. E é um tipo de patriotismo que eu respeito muito.

Luciano: É uma escolha. Isso é legal.

Amyr: É uma escolha.

Luciano: Eles vieram aqui por quê?Fugidos de guerra? Como imigrantes? Como é que…

Amyr: O meu pai já tinha uma irmã casada aqui e o marido dela acabou morrendo e ela já tinha negócios aqui, tinha uma indústria têxtil, ela que doou o terreno daquela escola Saint Paul no Jardim Paulistano. Ela era bem estabelecida aqui. E ele acabou vindo durante a guerra. O navio dele sofreu um ataque de um submarino alemão e ele ficou preso no Porto do Recife, no navio, acho que durante seis meses. E tinha uma trupe da Comédie-Française a bordo, bailarinas, então…

Luciano: Que história, bicho.

Amyr: Ele deve ter adorado, porque ele ficou preso com um monte de bailarinas durante meses em um navio. E ele adorou o Brasil, a cachaça, o feijão, a música. Ele gostava muito de atirar, então era um cara muito bom de competição, de tiro, de atirar em discos [de bala]. Eu nunca gostei de arma, essas coisas, não herdei isso dele. Mas ele se encantou pelo Brasil. E aí ele teve um acidente em um pequeno avião. Entre Rio de Janeiro e Ubatuba, mais ou menos, o avião caiu na Barra Grande, lá em São Gonçalo onde tinha uma comunidade do Cambaré ali. Cambaré era um italiano que era confidente do Duce, do Mussolini. E era dono de uma fazenda muito grande que envolvia várias praias: São Gonçalo, Taquari. E ele tinha uma comunidade lá que se chama Fraternidade Branca do Arcanjo Mikael. Arcanjo Gabriel, perdão, que existe até hoje. E ele caiu exatamente no meio dessa comunidade isolada do mundo. Não tinha estrada para chegar lá. E o avião do amigo dele quebrou o trem de pouso e ele resolveu consertar para tentar decolar, então ficou lá um mês e meio. Enquanto isso, meu pai alugou uma mula e foi para uma trilha dar em Paraty, que era uma cidade perdida no tempo. Paraty era tão pobre, tão pobre na época…

Luciano: Que ano era isso? Você está falando de quê?

Amyr: 1950, 48, 50. E que as pessoas davam as casas com escritura do registro de imóveis só para não ter a vergonha de ver a casa cair. E aí ele comprou muita terra em Paraty. Comprou 18 fazendas. E ele só comprava terra que tinha documento, face norte, praias com face norte e nascentes de água. Ele tinha fixação com água. E a gente passou a vida inteira meio que escravizado por isso, porque ele comprava, mas ele não queria produzir nada. E eu quando cresci falei: “Pai, nós temos que derrubar mata, produzir, plantar banana, plantar cana, feijão, mandioca, fumo”. E ele: “Não, eu quero as nascentes de água”. Depois que ele morreu que eu entendi que ele tinha essa fixação ecológica, que ainda não existia a palavra ‘ecologia’, ‘sustentabilidade’. Ele tinha essa fixação com…

Luciano: Manter o ambiente…

Amyr: E a floresta As árvores. Ele falava: “Se algum cachorro cortar uma árvore, eu corto as mãos dele”.

Luciano: Que legal, cara. Que interessante.

Amyr: Ele era um homem violento.

Luciano: Só a história do seu pai dá um livro, cara.

Amyr: Muito diferente da minha mãe. Minha mãe era uma artista, completamente artista, desprovida de qualquer espécie de valores materiais. Então você imagina, meu pai, só em Paraty, tinha 18 fazendas, centenas de funcionários e não sei o quê. E, para a minha mãe, ele dava um salário mínimo. “Meus empregados vivem com um salário, você também vai viver”. E minha mãe achava aquilo divertido. Aí ele comprava algum apartamento em São Paulo, no Guarujá, minha mãe… a primeira coisa que ela ia fazer lá era cortar o forro das cortinas para fazer roupa para gente, porque ele não dava dinheiro para comprar roupa.

Luciano: Cara, que coisa impressionante.

Amyr: Ela ia ao mercado de peixe e pedia as cabeças dos peixes. Brasileiro é meio burro em gastronomia, desperdiça muita comida porque tem muita fartura. Então as mulheres no mercado mandavam limpar o camarão porque não sabem limpar camarão. E minha mãe pedia para o… ela ficava amiga dos peixeiros e pedia as cabeças de garoupa, robalo, cabeças de camarão. E aí ela fazia bisques maravilhosos. Só cozinhava com restos porque o meu ai não dava dinheiro.

Luciano: Você acha que essa fixação do seu pai na água colou em você?

Amyr: Acho que não, porque o problema dele era água doce. E ele nem nadar… eu acho que ele não sabia nadar.

Luciano: Ele não curtia água que ele comprava?

Amyr: Não.

Luciano: Ele não curtia?

Amyr: Não.

Luciano: Ele não ia lá ficar no rio?

Amyr: Ele teve um barquinho em Paraty que só quebrava, não sei o quê. Ele gostava de farra, de mulheres, bebidas, contatos de pessoas importantes. Ele morou muitos anos nos Emirados Árabes, fez relações com sauditas, com sheiks sauditas. Ele era um homem extremamente carismático para fazer relacionamento, mas era uma pessoa extremamente difícil, era um cara extremamente inteligente e nada empreendedor. Então ele comprava coisas e…

Luciano: E deixava lá.

Amyr: E deixava. Deixava. Nunca construiu nada.

Luciano: Como que era o teu apelido quando você era pequeno?

Amyr: Eu não tinha apelido, ele me chamava de ‘grandão’. Falava: “Grandão, venha cá”, porque para ele o primeiro filho era o filho importante. Os outros não serviam para muita coisa. Eu acho que os meus irmãos [sofreram].

Luciano: O que o grandão queria ser quando crescesse?

Amyr: Em árabe, você se identifica como pai como pai do primeiro filho, então o nome dele não era Jamil. O nome dele era Abu Amyr, ele se chamava Abu Amyr, “eu sou o pai do Amyr”.

Luciano: Interessante.

Amyr: O primeiro filho é o legado que importa.

Luciano: Isso é um choque cultural para nós aqui no Brasil.

Amyr: A gente teve muitas dificuldades com ele, porque ele foi sócio do irmão da Evita Perón. Importava material depois da Guerra dos Estados Unidos, não sei o quê. E aí ele ficou muito comovido com a situação dos judeus que não tinham um país. E eles tiveram uma ideia genial: comprar uma fazenda de 500 mil hectares em Foz do Iguaçu, em três sócios, e fundar o Estado de Israel no Paraná.

Luciano: Isso dá um livro.

Amyr: Eles compraram a fazenda, houve uma briga entre os sócios. Sabotaram o avião quando ele estava indo para Foz do Iguaçu, ele caiu em Vila Velha. Pegou pneumonia e, no hospital, ele foi com armas delicadamente convidado a desistir do negócio. Quando fundaram o Estado de Israel…

Luciano: Ele sobreviveu da segunda queda? Ele caiu duas vezes de avião?

Amyr: Caiu. Só que ele pegou pneumonia. E aí a partir do momento em que Osvaldo Aranha dá o voto decisivo na constituição do Estado de Israel, ele virou um antissemita ferrenho. Então muitos dos meus amigos na escola eram judeus. Meu melhor amigo Bráulio Pasmanik. O dia em que ele… “Como é o seu nome?” Ele falou: “Bráulio” “Bráulio de quê?” “Pasmanik”. Ele olhou e falou assim: “Você deve ser o único judeu que presta”. Então ele era assim.

Luciano: Por que essa virada, cara? O cara que queria trazer os judeus para o Brasil vira de repente…? Politicamente? Era uma questão política?

Amyr: Uma questão… não sei, de credo pessoal. Ele era um homem de altíssima… ele detestava pretos, por exemplo. Ele não tolerava africanos. Não tolerava. E eu falei: “Pai, eu olho para uma pessoa, eu não vejo cor”. “Cachorros ocuparam o nosso…” Porque a França ocupou o Líbano e não pôs soldados franceses, eles colocaram soldados africanos. E, para ele, africano era um traidor. Todo negro era um traidor. Então ele… e era difícil para caramba, porque se um cara entrasse em um restaurante de boné, ele tirava o revólver e botava o cara para fora. É uma falta de respeito entrar em um restaurante de chapéu. Você vai em qualquer restaurante hoje, é fogo, os caras entram de camisa regata.

Luciano: Sim. O seu pai ficaria louco, enlouquecido.

Amyr: Se um cara entrasse em um restaurante de camisa regata, sandália ou de chapéu, ele botava para fora a tiros.

Luciano: Você deve ter passado…

Amyr: Então a gente morria de medo.

Luciano: Um constrangimento…

Amyr: Dele. Mas olhando culturamente hoje, havia certa coerência, embora ele fosse altamente racista. Tinha uma razão que eu não discuto se está certa ou errada, mas a gente aprendeu a conviver com isso. Então era uma pessoa muito difícil. E ele tinha um poder impressionante, ele tinha uma voz muito grossa. E eu tinha voz fininha na escola, tinha gente que me chamava de “fala fina”, não sei o quê. E ele tinha o poder da oratória. Em um discurso, ele era capaz de derrubar cem pessoas no chão, porque ele era muito culto e muito contundente, até violento no modo de falar. Ele conseguia derrubar uma pessoa com discurso.

Luciano: Como que é crescer na sombra de uma figura tão forte assim, cara?

Amyr: Então, acho que foi isso que me levou para… eu sabia que, qualquer coisa que eu pedisse para ele, ele diria “não”. Se eu quisesse fazer alguma coisa, uma viagem, construir alguma coisa, começar um negócio, eu teria que fazer escondido e teria que ter sucesso. E eu só poderia informar a ele se tivesse voltado vivo, inteiro ou se desse certo. Então, sem perceber, eu acho que isso foi uma escola para mim de fazer acontecer. Saía de casa, preferia não informar, porque se eu fosse pedir uma autorização para ele, pedir dinheiro, pedir “Posso…” Ele sempre ia dizer não.

Luciano: Quer dizer, você tinha que se virar. “Eu tenho que me virar e fazer acontecer”. O que o grandão queria ser quando crescesse?

Amyr: Eu nunca imaginei que seria… eu queria muito viajar, porque meu pai contava histórias incríveis dos países onde ele morou, das coisas que ele tinha feito. E eu não conhecia nada além de São Paulo, Paraty e Paraibuna.

Luciano: Ele não via em você uma projeção da continuidade dele, do futuro?

Amyr: Não, ele queria que eu fosse diplomata. Eu sempre tive dedos finos, braços anormalmente compridos e pernas compridas. Ele olhava muito o aspecto do orador, então ele achava que eu tinha que me dedicar à diplomacia, não sei o quê. Mas eu não falava inglês, não falava francês. Ele falava seis, sete línguas. E, sem querer, eu fui empurrando indiretamente. Eu decidi que eu queria ser fluente em francês. Ele falava francês muito bem, mas com um sotaque árabe, que é feio. “Bonjour, mes amis”. [Inint] [00:24:01]. Sabe? Um francês árabe.

Luciano: Sei.

