Liga e desliga
Chiquinho Rodrigues -Ela disse pra mim que gostar e desgostar eram coisas simples! Que existia dentro dela um botão de “liga e desliga”. Quando esse botão estava no “liga” era porque ela estava amando. Mas quando ela se enchia o saco do cara, era só girar o botão pro “desliga” e ela simplesmente deixava de gostar!
Esse papo saiu no meio de uma conversa com uma aluna minha de violão, o nome dela era Renata e devia ter mais ou menos uns 20 anos.
Além de surpreso, fiquei morrendo de inveja! (Não era a primeira vez que uma mulher entre 20 e 25 anos me dizia isso).
A surpresa foi porque sempre achei que o apaixonar pode sim acontecer em segundos. Mas o esquecer pode levar uma eternidade. (vide Florentino Ariza). E a inveja foi porque percebi que esse botão, esse “acessório”, só consta nos modelos mais novos.
Difícil de se conformar, né?
Passei a minha vida inteira fazendo cagada por causa do meu coração.
Nunca ouvi a razão e nunca consegui controlar meus sentimentos. E agora, acabo descobrindo que existe um botão de “liga e desliga”!
Porra… quero um também!
Fui atrás então.
Acabei reencontrando a Guadalupe, aquela minha maluca que é numeróloga, astrolóloga, taróloga, psicóloga, exotérica, mexe com florais, yoga, feng chui, ufologia, é viciada em manual de instruções, pastel de feira, morou no Tibet, casou e separou umas cinco vezes com o mesmo marido, (que é padre e gay!), já passou e largou a fase da maconha, coca, LSD, chiclete e hoje é ponta esquerda do time de futebol feminino do Parque da Moóca.
Pois bem! Com um currículo desses… só ela mesmo pra resolver meu problema!
No começo ela achou que eu estivesse brincando. Mas depois leu no meu olhar o desespero, quando eu disse que precisava achar esse botão de “liga e desliga” o mais rápido possível. (Nem que estivesse funcionando só a função “desliga”). Pois meu coração estava já meio cansado e naquele momento precisando um pouco de paz e conforto.
– Olha Chico – disse ela, acendendo um incenso de cravo da Índia – esse “botão” não é difícil de encontrar não! Está cheio deles no mercado. Mas só servem pros modelos mais novos. Nos mais antigos não dá pra fazer nem uma gambiarra. Você deveria ter feito vários upgrades no seu coração durante os últimos anos pra poder então agora receber esse tipo de acessório.
– Qual outra saída então?
– Você já pensou em… reposição?
Reposição