Amyr: Gramaticalmente impecável, mas com sotaque horrível. Eu resolvi estudar francês. Depois eu resolvi que queria ser fluente em inglês. Depois resolvi que queria ser fluente em espanhol. “Não tenho nenhum amigo brasileiro que saiba falar espanhol”. A gente chuta, entende, mas a gente não é entendida. E a história do francês foi muito importante, porque, pela primeira vez, eu fui reprovado em um curso, curso da Universidade de Nancy, que a Aliança Francesa ministrava aqui em São Paulo. Eu tinha facilidade na escola. Eu sempre tirava 10 em tudo e passava sempre com 5. Os últimos dois meses na escola eu matava. Então eu tirava 10 até garantir que passava em cada matéria e, nos últimos meses, eu tomava pau em tudo. E sempre passei de ano, nunca… e no francês eu tomei pau em literatura francesa. Terceiro ano do curso de Nancy, tomei pau duas vezes. Fiz duas vezes o curso. E aí me encheu o saco, falei: “Não quero mais saber de literatura, detesto literatura, literatos intelectuais. Danem-se todos”. E aí eu frequentava a livraria francesa na Barão de Itapetininga. Aliás, como eu descobri o mundo da vela foi engraçado. Eu descobri com um cara meio comunista, o Caio Prado Júnior, grande socialista, escritor. O Caio era o filho dele que montou a Editora Brasiliense, foi uma editora de referência onde nasceu Luís Schwarcz, da Companhia das Letras. Eu estava um dia em Paraty, no Morro do Forte, e eu vejo um veleirinho, um catamaranzinho, um [robiquete] 14 de um cara completamente louco. Baita de um sudoeste soprando e tinha um louco no meio do sudoeste. Todo mundo procurando amarrar os barcos, se proteger do vento, um mar demoníaco, e esse cara velejando compulsivamente, indo para Ilha da Bexiga, voltando. Eu fui falar com ele e ficamos amigos. Ele era um cara mais velho do que eu. Eu devia ter, sei lá, 17 anos ou alguma coisa assim. Ele falou: “Quando você vier para São Paulo, passa no meu escritório onde eu trabalho, vou te mostrar”. Aí eu fui na Barão de Itapetininga, acho que era 98, não lembro o número. E aí eu vejo o prédio, Edifício Caio Prado Júnior. Falei: “Está louco”. Caio Graco. Aí falei: “Tenho um amigo que trabalha aqui. Caio Graco”. Tinha um senhorzinho de gravata borboleta, camisa branca, suspensório preto.

Luciano: É o filho do homem.

Amyr: Ele falou: “Ah, sim. Nosso Presidente”. Eu falei: “Cacilda, o ara é presidente desse prédio”. Aí falei: “Paciência Agora dane-se, já estou aqui”. Aí ele me levou para a livraria francesa. E, na livraria francesa, foi a época em que eu estava de saco cheio de literatura, não sei o que, eu descobri uma coleção que se chamava [inint] [00:27:32], “Mar e Aventuras”. Maravilhosa a coleção. Relatos de viagens espetaculares, a passagem de Noroeste, a passagem de Solitário, ou de Nordeste, do [inint] [00:27:44], as primeiras expedições para o Polo Norte, a polêmica do [inint] [00:27:49], a polêmica do Cook no Polo Norte que falseou a viagem dele. Os livros, além de aventuras incríveis, eram textos literariamente muito bem escritos, ao contrário da maioria dos textos de aventura em português ou mesmo em inglês. A qualidade do texto é ruim. E os textos eram maravilhosos. O livro do [inint] [00:28:20] que mudou a rança. Os americanos se inspiravam no Jack Kerouac, que escreve mal para caramba. Maconheiro, não sei o quê. [Rota 66] de Harley. E os franceses se inspiravam nos caras que faziam barco no quintal e saíam para uma volta ao mundo sozinhos. Eram coisas muito mais autênticas, experiências autênticas.

Luciano: Até esse momento, para você, o barco… embora você estivesse lá em Paraty, barco não significa nada para você?

Amyr: Nada. Eu não sabia a diferença de um barco e uma banheira.

Luciano: Que idade você tinha? 17?

Amyr: Eu tinha… eu comecei a me interessar pelas canoas com 12, 13 anos, mas por uma questão pessoal. Eu nunca gostei de futebol e com… acho que 12, 13 anos, eu comprei uma canoinha de um pescador chamado Iraci. Ele tinha uma [baleeira] muito bonita chamada Janaína. E para ir da Praia do Pontal até a [baleeira], uns cem metros da onde ficava fundeada a [baleeira] da Janaína, ele usava uma canoinha que era batizada de Max, se chamava Max. E eu era apaixonado pela canoinha dele porque era muito leve, era uma canoa de cedro rosa. Hoje você vai preso se…

Luciano: Se fizer uma dessa.

Amyr: Se fizer uma dessa. Acho que eu tinha 11anos. E aí apareceu um tio, um irmão da minha mãe, tio Guna, e eu pedi dinheiro emprestado. Não tinha coragem de pedir dinheiro para o meu pai, nunca tive. E eu pedi para ele se ele me emprestava não lembro quantos cruzeiros. E comprei a Janaína do Iraci. Com a Max, eu saía pela Baía de Paraty e, de repente, eu ficava assustado com o sucesso que a canoa fazia, porque eu chegava à Praia Vermelha, sei lá, a Mamanguá, Saco de Paraty Mirim, eu chegava com a canoinha e os velhos pescadores: “Você está em uma canoa de Mané Santos. Essa canoa é feitio de Mané Santos”. É como se você estivesse com uma…

Luciano: Um luthier. Um instrumento de um luthier famoso.

Amyr: Isso. Exatamente. E, cada lugar que eu ia, na Praia Grande, onde tinha uma comunidade de pesca: “Essa canoa é do Mané Santos”. Mas não era que era do Mané Santos, era o feitio, o estilo, o design do Mané. E aí eu comecei a descobrir a riqueza dessa história do design dos barcos que nenhum intelectual brasileiro nunca reconheceu. A gente ficava se inspirando no jazz dos americanos, mas a gente não… era um patrimônio cultural completamente moribundo.

Luciano: Que, na verdade, foi o que levou os caras a descobrirem o mundo. Através do design de… deixe-me fazer uma pergunta, uma curiosidade aqui. Carro não tem nome, avião não tem nome, motocicleta não tem nome. Por que barco tem nome, cara?

Amyr: Porque a gente vive dentro de um barco, a gente se reproduz, a gente se emociona. A gente pode entrar em um barco e não sair nunca mais, pode passar o resto da vida. E hoje eu tenho uma marina com algumas centenas barcos e tem algumas dezenas de clientes que moram dentro do barco. É legal isso que você falou. O barco é uma casa para qual a gente dá nome. Aliás, em inglês, dizem que barco é sempre ‘she’. Feminino.

Luciano: ‘She’. Ela.

Amyr: Ela.

Luciano: Que interessante. Eu assisto alguns vídeos do pessoal que mora em barco, contando a decisão de largar tudo o que tinha aqui em terra firme para se mudar e morar dentro de um barco.

Amyr: Tem um cara que tem um podcast, #SAL, e ele faz um baita sucesso morando em barco. Encontrei-o recentemente.

Luciano: Mas aí, meu caro, você acaba se interessando pela questão do barco. Você chegou a ver nisso uma carreira?

Amyr: Não, nunca imaginei. Eu comecei pelos livros. Eu gostava de falar que, se eu continuasse em Paraty, eu teria hoje cracas nas canelas de tanto andar na beira da praia. Mas beira da praia não é mar. O brasileiro gosta de praia, não gosta de mar. Você vai ao Rio de Janeiro, em um sábado de Sol, de leste, de [inint] [00:32:55], e não tem nenhum veleiro. Ninguém veleja, ninguém gosta de mar. O pessoal gosta da praia. E eu detesto praia, detesto areia, areia entra na bunda, aí enche o saco. E Paraty tinha uma condição muito diferente. Tinha uma cumplicidade com o mar, o mar entra nas ruas. Eu andava de canoa na rua em Paraty, na rua da minha casa, porque a cidade foi projetada para que a maré entrasse nas ruas para limpar a rua do comércio, porque não tinha esgoto no Brasil Colônia. Então Paraty tinha uma comunhão com o mar absolutamente única. E não é que nós, brasileiros, preservamos o patrimônio histórico ou arquitetônico. Nada disso. Paraty escapou de ser destruída, de estar entupida de predinhos, pseudo Niemeyer, essas porcarias de concreto nojento que a gente faz para cima e para baixo, porque…

Luciano: Estava isolada.

Amyr: Estava isolada. Não tinha acesso. Se tivesse uma escada que contornasse a Baía do Mamanguá, toda a Baía da Ilha Grande, tudo aquilo teria sido uma… Cidade Ocian, Caraguatatuba. Então, o crescimento urbano brasileiro é uma coisa que…

Luciano: É caótico.

Amyr: É caótico, totalmente caótico. Então a gente…

Luciano: Fale-me uma coisa, quando é que começa a pintar em você essa ideia de “vou me lançar ao mar”?

Amyr: Primeiro quando…

Luciano: Não, não, espere aí. Antes disso. Antes de você ir para o mar. Que história é essa de fixação em pular muro, cara?

Amyr: Não sei. Eu sempre gostei de…

Luciano: Você contou uma história uma vez que eu li e falei… “Não posso [ver] um muro. Meu negócio é pular muro. Eu adorava pular muro. Não podia ver m muro que eu queria saltar o muro”. Eu li isso uma vez e falei: “Cara, mas…” O que é isso?

Amyr: Infelizmente ainda continuo… com 65 anos não era para ficar pulando muro. Recentemente, eu montei uma geodésica no quintal de casa e estava em cima do muro. Uma geodésica grande. Eu gosto muito da matemática, da filosofia geodésica, do Buckminster Fuller, só que eu gosto de fazer as coisas. Os americanos fazem aquelas geodésicas porcamente feitas, com tubo amassado. Eu gosto de fazer coisas bem feitas. E eu a monto sozinho. Eu monto uma geodésica de 15 metros de altura em menos de uma semana sozinho. E eu tinha montado uma geodésica no quintal de casa gigantesca e tinha uma árvore chamada Espatódia, que estava soltando aquelas flores laranjas em cima e não sei o quê. Eu não sei por que eu resolvi cortar o galho… a Espatódia estava na rua, mas uma bruta Espatódia. Botei uma escada de bombeiro e estava em cima da árvore quando o galho da Espatódia quebrou. E a minha mulher tinha acabado de colocar no muro de casa, a gente mora em uma casa aqui em Moema, ela tinha colocado aqueles trilhos de espeto, sabe, para ninguém pular muro.

Luciano: Para ninguém pular muro. Sim.

Amyr: E eu ia cair de peito em cima…

Luciano: Meu Deus do Céu.

Amyr: Ia morrer de uma maneira completamente escandalosa. E aí, no ar, eu pulo para a geodésica para tentar me agarrar a, sei lá, quatro, cinco metros do chão, e tirei do lugar os dois ombros. Caí no meio da grama, no chão. Era Dia dos Pais, foi no ano retrasado, no Dia dos Pais. Aí estava sobrinho, um monte de sobrinho pequeno em casa. E eles: “Tio Amyr morreu, tio Amyr morreu”, porque eu caí junto com o galho.

Luciano: Quebrou a geodésica também ou não?

Amyr: Não, a geodésica é tubos de alumínio. Mas com o meu peso, sei lá, 70, 80 quilos, não segura. E aí os dois braços. Quando eu caí no chão, eu estava com os dois braços fora do lugar. Aí a Marina me levou a um hospital. Eu lembro que quando estava vivo o Rolim, uma vez… eu já não era novinho, já tinha mais de… sei lá, 50 e poucos anos, 55, sei lá. E eu conheci o Rolim de muito tempo, de antes da TAM.

Luciano: De Transportes Aéreos Marilienses?

Amyr: É. De andar de moto, porque ele sempre gostava de moto, não sei o quê. E aí uma vez ele me arrumou… eu tinha entortado um disco de freio de uma moto velha, e ele me arrumou um disco novo, me deu de presente. Aí ele mudou para uma casa, eu acho que no Brooklin Velho, não sei, casa bonita. Aí ele já estava rico, já era presidente da TAM. Mas continuou sempre um amigo… ia encher o saco no estaleiro, a gente ia beber pinga. E ele falou: “Gostou da minha casa nova?” Estava a mulher dele, a Noemi. E eu falei: “Comandante, essa casa é uma porcaria. Qualquer vagabunda entra aqui”. “Como assim?” Aí eu falei: “Olha só”. Eu estava com a moto, parei a moto… não quis entrar, parei a moto na frente da casa dele. Eu saí no portão e tinha uma espécie de decoração, aqueles cobogós, aquelas peças de três arquitetos brasileiros que têm muito em Brasília. E aquilo é um troco que…

Luciano: É uma escada.

Amyr: Parecia aqueles negócios, aqueles muros de escalada. Era um convite para pular puro. E aí eu falei: “Comandante, cona até trinta”. Aí ele começou a contar. Quando deu trinta, eu já tinha subido o muro e descido do outro lado. Falei: “Bom, está aqui”. E ele ficou assustado, a mulher dele ficou. “Poxa vida”.

Luciano: Ele não chamou a atenção [de uma vez]. Fale-me desse… o chamado do mar, cara. Como que você resolve que… você falou, isso não era para você uma carreira. Era um hobby. Começou com os barcos e tudo mais. Você nunca enxergou que você ia trabalhar com isso, que o seu futuro ia ser no mar. Como que pinta esse chamado? Como que é essa coisa?

Amyr: Começou com os livros. Primeiro essa história do Caio Graco foi muito marcante para mim porque fiquei apaixonado pela livraria francesa, pela [Noemi], a gerente da livraria. E aí ela começava… me ligava e falava: “Amyr, saiu um livro maravilhoso do Moitessier. Você já leu ‘O Longo Caminho’, agora tem um novo livro em francês”. E foi através dos livros, até o dia que me cai nas mãos o livro de um francês, um maluco chamado Gérard d’Aboville que atravessa o Atlântico Norte. E superfrancês. Francês é meio sarrista, se autodeprecia. Perguntaram para ele: “Para que serviu atravessar o Atlântico?” Falou: “Para porra nenhuma. Para nada”. Em nenhum momento ele usa a palavra ‘aventura’, ‘minha aventura’. Não. Ele fala: “Essa porcaria de oceano me enchendo o saco na frente, resolvi ver o que tem do outro lado”. Então ele escreve um livro superseco, mas tão seco que a emoção está na omissão do humor, da emoção. O livro é emocionante porque você sabe que ele deve ter sofrido. E aí eu fiquei intrigado com…

Luciano: Lembra o nome do livro?

Amyr: Chama “L’Atlantique à bout de bras”, o Atlântico na Ponta dos Braços.

Luciano: Isso não saiu em português?

Amyr: Não. Infelizmente… tentei várias vezes. Eu tenho hoje vários livros que fizeram sucesso com Companhia das Letras, mas nunca consegui convencer uma editora a… mas eu consegui convencer os meus editores a publicarem toda a série dos livros… você leu, livros do [inint] [00:41:06], das expedições polares, do Apsley Cherry-Garrard.

Luciano: “A Pior Viagem do Mundo”.

Amyr: Sim. Do Alfred Lansing, que conta, de maneira… talvez é quem melhor conta a história do Shackleton, melhor do que o próprio Shackleton. Não sei se você viu o filme original, porque o Shackleton… James Caird era um dos botinhos que você viu em Nova York. Nessa exposição, esse botinho era o nome de um dos patrocinadores. Ele tinha três botinhos. Stancomb-Wills, James Caird e não lembro o nome do outro. Eram os nomes dos patrocinadores.

Luciano: A história é inacreditável.

Amyr: E o argumento dele é que ele iria fazer um filme, porque ele leva um dos maiores fotógrafos. [Hurley], que é o cara que fotografa.

Luciano: Que é o que é fascinante, porque você tem a história dele toda registrada. Está tudo lá em fotografias. E tem fotos que são maravilhosas. Tem fotos que são obra de arte.

Amyr: O objetivo dele era fazer um filme, um filme de… olha a loucura, de ficção. E esse filme foi feito. No final, ele foi obrigado a fazer. Depois da epopeia toda, de passar quase três anos náufrago e salvar os homens, ele faz o filme. Eu vi esse filme na Antártica, a bordo de um navio que a gente encontrou lá. Convidaram-nos para ver o filme. “Você já viu, Amyr, o filme original?” Falei: “Não, o original não”. Pois é, ele faz. E o filme original é um filme de ficção onde um velhinho, comandante de navio conta para um menininho a epopeia que eles passaram em uma… e o filme é de ficção, só que…

Luciano: Com imagens reais.

Amyr: Com imagens reais de uma história que supera milhão de vezes a ficção. É muito legal.

Luciano: Sim, sim. Tem coisas da história do Shackleton que não cabem em um relato real. Quando você conta, você fala: “Cara, espera. Os caras saíram daqui, chegaram até ali nessas condições”. Fala: “Cara, tem mil chances de dar errado”. Aquela travessia da ilha, quando os três fazem a travessia da ilha, cara, aquilo é muito impressionante.

Amyr: Então, esse ano, quando eu voltei da Antártica, eu parei o barco nas Falkland. E quem aparece lá era o Schurmann, o Vilfredo Schurmann. O barco novo deles, um tanque de guerra. Tomaram uma surra no mar, quebrou um monte de coisa. E eles foram, acho, contratados, eu não sei, para levar um grupo de brasileiros para refazer a viagem do Shackleton. E convidaram o Bareta, que é um cara experiente em Antártica, convidaram o Fabio Tozzi, que foi comigo umas seis, sete vezes para a Antártica. E isso foi em janeiro, auge do verão, tudo quietinho. O Shackleton atravessou em maio, de abril para maio, a pior parte do início do inverno. Não tinha mais efeméride. As efemérides deles já estavam vencidas, venciam em maio. Então a altura de estrelas não valeria mais nada. Eles estavam a dois anos e meio sem trocar de roupa. Eles estavam todos pretos, com a pele preta da gordura, de tanto ficar perto do foco. Quer dizer, com roupas oleosas, molhadas com água salgada. E esse grupo de brasileiros não conseguiu.

Luciano: [Todos com] botinas com Goretex.

Amyr: Com Goretex. Isso. Bora Goretex.

Luciano: Tudo bonitinho com GPS, tudo em mão.

Amyr: Casaco.

Luciano: E eles tentaram a travessia da ilha? Foi isso?

Amyr: Tentaram atravessar da [inint] [00:44:55], onde o chefe chegou com… eram em seis. Aí ele divide o grupo de novo, deixa três para trás de novo. Já tinha deixado vinte e dois na Antártica. Na Ilha Elefante. Aí ele deixa três para trás e, com mais dois, ele atravessa sem poder dormir. E aí uma hora eles estavam tão exaustos que ele falava: “Bom, se a gente dormir, a gente vai morrer porque a gente está hipotérmico”. E aí eles falam: “Mas, boss, chefe, a gente precisa dormir”. Aí eles sentavam, ele contava até cem, esperava os caras caírem em sono profundo e aí ele os chutava e falava: “Pronto, vocês já dormiram duas horas”. E eles acreditavam que tinham dormido. E assim ele foi.

Luciano: Para quem não sabe a história aqui, o Shackleton foi para a Antártida para fazer… o Shackleton ficou preso no gelo, ficou dois anos preso no gelo. E, no desespero, sem conseguir…

Amyr: Perdendo um navio.

Luciano: Perdeu. Sim. O navio foi esmagado no gelo, tudo, mas não foi isso. Bom, não importa. No desespero eles saem, pegam um barquinho minúsculo que é o James Caird e tentam navegar na direção de uma ilha. Foi a Ilha Elefante? Eu não lembro qual foi a ilha.

Amyr: George do Sul.

Luciano: George do Sul, que era uma agulha em um palheiro. E eles fazem a viagem na pior condição possível, se orientando pelas estrelas. Bom, não havia chance nenhuma de chegar. E eles chegam, só que eles chegam do lado contrário da ilha.

Amyr: Que nunca tinha sido atravessada por nenhum alpinista no mundo.

Luciano: Exatamente.

Amyr: Já havia relatos de várias expedições que tentaram atravessar, alpinistas profissionais que tentaram atravessar e não conseguiram.

Luciano: E, do outro lado, tinha uma estação baleeira. Eles chegam do lado contrário, então eles têm que passar de um lado para outro. Só que, entre um lado e outro, são montanhas altíssimas.

Amyr: Uma candeia de montanha.

Luciano: Então uma cadeia de montanha que não é você… eles tinham que escalar montanha. E eu lembro que, quando eu li o relato, que chega em um momento que fala: “Cara, daqui não vai, nós não vamos conseguir. A única forma é se atirar”. E eles se jogam, escorregando na lateral da montanha.

Amyr: Fazendo skibunda até…

Luciano: Exatamente. E conseguem chegar na… e ele recupera todo mundo. Que história fabulosa. Mas vamos voltar. Como é que foi esse chamado do mar, cara?

Amyr: E aí esse relato do francês eu achei maravilhoso, mas eu não entendia. Eu falei: “Cacilda, o cara chegou com os ombros triangulares de músculo e as perninhas finas que nem palito de fósforo”. Eu falei: “Caramba, por que você não tinha um assento… por que o cara não tinha um assento deslizante?” Para remar como eu remei. Eu remei seis anos na USP, na raia olímpica da USP. No remo olímpico, 60% da força da remada vêm das pernas, porque o teu pé fica preso em um finca-pés e a bunda fica em um carrinho com rodinhas. O cara remou em um banco fixo, só usou o braço, tronco e braço. E aí começa a acontecer uma sequência de coincidências engraçadas e, sem querer, de repente eu estou desenhando uma rota no Atlântico Sul. E aí eu crio coragem um dia e vou procurar o D’Aboville. Juntei todo o dinheiro que eu tinha e fui procurá-lo na França. E aí ele me recebeu super… ele já era uma figura altamente…

Luciano: Celebridade.

Amyr: Era uma celebridade altamente popular. Ficou Ministro… não lembro o cargo, dos negócios de [inint] [00:48:25], não sei o quê. E ele me recebe super bem. E aí eu pergunto para ele: “Por que você não tinha um assento deslizante que nem no remo olímpico?” Ele falou: “Por que você não me ligou antes, seu cretino?” E aí eu me vejo envolvido com o projeto. E aí eu tinha o livro dele, eu levei o livro para ele assinar. E aí ele assina no livro: [inint] [00:48:54]. Para Amyr, que vencerá. Esse livro eu tenho até hoje.

Luciano: Que legal.

Amyr: E aí a história aconteceu. Aí eu começo a construir o barco no Rio de Janeiro. Mas não era o que eu queria fazer, porque o meu desejo de verdade era um dia tentar fazer um veleiro para conhecer a Antártica. Mas eu não tinha grana para fazer um veleiro, mas para fazer um barquinho à remo, caramba, não é tão caro. De madeira. Fiz em madeira laminada no Rio de Janeiro.

Luciano: Você contou para as pessoas o que você pretendia fazer?

Amyr: Então, a primeira vez que eu contei para um amigo do remo, a reação era sempre a mesma: “Que isso? Você está louco? Está fugindo do quê?” E era uma época onde, financeiramente, eu estava muito enrascado. Meu pai já não cuidava das coisas e eu estava tentando pagar as dívidas. E tinha executivo fiscal, tinha oficial de justiça na porta de casa. Eu estava de saco cheio. Eu queria fazer as minhas coisas e não ficar cuidando das dívidas do meu pai. Na verdade, fazer o projeto do barquinho à remo, de uma travessia que ninguém tinha feito, era, na verdade, uma espécie de…

Luciano: Fuga.

Amyr: De fuga. Isso mesmo. Era quase uma fuga. Esse amigo judeu lá… eu fiquei, no fundo, muito mais amigo do pai dele. O pai dele se chama Jayme Pasmanik. E, nessa época, eu tive um problema de um executivo fiscal monstruoso do meu pai, que não tinha pago impostos. E eu consegui pagar e liberar todos os bens com o dinheiro emprestado do pai desse amigo. O Jayme tinha uma fábrica de confecção feminina que chamava Core, de roupa feminina. Eu acho que nem existe mais, mas era um negócio grande. Ele era um cara… e ele gostava muito de mim. Ele me tratava com muita deferência, como se eu fosse um filho. E ele falou um dia: “Se um dia seu pai morrer, eu serei o seu pai”.

Luciano: Legal.

Amyr: E ele me emprestou dinheiro. Eu tive um problema monstro, não consegui, na última hora, pagar. Meu pai queria assinar uma permuta para uma área que tinham desapropriado dele. Na última hora, ele falou: “Não compro o que é meu”. Eu falei: “Pai, mas nós vamos perder tudo”. E aí, nessa época, eu estava devendo… e eu não consegui pagar o Jayme um ano depois. E aí eu tive que pedir empréstimo no banco francês e italiano, acho, ou francês e brasileiro, não lembro. E eu fiquei alguns anos devendo dinheiro em banco. Quando o Jayme soube que eu ia fazer a travessia, eu tinha contado para o filho dele um dia, ele falou: “Amyr, do que você está fugindo?” Ele achava que eu estava querendo me matar de uma maneira heroica, sei lá. Ele falou: “Quanto você precisa?” Eu falei: “Seu Jayme, não preciso. Eu vou pagar o banco”. Então muitos amigos acharam que era mesmo uma fuga. Mas, na verdade, era mesmo uma fuga, mas não uma fuga por nada. Era a vontade de fazer alguma coisa real e não de ficar vendo na televisão as viagens dos outros.

Luciano: Pela leitura que você fez, você conversou com as pessoas que fizeram coisa parecida. Como que você tratou… que idade você tinha?

Amyr: Eu já não era mais novinho. Quer dizer, eu tinha vinte e sete anos.

Luciano: Vinte e sete anos. Mas você…

Amyr: Mas eu tinha zero de experiência no mar.

Luciano: Você estava casado, tinha filhos?

Amyr: Não. Eu casei depois…

Luciano: E como que você avaliou a questão do risco, cara, de assumir um risco… que a história desse povo que se atira para o oceano, eu lembro que eu estava lendo um livro uma vez e o pessoal contando que eles recebiam o pagamento antecipado, entregava para a família, porque não sabiam se iam voltar. Então me atiro ao mar sem saber se vou voltar. No teu caso, era uma coisa… havia o risco de você não conseguir voltar. Como que você lidou com essa… ou o risco nunca te preocupou?

Amyr: Não, a primeira vez em que eu ouvi falar que alguém tinha atravessado o oceano remando, era um idiota inglês chamado John Fairfax, que era todo musculoso, aí ele gostava de fazer exibições públicas, mostrando as… ele gostava de matar tubarões no braço. Era um cretino que, graças a Deus, morreu. Mas ele atravessou o Atlântico Norte e atravessou o Pacífico com uma mulher chamada Sylvia Cook. Eles saíram, eu acho, da Califórnia e tudo deu meio errado e eles foram parar na Austrália, 360 dias depois. O mais incrível dessa viagem de 360 dias…

Luciano: Um ano.

Amyr: É que, na primeira semana, ele brigou com a Sylvia e eles ficaram 353 dias sem se falar.

Luciano: Dentro de um barquinho?

Amyr: Eu falei: “Nossa”. Depois tiveram o Chay Blyth e o John Ridgway. Os dois tinham… eram dois caras militares. O Ridgway era uma atente mais alta e o Chay Blyth era patente mais baixa. Só que ele inventa a história de atravessar o Atlântico Norte remando em um Dory. Dory é um tipo de barco inglês que se usava na pesca do bacalhau, nos Bancos da Terra Nova do lado americano. E eles brigam e nunca mais se falam. Eles chegam à Inglaterra e a viagem é um fiasco, porque eles conseguem atravessar remando o Atlântico Norte, mas eles não se falam mais. E aí eu comecei a juntar essas histórias. Eu falei: “Cacilda. Se eu fizesse um negócio desse, eu faria sozinho. É muito mais fácil, porque você não tem que remar o peso da comida e da água do teu…”

Luciano: Do outro.

Amyr: Do teu colega. Desculpe. E, sem querer, a viagem vai… eu vou juntando as pecinhas. Aí tinha a história do remador também que… o D’ Aboville, o francês que eu acabaria conhecendo, ele foi patrocinado por uma fábrica de sardinhas em lata da Bretanha chamada Capitain Cook. E ele dá para o barco o nome. Para retribuir o patrocinador, ele batiza o barquinho dele de Capitain Cook. Aliás, é uma sardinha que tem até hoje. As nossas, desculpa, são muito mais saborosas. E aí, para agradar o patrocinador, ele só come sardinha em lata na viagem. No final, ele tem uma constipação intestinal, um entupimento intestinal e eu, graças a um rádio amador, em Paraty, francês, eu descobri o relatório do médico que salva a vida dele pelo rádio. E o relatório do médico, em francês, é a coisa mais hilária do mundo para você ler, porque você enxerga a situação. Aí o médico explica para ele: “Agora você vai pegar a bomba de porão”. Fala a marca da bomba, [Henderson]. “Você vai pegar a bomba Henderson que tem um bocal de saída de 1,5 polegadas. Vai fazer a redução de 1,5 para 0,5 polegada. Vai colocar uma mangueira de 0,5 na ponta da mangueira de 0,5, vai fazer uma redução para 1/8 de polegada. Vai colocar um corpo de uma caneta bic sem a carga, vai introduzir no reto e vai bombear 50 vezes dentro do próprio reto”. Eu falei: “Meu Deus do Céu. O que é isso?” É uma descrição completamente maluca. Eu falei: “Imagina o cara no meio do Atlântico com uma bomba [Henderson] bombeando para dentro do rabo para desentupir”. Eu falei: “Cacilda, por que o cara não fez uma dieta, planejou uma dieta com uma nutricionista?” Teve furúnculo, não sei o quê. É só ter uma dieta correta. E aí eu conheço a Flora, que trabalhava em uma empresa de alimentação no Paraná, em São José dos Pinhais, e ela se encanta com a ideia. Fala: “Claro, dá para fazer uma superdieta maravilhosa com seis, sete refeições por dia, com nhoques italianos, com pastas maravilhosas. Só não dá para ter carne fresca. E legumes, mas tem os desidratados também. Os legumes são desidratados. E os liofilizados a gente faz só para a parte de emergência”, que a gente chama, para a parte de misericórdia. Quer dizer, se tudo der errado…

Luciano: Sobrou.

Amyr: Aí, sim, você come liofilizado, que não tem graça, porque você destrói a estrutura da comida. E aí essa empresa é a Nutrimental e eles se interessam em bancar o processo todo. E assim, durante um ano, eu me matando para fazer o barco e as meninas de Curitiba fizeram um programa maravilhoso. E, desde então, eu sempre tenho feito isso. Então hoje a gente consegue colocar em um barco nosso, o Paraty II, por exemplo, a gente já colocou três anos de autonomia total de suprimentos. Total. E é um… desculpe falar isso, mas a gente come melhor do que em um bom restaurante de São Paulo.

Luciano: Eu imagino. Você está falando aqui, eu estou me lembrando da expedição do Franklin, que sai com cinco anos abastecido, com 129 homens, com comida em lata e acaba todo mundo envenenado com o chumbo, Escorbuto por causa da comida que estava enlatada. Mas me fale mais uma coisa, a questão do risco que está me chamando. Você ia se atirar em uma coisa que você podia, havia chance de você morrer.

Amyr: Então, à medida que você vai juntando as pecinhas, você vai derretendo o risco, porque eu falei: “Cacilda, esses dois morreram, mas morreram porque escolheram a rota errada, foram pelo caminho mais curto. A corrente era contrária no final, por isso que nunca chegaram”. O outro que não deu certo foi… porra, não fez um plano, uma dieta. O outro… assim, havia uma sucessão de razões interessantes no fracasso de outras tentativas. Eu falei: “Caramba, se fizer tudo direito, dá para fazer”. E aí eu percebi que o risco não era a exaustão física, era uma questão de paciência. A cada dia você tem que fazer um tijolinho, um tijolinho. Uma hora você faz uma parede, faz um muro. E aí, no começo, eu achava a ideia ridícula, idiota. Eu falei: “Meu Deus, quem que pode querer atravessar um oceano à remo?” Mas, de repente, a ideia foi ficando interessante. E, de repente, eu estava profundamente envolvido, mas eu estava com a cabeça fria. Eu falei: “Bom, comida dá para resolver”. Não entendia GPS, vou ter que aprender a fazer astronomia, navegação astronômica. Não tinha telefonia satelital, vou fazer um curso de…

Luciano: Rádio operadora.

Amyr: Rádio operador. Vou ter que tirar uma licença de rádio amador. E assim eu fui juntando as pecinhas e… claro que eu podia ter errado no projeto, mas eu acho que eu fui muito feliz em buscar as pessoas para resolver cada problema. Eu tinha uma namorada louca, o pai dela era… Laura Falzoni. E o Lutiano. O pai dela era um super rádio amador. Ele falou: “Amyr, você precisa ter um padrinho no radio amadorismo. Eu vou indicar para você o Álvaro Ricardo de Souza. Ele tem uma fábrica de antenas. Ele faz as bobinas de vinte metros, quarenta metros, quinze metros”. E o Álvaro abraçou aquilo como se fosse a missão da vida dele. As meninas de Curitiba… “Nossa, nós não podemos errar, senão o cara vai morrer”. E cada problema eu fui achando uma solução. Eu falei: “Os tanques de água. Não dá para levar tanque rígido. Vou fazer tanques de Hypalon”. Hypalon é o material desses botes de borracha mais sofisticados hoje. É o material que se usa nos tanques de combustível dos carros de corrida. E tinha uma empresa aqui na [inint] [01:01:55], uma rua com nome armênio aqui em São Paulo, tinha o Severino. Tinha uma fábrica que fazia botas infláveis e o Severino era um cearense que era um gênio de cortar e costurar Hypalon.

Luciano: Você está me lembrando das histórias que eu ouvi do Wilson Fittipaldi, cara, construindo o Copersucar.

Amyr: Copersucar.

Luciano: Que é aquela história: não é aquela história que você compra um pneu aqui, compra um motor ali, conecta um no outro, compra… tinha coisa ali que era absoluto artesanato, porque simplesmente não existia aquilo, sabe? Tanto que a gente quando foi… eu coordenei a reconstrução do Copersucar. Cara, para achar o extintor de incêndio, nós tivemos que buscar no interior da Inglaterra, porque não existe lugar nenhum. Então você não só… você não comprou um barco, você teve que construir e teve que adaptar coisas que não existiam. Quer dizer, você desenvolveu uma tecnologia sua. Foi isso?

Amyr: Foi muito interessante. Não era minha a tecnologia, mas eu fui juntando… eu tinha uma proposta que atraiu muita… a maioria dos meus amigos: “Você é louco, que isso, vai morrer”. Mas quando você pegava um cara supertécnico… eu não tinha dinheiro para comprar as vigias, por exemplo. Aí eu descobri um velhinho que tinha uma fábrica que fazia peças em policarbonato, náilon, polietileno sob encomenda. Aí eu falei: “Olha, eu preciso de uma vigia que, se o barco capotar, eu posso usar a bomba externa a tampando com a grossura do meu braço”. Então eu a abro, de maneira que a água não entre, o braço tampe e eu consigo acionar a bomba de fora. Eram coisas… e ele fez essas vigias, fez as gaiutas. Aí eu precisava de baterias que funcionassem se o barco capotasse. E aí eu descobri outro senhorzinho perto do Parque Dom Pedro, perto da Celso Garcia, o senhor Vieira, tinha Baterias Vieiras. Ele fabricava baterias especiais. E ele falou: “Olha, vamos por dois tipos de bateria. Vamos botar uma bateria selada”, que, naquela época, não existia bateria selada. Ele fazia baterias com gel em vez de eletrólito líquido. E a bateria do eletrólito líquido ele falou: “Eu tenho uma ideia. Nós vamos colocar tampas de acrobacia área, de aviação”, porque os aviões que fazem acrobacia eles têm uma tampinha que tem uma bolinha de chumbo. Quando passa de 50º de inclinação…

Luciano: A bolinha tampa.

Amyr: A bolinha tampa. E aí o ácido da bateria não vaza do avião. Então, assim, era uma diversão aquilo.

Luciano: Quando você conta a história, cara, eu cruzei de barco. Na cabeça da gente tem um barco com dois remos. O que tem de tecnologia embarcada lá é brincadeira. Quando você fala da história da vigia… como que você falou?

Amyr: Vigia. É.

Luciano: Tem tecnologia nessa coisa. Não é que está na esquina.

Amyr: Mas eu não tinha dinheiro, então tudo foi feito… hoje com o barquinho… eu restaurei recentemente e está lá em um espaço que a gente tem em Paraty. E você olha hoje e fala: “Nossa Senhora. Como eram soluções tão precárias”. O cockpit, a parte aberta do barco, eu sabia que as ondas, durante à noite, iam atravessar e ficar cheio d’água. Então foi desenhado para que aquela água funcionasse como lastro. Mas a água tinha que entrar e saindo. Eu não tinha válvula antirretorno. O que eu fiz? Fiz buracos no casco, lixei com bastante com cuidado, com lixa 300, e pus bolinha de ping pong. Tinham as bolinhas de ping pong presas com elasticozinho, então a onda entrava, a água ia saindo e a outra não…

Luciano: Não podia vir.

Amyr: Porque senão ficava sempre entrando. Eu queria que entrasse quando a onda estourasse, mas não queria que a água ficasse para sempre lá dentro. Então foi muito interessante.

Luciano: O processo teu de montagem, do teu barco e tudo mais, eu imagino que seja m processo de… você entra no flow, não é? Você está tão focado naquilo, que tem tanta coisa para resolver, que aquilo acaba consumindo e você não tem tempo para ficar especulando sobre o que pode acontecer na viagem. Quando é que o medo bate? Se é que bate. Se, em algum momento, você parou para falar: “Cara, pode ser que esse negócio não dê certo”. Você lidou com isso?

Amyr: Eu tive muito medo durante a viagem, muito medo. Não foi pouco medo.

Luciano: Antes de sair não?

Amyr: Até antes de sair não, mas na hora, quando chegou o dia de sair, eu estava com muito medo. Mas eu também estava me sentindo bem, porque eu falei: “Cacilda, finalmente eu estou fazendo aquilo que eu tenho que fazer”. E eu tenho uma característica que é engraçada. Constantemente… esse ano eu tive muito medo. Quando a gente foi para a Antártica, porque pegamos um mar que Deus me livre. Eu não sei o que está acontecendo, se é o aquecimento global, mas, estatisticamente, até dez anos atrás, não tinha ocorrência de ventos de [cem nós] aqui na Terra do Fogo, Patagônia, nas Falkland. E a gente pegou uma pauleira atrás da outra. O barco veio do Brasil até as Falkland com 70, 80 [nós] de vento. Dá um [bruta medo]. Mas eu tenho uma característica engraçada. Quando eu estou em uma situação de altíssimo risco, eu fico bem humorado. Eu começo a fazer piada. Eu acho que isso ajuda a acalmar os outros tripulantes. E eu fico… bom, agora… se não resolver isso daqui a vinte minutos, estamos mortos. O que a gente vai fazer? Vamos abrir o bar? Vamos fazer alguma coisa legal já que vamos morrer? Para comer? Vamos fazer um troço diferente? Uma última refeição. Então, não sei por que eu fico muito bem humorado quando eu estou nessas situações de alta tensão.

Luciano: Lá, sozinho, você ficou assim?

Amyr: Eu falei: “Putz, eu tenho que me livrar dessa maldita África”. Eu não estava nem aí com a travessia. Eu sabia que o primeiro passo para a travessia dar certo era eu me afastar rápido da África. Eu tinha que o mais rápido possível ficar duzentas, trezentas milhas da Costa dos Esqueletos, que é uma região perigosa. Quer dizer, eu entendi que o grande risco, na verdade, não era a travessia, eram as condições da travessia. Tem um trecho em que a gente está muito perto da costa, de uma costa totalmente inóspita e legalmente inacessível que é a área de exploração hoje dos diamantes da Namíbia. Além de ser um litoral mais inóspito de todo o continente africano, as ondas começam a arrebentar dois, três quilômetros. Se você se aproximar de uma praia da Namíbia, ferrou. Você chega à praia picadinho. Além disso, se conseguir chegar vivo, você vai preso porque é uma área de diamantes, não pode. Então tinha essa pressão assustadora da Skeleton Coast, Diamond Area, não sei o quê. E aí, à medida que eu fui vencendo as etapas… quer dizer, ufa, na primeira semana finalmente eu estava a 250 milhas da costa, agora não tenho mais risco de morrer náufrago na África. Bom, agora tenho que resolver o problema dos tubarões que estão enchendo o saco. Vem toda a noite ficar se esfregando. Aí, aos pouquinhos, eu fui entendendo que, na verdade, não é que eles vêm querendo atacar, eles querem saber se esse trocinho boiando…

Luciano: Dá para comer.

Amyr: Dá para comer. Exatamente. Eu falo: “Filho da mãe, você já veio ontem. De novo?” Porque, às vezes, vinha o mesmo tubarão. Tinha um tubarão que tinha uma marca nas costas. Falava: “Filho, você já veio ontem. Para que está raspando de novo?” Você fica irritado. Você começa a conversar com os peixes. Aí depois eu percebi que, no meio da viagem, eles pararam de se esfregar e começaram a bater no casco. Eu falei: “Não, espera aí. O que é isso? Mas por que vocês estão batendo agora?” Aí eu descobri. Onde eles se esfregaram, eles tiraram a tinta venenosa, o [antifalling] para não crescer craca e começou a crescer uma craquinha chamada lepas que começou a frear o barco. E aí, nessa época, eu já tinha entendido que eu era uma espécie de um centro de microecossistema, porque os peixes voadores batiam no casco à noite, caíam, os dourados ficavam em volta para pegar os voadores que ficavam tontos quando batiam no barco. E os dourados gostam dessa lepa, mas eles não conseguem tirar, porque eles são meio prognatas. E aí os tubarões começaram a bater nos tufos de lepas para os soltarem na corrente; aí os dourados, em frenesi, iam comer as lepas e os tubarões atacavam…

Luciano: O dourado.

Amyr: Os dourados. Eu falei: “Cacilda, os caras estão me usando de instrumento de pesca”.

Luciano: Que loucura, cara.

Amyr: Então foi… era uma época de ignorância também. Hoje, se eu falar para as minhas filhas: “Olha, filha, uma baleia” “Pai, não é uma baleia. É uma [inint] [01:11:20] macho de não sei o quê”. E eu não sabia a diferença de um tubarão para outro, de uma baleia para outra.

Luciano: Se você encontrasse hoje um cara de vinte e sete anos que te falasse: “Amyr, também vou atravessar o oceano”. O que você falou para ele?

Amyr: A cada seis meses aparece um no escritório.

Luciano: E aí?

Amyr: E eu acho que nenhum deles vai ter sucesso, porque todos vêm com a mesma… eles leram o livro e, de repente, eles querem incorporar o prêmio, eles querem a glória, o sucesso, o patrocínio. Eu falei: “Filho, se você não tem competência financeira de fazer um barco de cem mil reais, você nunca vai fazer nada. Cem mil reais. É um preço de um carro. Financia. Sei lá. Mas cadê o barco?” “Não, porque eu já tenho o preparador físico, eu já tenho o meu coach para fazer palestra, já tenho o assessor de imprensa, já tenho o editor do livro” “Filho, o barco, faz o barco. Se você não tem competência para fazer o barco, você não merece ir para o mar. E, se for, vai morrer”. Então eu perdi um pouco de paciência de falar com esses caras, porque tem dois ou três por ano que… eu dou toda atenção, falo: “Olha, você pode fazer assim, procura um bom desenhista. O barco vai capotar, então você vai ter um barco feito para capotar e não tentar fugir desse problema”. Uma expressão que eu aprendi e que eu gosto muito: você tem que abraçar o problema, dormir com esse problema. Então pensa que você não pode querer evitar um dos problemas, uma capotagem; você tem que conviver com esse problema, então você tem que ter um barco pensado nesse sentido. Eu espero que algum tenha…

Luciano: Passa pela sua cabeça que algum desses caras pode morrer por tua causa?

Amyr: Passa, me preocupo muito.

Luciano: Por que você escreveu um livro, inspirou esse cara a fazer uma loucura e ele se matou?

Amyr: Muito. Tem um cara de Minas que eu acho que é o que mais avançou, mas ele evaporou agora. Com a Covid, faz quase um ano que eu não escuto mais. Já era para ele estar com o barco pronto. Mas ele foi… ele fez um projeto muito bem feito, com projetista… eu acho que britânico, que é um grande desenhista de barcos. Fez o projeto de alimentação bem feitinho, a parte de comunicação, tirou o Yachtmaster, a habilitação internacional. Tem um problema legal também. Você tem que estar legalmente habilitado. Fez o curso de rádio amador. Não sei: cadê o barco dele? Espero que ele não morra.

Luciano: Você em algum momento… você fez a travessia. Legal. Conseguiu fazer a travessia e tudo mais. Em algum momento passou pela tua cabeça que aquilo poderia representar um começo de um negócio? Aquilo seria um business, aquilo seria um meio de vida? Como é que você transforma, digamos assim, essa aventura inicial em algo que acaba que a tua vida, a partir dali, tomou uma direção? Eu não sei se, até então, você tinha a ideia do que aconteceria depois. “Depois que eu cumprir isso daqui, o que vem pela frente?” Aí tua vida virou mar, a tua vida virou barco, a tua vida virou essas viagens de aventura. Aquilo que você falou no começo: “Eu sou o cara que…” Como que você se definiu? Consultor de viagem?

Amyr: Construtor de viagem.

Luciano: Isso. Como que isso… você chegou a entender isso?

Amyr: Foi um período de aprendizado muito grande, porque eu era literalmente pleno ignorante em coisas do mar e de barcos. E esse processo de dois, três anos de preparação, de fazer o barco, foi uma grande escola, uma grande escola onde eu aprendi a mexer com rádio, aprendi a laminar resina epóxi, construir com madeira moldada. Mas o que eu queria mesmo era fazer um barco para ir para a Antártica, um veleiro. E eu sabia que eu estava muito longe disso, então eu nunca pensei no resultado final, se vai ter sucesso.

Luciano: Por que Antártica, Amyr?

Amyr: Não sei por quê.

Luciano: Por causa do Shackleton?

Amyr: Por causa do Shackleton, acho que por causa dos livros que eu tinha lido.

Luciano: Isso que eu estou querendo chegar. Sempre tem um livro?

Amyr: Não. Por causa de Pari. Em Paraty, a maioria dos veleiros… os primeiros veleiros pioneiros, barcos privados que foram para Antártica, não eram navios, a maioria deles parou em Paraty. Como eu era o cara em Paraty que falava francês, todo mundo me chamava: “Amyr, tem um gringo aí. Vai falar com ele. Fale para ele ficar aqui, não fale para ele ir para o cais porque ele vai encalhar”. Então eu fiquei. Acabei conhecendo o [inint] [01:15:59] quando eu mexia com gado, tirava leite. Por nove anos eu fui produtor de mussarela. Vendia leite para o senhor Aloísio de Castro lá na rua da praia. Tinha uma funcionária que só enchia saco e dava nó, porque eu trazia uns latões de leite e vendia, imagina, sem [sife], sem nada. Vendia em saquinho de um litro de leite. Então tinha uma menina que só o trabalho dela era encher saco e dar nó, porque ela enchia saquinho de dois litros, botava um litro e o resto do plástico era para poder dar o nó. E aí aparece um casal francês que fica sete, oito meses em Paraty caçando e pescando no meu sítio. Eles ficavam caçando paca, pescando e cozinhando em uns potes de vidro que, em francês, se chama [inint] [01:16:51]. Os [inint] [01:16:54] são potes, aquele pote que tem um araminho que você fecha e tem uma borracha laranja.

Luciano: Sim.

Amyr: Então, é uma técnica de conservação francesa maravilhosa. Você pega uma panela de pressão dessas francesas, que a borda abre para fora e não para dentro, e você consegue por sete [inint] [01:17:10] ali. Você põe sete na panela de sete litros, eu acho. E aí você cozinha, por exemplo, cassoulet, feijoada, rabaçã, marisco. Sei lá, marisco com feijão, você cozinha, que é um prato que, fora da geladeira, dura umas horas. Você cozinha isso em um [inint] [01:17:35] durante três horas, a pressão gera vácuo na dentro do pode de vidro.

Luciano: Preserva.

Amyr: E isso dura anos, anos. Dura cinco, seis anos sem geladeira. Bom, eles fizeram quase mil [inint] [01:17:47] em Paraty. Ficavam os dois cozinhando dia e noite. E o objetivo deles era invernar, passar o inverno.

Luciano: Então eles estavam preparando para viagem?

Amyr: Para ir para Antártica. Para levar para Antártica para poderem ficar um ano lá, porque esse francês que se tornou talvez uma das figuras mais lendárias da história náutica francesa, e está vivo até hoje, mora na… me deu uma ilha de presente.

Luciano: Ilha?

Amyr: Uma ilha nas Faulklands. Ele falou: “Amyr, você gosta de terra”. Eles ganharam o Arquipélago de Beaver Island, o casal. Depois que eles invernaram na Antártica, eles tiveram filho na Geórgia do Sul, sem médico e sem hospital.

Luciano: Cara, que doideira.

Amyr: E ela escreveu um livro maravilhoso também que não fala da aventura, fala da emoção, do quanto foi profunda a experiência dos dois ficarem sozinhos na Antártica durante um ano e terem um filho lá, porque ela engravidou e acabou tendo o filho. E aí como ela era australiana, cidadã do Império Britânico, as Falkland dão terra para você. E eles têm 19 ilhas. Ele falou: “A gente tem ilhas que a gente nunca pisou. Você quer uma?” Eu falei: “Eu quero”.

Luciano: Você é dono de uma ilha nas Faulklands.

Amyr: Meio que na brincadeira, mas é de… eu sei que, se for lá fazer uma casinha, eu ainda vou ganhar algum dinheiro, porque o Governo lá subsidia você a ocupar as ilhas, porque tem muitos… são milhares de arquipélagos, uma região muito pouco conhecida do sul-americano.

Luciano: Como é que vira business, cara? Como é que vira um negócio esse teu das viagens?

Amyr: Não virou um negócio, foi tudo meio que por acaso. Então a viagem acabou. Aí tinha um cara de Paraty que era o Roberto Muylaert. Ele foi para Bahia, ele falou: “Amyr, parabéns, muito bem. Fez uma coisa que ninguém fez. O barco está limpinho, está cheiroso. Agora você vai escrever um livro”. Eu falei: “Roberto, eu tenho conta para pagar, não sei o quê”. “Você desculpa, mas tudo o que você fez, para mim…” Ele falou assim: “…merda nenhuma até você escrever um livro. Agora você tem uma história bonita, feliz. Você vai escrever um livro. Não tem sentido o que você fez enquanto você não fizer um livro” “Mas como assim, Roberto? Nunca escrevi um livro nem nada”. Ele sabia que eu gosto de escrever e, modéstia à parte, eu gosto de escrever bem. Eu já tinha alguns artigos publicados que eu fazia para amigos que trabalhava…

Luciano: Teu texto é excelente, cara.

Amyr: Eu tinha textos sobre canoas brasileiras, que é um assunto que eu gosto e domino. Ele falou: “Você tem um texto bom. Nós vamos dar duas garrafas de uísque para você. Vamos fazer uma entrevista com cinco jornalistas e vamos publicar um livro”, porque tinha saído na capa da Veja a história. Eu era um ilustre desconhecido. Tinha um jornalista de São Paulo que me ajudou muito que era o Luiz Carlos Ramos, que soube da viagem porque eu fui procurá-lo. Eu não queria falar com ninguém, porque ele tinha feito uma entrevista, uma matéria sobre Namíbia, porque, na época, o Estado de São Paulo era uma potência, você entrava em uma redação com 400 jornalistas. Eu fui outro dia à mesma redação… dá vontade de chorar.

Luciano: [Sem problema].

Amyr: Tem um gato fazendo xixi em um canto, outro às favas. E esse cara falou: “Amyr, você vai ter muitos problemas burocráticos, porque a Namíbia é ocupada pela África do Sul, tem o problema do Apartheid. Você vai ter muitas dificuldades. É melhor tratar esse seu projeto não como uma aventura; tem que ser como uma coisa científica, uma experiência de sobrevivência, porque você vai ter que justificar por que você está levando um barco para lá”. E ele tinha razão. O grande desafio foi… então o que ele fez? Ele soltava, dia sim, dia não, no Estadão, nunca na coluna de esportes, sempre na coluna de cidades uma notinha: “Remador brasileiro transportou embarcação”. Sempre m tijolinho bem pequenininho. Quando o barco ficou pronto, ele safou a minha pele, deu uma matéria: “Finalmente um navegador brasileiro consegue autorização para transportar o barco para a África”. Eu falei: “Nossa…” Eu não consegui a licença da Cacex, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil. Não conseguia.

Luciano: É impressionante.

Amyr: Ficou mais de um ano, não saía. Eu falei: “Nossa…” Liguei para o meu amigo que trabalhava na Cacex e falei: “Que legal. Você viu no jornal? Saiu uma nota grande falando que finalmente a Cacex liberou”. Ele falou para mim: “Amyr, a Cacex não liberou”. Falei: “Não liberou?” Eu estava quase louco, estava encaixotando os barcos aqui em Interlagos. Comemorei. Aí não aguentei. Às dez da manhã, liguei para o Luiz Carlos Ramos, do Estado de São Paulo, o Estadão, falei: “Luiz Carlos, não liberaram, não liberaram. Você deu uma notícia falsa, você deu uma notícia que não é verdade”. E aí ele falou: “Amyr, jornalismo às vezes constrói a verdade. Você me liga às quatro da tarde”. E, às quatro da tarde, tinham liberado, porque deu tanto escândalo na Cacex que o cara forçou. Ele deu uma notícia que…

Luciano: Libera essa merda logo para tirar a gente dessa…

Amyr: A notícia de manhã era uma mentira e, à tarde, virou uma verdade.

Luciano: Em tempos de fake news, isso é bravo.

Amyr: E aí o que aconteceu foi que a repercussão da viagem foi estrondosa. E aí o Roberto Muylaert conseguiu uma proposta de uma editora, que era a José Olympio, que era editora dos principais autores brasileiros. Nós assinamos o contrato, levamos os diários, meus diários e ele falou: “Você não abra os diários”. E eles fizeram uma proposta de pagar um [inint] [01:24:23], que era uma fortuna na época, era… não lembro agora, mas acho que era alguma coisa, tipo 50 mil dólares.

Luciano: Para você escrever o livro?

Amyr: Para eu escrever o livro, porque a José Olympio estava em recuperação judicial, e os donos, a família dona da Xerox, os Gregory, tinha comprado para ressuscitar a José Olympio, que era uma editora muito tradicional. E o primeiro lançamento, o primeiro título que eles iam publicar era o título da história do remador. E aí o Roberto, que é muito craque, com grana, de fazer contrato, ele falou: “Não, tem que pagar por isso”. E ele fechou um valor que, na época, nenhum autor brasileiro jamais tinha recebido, 50 mil dólares. Dava para comprar três casas de 700 metros na Vila Mariana. E aí o contrato tinha um pequeno erro: não tinha data para entregar os originais. Então eles assinaram o contrato, pagaram, eu fui para o Rio de ônibus com o Roberto, estava em Paraty. Recebemos o cheque, eu dei 10% para ele… 20%. Dei 10 mil dólares para ele, fiquei com 40. Dei o cheque para ele, depositei o cheque na minha conta e aí fomos à reunião entregar os originais. Quando eles abrem os originais, só tinham números e palavras. Não tinha uma frase de texto. E aí eles falaram: “Que isso? Cadê os diários da viagem?” Eu falei: “Não tem. Eu escrevi uma página por dia, código meteorológico e só boto as palavras dos eventos que aconteceram. Não tem frase. Eu vou escrever um livro” “Mas como assim? Não, nós temos que lançar amanhã, porque, imagina, está na capa da Veja”. Naquela época… hoje é uma vergonha sair na capa da Veja, só bandido e corrupto. Inclusive os próprios jornalistas. Mas na época, não. Era uma glória. Foi a capa da Veja mais vendida durante anos.

Luciano: Eu me lembro dessa capa, cara.

Amyr: Era linda.

Luciano: Eu me lembro da capa.

Amyr: Falou: “Não, mas o momento timing, o momento de marketing. Não, que isso. Não, tem que sair em uma semana o livro”. Bom, eu levei um ano para escrever o livro. Eles ficaram tão putos, mas tão puros os caras da Xerox: “Fomos enganados pelo remador do Atlântico. O cara ludibriou. O contrato não tem data”. E eles contrataram no Rio de Janeiro um advogado em São Paulo que, durante dez meses, todos os dias às oito horas da manhã em ponto tocava a campainha da minha casa, falava: “Bom dia, senhor Amyr. Quantas páginas o senhor escreveu ontem?” Eles ficaram inconformados. Bom, quando o livro saiu, eu não era mais conhecido, tinha evaporado.

Luciano: Foi “O Cem Dias Entre o Céu e o Mar”?

Amyr: Foi “O Cem Dias Entre o Céu e o Mar”. E o livro foi um…

Luciano: Foi um sucesso.

Amyr: Foi um sucesso. Então marketing de livro é uma coisa muito… e eu acabei ficando amigo desse advogado, o doutor Tupi. “Ô, doutor Tupi…”

Luciano: Eu sei bem o que você está falando aí.

Amyr: Mas o que aconteceu? Depois de dez meses, eles falaram: “Puta, nós temos que tirar algum suco do maldito remador do Atlântico, desgraçado, enganou o departamento jurídica de uma empresa como a Xerox, do Brasil. Temos que tirar alguma desgraça desse cara. Mande-o fazer uma palestra lá em Recife”. E aí eu fui fazer uma palestra em Recife para a Xerox. E a palestra foi um sucesso. E aí o pessoal de Salvador falou: “A gente ouviu falar da palestra do remador. Será que não dá para mandá-lo para Salvador?” Aí, na outra semana, fui para Salvador. Aí o pessoal de Natal falou… porque a Xerox, na época, tinha uma atividade mais ou menos criminosa. Eles colocavam máquinas de xerox na sua casa, no seu escritório. Era um contrato leonino, porque era uma mistura de leasing, com locação, com vendas. Você nunca se livrava mais da máquina. Eu tive no meu escritório. Eu me livrei da máquina com uma ferramenta muito potente que era um machado. Meti o machado na máquina, falei: “Vocês tem que trocar”. E aí eu não os deixei colocar a nova, porque não terminava nunca o contrato. E, de repente, o Tupi falou: “Mas que história é essa? Uma semana sem escrever uma linha?” Eu falei: “Vocês mandam fazer palestra. Agora eu estou fazendo palestra em Belém, em Manaus, em Brasília, em Goiânia, em Curitiba. Vocês que chamaram. Não deu para escrever nada essa semana porque eu estava fazendo palestra”.

Luciano: Mas abre uma frente que é a frente das palestras. Você que se revela um [inint] [01:28:49].

Amyr: E aí começa a história… você perguntou do business. Não é um negócio que eu quis fazer, é um negócio que aconteceu naturalmente.

Luciano: Meu caro, deixe-me caminhar aqui para o nosso final porque você está apertado. Só uma última reflexão aqui. Eu li muito a respeito dos aventureiros de todo o lado, porque eu sou fascinado por isso. Tenho uma coleção de livros gigantescos. Os caras que subiram no Everest, o pessoal do Polo Sul, o pessoal do Polo Norte, os astronautas e tudo mais. Em 2018, pela primeira vez, eu consegui ir para Washington e fui viajar o Museu Aeroespacial, lá no…

Amyr: Que show.

Luciano: Lá em Washington. E a hora que eu entro lá, cara, a minha infância volta inteirinha e eu vejo os heróis, os astronautas todos. E cheguei a um lugar que estavam lá as duas… estavam as duas cápsulas, estava o Mercury e estava a Gemini, as duas primeiras que culminaram depois no Projeto Apollo e tudo mais. E, na hora em que eu olhei aquilo, pela primeira vez eu vi na minha frente a nave verdadeira. E você está com a portinha aberta, você olha ali dentro e fala: “Meu, tem que ser muito louco para entrar em um trecho desse aí. Tem que ser muito maluco, cara”, porque o cara vai entrar nesse buraco aqui, vão trancar a porta e não tem por onde sair, vão acender um foguete no rabo dele e vão mandar esse cara para atmosfera. Sei lá se esse cara volta.

Amyr: É linda a história.

Luciano: Quando eu olhei aquilo, eu falei: “Cara…”

Amyr: Era o mundo analógico. Imagine, não tinha…

Luciano: Claro. É o mesmo espírito que esse cara tem que um português teve quando entrou em uma nau de madeira e se jogou no mar para chegar não sei onde. Um viking que se enfiava por aí no fim do mundo. Sabe, o Mallory que vai tentar chegar no topo do Everest e morre no meio do caminho. Então todas as histórias têm essa coisa estranha que é esse chamado para o cara falar: “Eu vou colocar a minha vida em risco em nome de descobrir alguma coisa”. Isso está no espírito de todos esses aventureiros, quando você pega esses caras que são os verdadeiros, não os econômicos, não os marqueteiros. Não estou falando de marqueteiros nem dos caras que querem ganhar dinheiro com isso, mas o cara que vai com aquela fase do Mallory: “Por que você vai fugir o Everest?” “Porque ele está lá. É porque ele está lá”. O que é isso, cara? Que espírito é esse que eu acho que você em algum momento incorporou? Não sei se incorpora ainda, mas de ter essa coisa de… “Tem uma viagem para Marte?” “Tem” “Eu me candidato. Eu quero ir para Marte” “Cara, mas você não vai voltar nunca” “Não, mas eu acho que vale a experiência, descoberta”. O que é isso, cara? Que chamado é esse?

Amyr: Não sei, talvez seja uma herança do meu pai. O meu pai tinha essa… como eu disse, ele não era empreendedor, era um homem difícil, polêmico, mas ele tinha essa sede de descobrir, de ir para lugares novos, diferentes, de abraçar uma cultura que ele não conhece. Essa curiosidade. E eu tenho essa curiosidade. Isso… eu não sei se é genético, mas eu gosto muito de executar, de fazer acontecer. E eu percebi que tem duas maneiras de você viajar. Você pode ir para lugares incríveis, fazer coisas que ninguém fez, mas você pode viajar… você vai viajar como passageiro. Mas tem outro jeito de viajar, quando você é o condutor do processo. E eu gosto de conduzir o processo. Então falar: “Carreguei a bandeira do Brasil”. Eu desfraldei a bandeira do Brasil por todos os graus de longitude do planeta. Todos. Eu estava no comando, eu estava segurando a bandeirinha. Estava amarrada nas minhas costas. Duas vezes, com barcos diferentes. Os dois únicos barcos até hoje no mundo que contornaram a convergência inteira foram esses barcos. É o prazer de você sair do mundo da intenção e ir lá e fazer é indescritível. Eu acho que esse é o motor de todos esses caras. Dos caras que têm profissões hoje de alto risco, que não são necessariamente celebridades, são pessoas invisíveis, mas brilhantes.

Luciano: Eu publiquei um podcast uma semana atrás falando que os gregos criaram o conceito da húbris, que a húbris era aquela… é a maneira de se comportar do arrogante, que vai contra os deuses e que acaba se ferrando porque os deuses castigavam esse comportamento. E que depois nasceu o conceito do orgulho hubrístico que é o cara que tem orgulho não do processo, não da conquista, não da obra, mas o orgulho daquilo que ele é, da arrogância. Manja o jogador de futebol que para o ônibus e ele desce com o cabelinho não sei o que, com fone de ouvido, não dá bola para ninguém, é o gostoso. “Estou mais preocupado com a tatuagem do que com a… em amarrar o tênis perto da placa para ganhar dinheiro do que fazer o gol em si”, que é o orgulho hubrístico, o orgulho do que eu sou, eu sou o fodão. E tem o outro orgulho que é o orgulho autêntico, que é esse da obra, orgulho daquilo que eu constituí, orgulho do… o tesão de ver o meu projeto saindo do papel, dando certo, funcionando. Eu acho que é a mesma coisa que nós estamos falando, não é?

Amyr: Esse é um lado muito… para mim é muito gratificante. Outro dia, semana passada, eu levei o barco de Paraty para Guarujá. E aí você fica olhando. Fala: “Como é que eu fiz uma loucura desse tamanho? Nossa Senhora, o bicho é lindo de morrer. É lindo. Tem uma história”. Agora, eu gosto muito das cicatrizes, das marcas, porque cada uma tem uma historinha. Mesmo no caso dos barcos, os arranhões, o amassado que foi durante a invernagem na Antártica, durante a segunda volta ao mundo, durante o encontro com baleeiro. Então é muito legal você tirar do papel e fazer. Grande alegria que eu tive quando eu pisei na Praia da Espera, na primeira travessia, não foi a de vencer o Atlântico, de realizar o meu sonho, superar os limites e essas baboseiras de autoajuda que todo mundo lê. Foi o prazer de ter um plano e cumprir.

Luciano: E executar.

Amyr: Executar. É muito legal. E eu tinha essa frustração. Estudei Economia quase cinco anos. Eu fiz o curso de Administração. Eu nunca tinha feito um projeto… tirado um projeto do papel. E os meus professores também. Affonso Celso Pastore, Carlos [Viacava], Paulo [Leocota], Delfim Netto, João Sayad, Eduardo Suplicy. Filho, vocês estão me ensinando como é que faz um banco. Cadê o banco que você fez? Nenhum fez um banco. O único que fez um banco foi o Sayad. O João Sayad tinha um banco. Mas os outros não. Era tudo teoria, tese, não sei o quê. Eu falei: “Não, eu quero fazer um carrinho de pipoca, pelo amor de Deus. Um carrinho de pipoca. Não é possível”. Então eu tinha essa sede de executar um projeto. E, curiosamente, o primeiro que eu executei não tinha nada a ver com economia. Era a história do barco. E isso acabou virando mais de quarenta viagens para a Antártica.

Luciano: Legal. O que você faz hoje? Você tem uma empresa. Bom, eu sei que você é um palestrante profissional.

Amyr: Eu não me considero assim. Eu sou chamado não sei por quê.

Luciano: Mas é porque é bom, porque tem história, porque você inspira as pessoas.

Amyr: Eu tenho dificuldade em falar em público, sou tímido, meio atrapalhado.

Luciano: Mas a sua palestra é uma delícia, cara. Ela é muito legal. Eu tive chance de assistir. Cara, é muito boa. Eu estou te falando sincero. Eu sou palestrante profissional, eu vivo disso, já fiz mais de mil e tantas palestras por aí e eu sei reconhecer o cara que tem… você tem a bala na agulha, você tem carisma, tem tudo isso. Embora seja tímido e tudo mais, mas você domina bem. Mas eu entendo que isso não é… tanto que quando eu te pergunto: “O que você faz?” Você não fala: “Eu sou palestrantes”. Não é o teu… você fala: “Eu sou convidado, eu vou e faço”. Mas você tem também uma empresa que leva, organiza viagem, leva pessoas? Você tem alguma coisa assim?

Amyr: A gente está fazendo isso de maneira profissional hoje, mas também eu faço pelo prazer de fazer, não é como ganha pão. Como ganha pão, eu tenho uma empresa de planejamento de pesquisa onde a gente faz só projetos especiais. Então nós montamos os primeiros flutuantes normatizados no Brasil, eu acabei montando uma base náutica em Paraty onde eu tenho 300 clientes hoje e onde trabalham lá umas 600 pessoas. Então é um negócio que eu gosto profundamente e que é o nosso ganha pão.

Luciano: Base náutica é uma…

Amyr: É uma marina molhada.

Luciano: Marina.

Amyr: Faço outro. Estamos fazendo um projeto de um primeiro condomínio verdadeiramente sustentável no Brasil, com unidades habitacionais de custo baixo.

Luciano: Lá em Paraty?

Amyr: Lá em Paraty. É um projeto muito interessante. E agora a gente está mexendo com um projeto muito bacana de casas flutuantes. A gente usa essa estrutura de flutuantes que a gente desenvolveu. E eu descobri que todo mundo sabe fora do Brasil, no Brasil não tem essa cultura ainda de usar os espelhos d’água, as represas, os rios para moradia. E é muito mais barato, sanitariamente é muito mais saudável e sustentável. Só que a gente ainda não tem uma legislação. Nos Estados Unidos é muito comum. Em Portland… mesmo em São Francisco, Vancouver no Canadá, Seattle. Os bairros, que eram os bairros pobres antigamente, das pessoas que não tinham dinheiro para comprar um lote para fazer uma casa, eles construíam a casa sobre flutuantes de madeira. Aí eles normatizaram isso com o uso do EPS, Expanded Polystyrene, o isopor. E hoje tem uma norma internacional que a gente segue. E eu estou bem entusiasmado. Aconteceu uma coisa engraçada. Eu fiz vários flutuantes, alguns são para instalações de luxo, outros para montar marinas, outros para montar hospital. Mas aconteceu uma coisa engraçada. Eu estava dando uma espécie de uma entrevista para aquela Fundação Rubem Alves. Rubem Alves foi um grande educador e a metodologia dele hoje é vendida para muitos países no mundo. E terminou lá o evento, eram essas palestras digitais. Terminou o evento e a diretora falou: “Puxa vida, eu moro aqui na beira do Rio Piracicaba. O que a gente pode fazer? Você ajudaria a gente a fazer um movimento para a gente atrair a atenção dos rios? Porque o nosso rio está totalmente poluído e vai terminar em Buenos Aires”. Imagina. O Rio Piracicaba vai dar no Tietê que vai dar em Buenos Aires, no Prata. E aí eu falei: “Olha, você desculpa. Esse negócio de movimento, de abraçar, dar as mãos, de fazer ONG, isso não leva para lugar nenhum. Sabe de uma coisa? Você quer fazer uma coisa eficiente, efetiva, contundente? Tem que inverter o olhar. Nós temos que inverter o olhar. O Rio Tietê, o Rio Pinheiros é o último plano que a gente enxerga na nossa cidade. Tinha que ser o primeiro. São Paulo tem três rios. Tamanduateí, Pinheiros e Tietê. Tinha que ter um anel viário…” Como chama?

Luciano: Anel fluvial.

Amyr: Anel fluvial para transportar cargas especiais, para a gente desfrutar dos rios. E tudo o que a gente não quer nessa cidade a gente joga. Malditas campanhas do Estadão. Tudo mentira.

Luciano: Eu chamei isso de a merdovia do Tietê. Ia ter a merdovia do Pinheiros e a merdovia do Tietê.

Amyr: Mas eu fiz a hidrovia Tietê Paraná inteirinha com barco grande. E, quando você chega em Pereira Barreto, mesmo a merdovia daqui, quando chega lá a água é cristalina e potável. O Rio Tietê fica potável. Ou seja, a natureza tem esse poder de [inint] [01:41:05]. E ela falou: “Mas o que a gente pode fazer?” Eu falei: “Eu vou dizer o que pode fazer. Eu tenho muita vontade de fazer isso. Tem que entrar no rio. Entrar” “Mas como que a gente vai entrar?” Eu falei: “Bom, meu sonho há muito tempo é fazer seis flutuantes, seis, seis ilhas flutuantes de 225 metros, de 15×15. 225 metros, colocar um cubo de vidro, tipo Apple lá. Um cubo de vidro e pôr uma sala de aula dentro do rio. Aí você põe 80 alunos ali dentro com dois professores fazendo uma explanação dentro, vai mudar a vida desses moleques. No final do dia, você tira os alunos de lá e aí você convida para ir lá assistir uma palestra sobre o Tietê, sobre o Pinheiros. Você convida os executivos das empresas que estão jogando seus efluentes no… esses caras vão ficar… eles nunca entraram no rio. Eu pertenci à última turma que remou no Rio Tietê. Quem remou dentro do Rio Tietê tem outra visão. Aí você inverte o olhar” Aí ela falou: “Como assim?” Eu falei: “É fácil. A gente monta os flutuantes, quatro flutuantes e a gente constrói uma sala de aula flutuante com ar condicionado, com uma copa e dois banheiros. Em cima, a gente põe um mirante. Você vai ver como muda”. E quem me alertou para isso foi o pai de um amigo meu, que é um cara multibilionário, maior fabricante de policarbonato do mundo. E ele vai para Paraty de vez em quando. Ele é obrigado por causa do cargo dele, está sempre cercado de seguranças. E eu gosto de sequestrá-lo. Seu Henri. Aí, um dia desses, eu o sequestrei da casa do filho dele que é vizinha da minha marina. E ele achou que eu ia levar para cidade, para fugir dos seguranças, de carro. Eu falei: “Não, não, seu Henri. Nós vamos com botinho de levar cimento lá na marina. Um bote vagabundo de alumínio”. Os seguranças ficaram loucos. Aí eles foram para cidade. Acharam que eu ia desembarcá-lo no centro histórico, chique, lindo de morrer. Falei: “Não, nós vamos até o Rio Santos. Vou mostrar para o senhor todas as saídas de esgoto do rio”. E aí ele falou: “Nossa, Amyr, é isso que nós temos que fazer com as pessoas. Inverter o olhar”. Quando você entra no rio, você tem uma visão completamente diferente. E aí ele citou o caso de duas cidades no mundo que fizeram isso, onde o rio era o último plano de preocupação e se torna a alma da cidade. E uma cidade dessas é no Texas, não lembro o nome, e a outra é na Coreia do Sul. E eles transformam a lixeira da cidade que era o rio no centro, na alma, na coisa mais bonita da cidade, despoluindo 100%. Eu acho que é isso que a gente tem que…

Luciano: Esse projeto está desenhado? Ou esse é só um sonho ainda?

Amyr: Não. Nós estamos construindo flutuantes. Não sei se eu vou vencer a burocracia, se vem alguma CETESB da vida, vai encher o saco com autorização, mas nós já colocamos para a encrenca da Nike. Imagina, uma coisa publicitária completamente ridícula, a gente colocou uma ilha flutuante do antigo Banco Santos ali, para por uma bola da Nike com uma projeção desses jogadores de cabelinho cortado. Mas eu quero muito fazer isso. Eu quero fazer salas de aula. E fazer, por exemplo… imagina o choque em um moleque de dez, doze, quinze anos de idade, de ele passar um dia tendo aula dentro da merda do Rio Tietê. E, de repente, ele vai para um ônibus, a algumas centenas de quilômetros, ele vai para uma sala de aula gêmea em Pereira Barreto e bebe a água do rio. Bebe a água do Rio Tietê. Fazê-lo beber a água do rio. Falar: “Aqui o lanche e o suquinho de uva é com a água do Rio Tietê”. Eu estou com muita vontade de fazer isso, mais do que ficar fazendo obras luxuosas.

Luciano: Fantástico. Isso aí tem um… é o legado, meu caro. Grande Amyr Klink.

Amyr: Prazer falar com você.

Luciano: Que papo gostoso, cara, que legal. Dá para ficar aqui horas e horas, mas eu sei que você tem o teu caminho. Quem quiser entrar em contato, saber do teu caminho, tem a página do Amyr Klink? Tem o blog?

Amyr: Não sei, eu acho que tem. Para falar a verdade, eu nunca olhei. Mas tem na internet. No Waze, você põe lá, tem o endereço do escritório. Se alguém tiver algum projeto ligado à água, coisa sobre a água, a gente tem muito interesse em…

Luciano: Muito bom.

Amyr: Em desenvolver.

Luciano: Cara, que bom ter você aqui. Obrigado pela visita, viu? Espero que a gente…

Amyr: Muito prazer. Obrigado [inint] [01:45:45].

Luciano: …se encontre pelos caminhos vida e pelas águas da vida.

Amyr: E seja bem-vindo a Paraty. A nossa marina se chama Marina do Engenho. É um lugar muito bonito, tem embarcações muito interessantes de vários conceitos filosóficos e diferentes. Barcos de trabalho, de turismo, de mergulho, de morar, de viagem.

Luciano: O Brasil tinha que ter mais olho para isso. Isso devia estar muito mais…

Amyr: Pois é.

Luciano: O que tem de água no Brasil. O que tem de água aqui.

Amyr: Pois é, mas é o pecado da abundância. Quando a gente conhece a escassez, a gente trata tudo com mais respeito. E, infelizmente no Brasil, a gente tem abundância de tudo. Abundância de beleza, abundância de tempo bom, abundância de clima. A gente precisa valorizar de verdade o que a gente tem.

Luciano: Muito obrigado. Abraço.

Amyr; Boa sorte a todos.

Este podcast chega até você com o apoio do Itaú Cultural, que continua promovendo suas ações, e acabam de inaugurar uma mostra com a vida e obra de Lima Duarte. Lima é a cara do brasileiro. A sua história acompanha a evolução dos nossos formatos para contar histórias – rádio, teatro, televisão, cinema e até internet. O ator, diretor, sonoplasta, dublador e apresentador, que completou 90 anos em 2020, é tema da 50ª edição do programa Ocupação Itaú Cultural.

Se você não consegue ir lá visitar, ao vivo, in loco, o Itaú Cultural simplifica: você pode conhecer pelo site mais de cinquenta eventos riquíssimos nos quais dá pra mergulhar.

Procure a Ocupação no itaucultural.org.br.

Agora você tem cultura entrando por aqui, ó: pelos olhos e pelos ouvidos…Agora você tem cultura entrando por aqui, ó: pelos olhos e pelos ouvidos…

https://www.youtube.com/watch?v=U5Bfrke2PQo&ab_channel=BOMBEATS

Rocket Man
Elton John
Bernie Taupin

She packed my bags last night, preflight
Zero hour, 9 AM
And I’m gonna be high
As a kite by then

I miss the Earth so much
I miss my wife
It’s lonely out in space
On such a timeless flight

And I think it’s gonna be a long, long, time
‘Til touchdown brings me ’round again to find
I’m not the man they think I am at home
Ah, no, no, no
I’m a rocket man
Rocket man
Burnin’ out his fuse
Up here, alone

And I think it’s gonna be a long, long, time
‘Til touchdown brings me ’round again to find
I’m not the man they think I am at home
Ah, no, no, no
I’m a rocket man
Rocket man
Burnin’ out his fuse
Up here, alone

Mars ain’t the kind of place
To raise your kids
In fact, it’s cold as hell
And there’s no one there to raise them
If you did

And all this science
I don’t understand
It’s just my job
Five days a week
A Rocket Man
Rocket Man

And I think it’s gonna be a long, long time
‘Til touchdown brings me ’round again to find
I’m not the man they think I am at home
Ah, no no no
I’m a rocket man
Rocket man
Burnin’ out his fuse
Up here, alone

And I think it’s gonna be a long, long time
‘Til touchdown brings me ’round again to find
I’m not the man they think I am at home
Ah, no no no
I’m a rocket man
Rocket man
Burnin’ out his fuse
Up here, alone

And I think it’s gonna be a long, long, time
And I think it’s gonna be a long, long, time
And I think it’s gonna be a long, long, time
And I think it’s gonna be a long, long, time

Bem, e eu não resisti. Tive de terminar este programa mais uma vez com a versão do Maynard James Keenan para Rocket Man. A parábola do navegador solitário, cara, é irresistível…

O Café Brasil é produzido por quatro pessoas. Eu, Luciano Pires, na direção e apresentação, Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e, é claro, você aí, completando o ciclo.

O conteúdo do Café Brasil pode chegar ao vivo em sua empresa através de minhas palestras. Acesse lucianopires.com.br e vamos com um cafezinho ao vivo, online, fresquinho?

De onde veio este programa tem muito mais, especialmente para quem assina o cafebrasilpremium.com.br, a nossa “Netflix do Conhecimento”, onde você tem uma espécie de MLA – Master Life Administration. Acesse confraria.cafe,  experimente o Premium, você vai gostar, cara!

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Para terminar, uma frase de Amyr Klink

Pior que não terminar uma viagem é nunca partir.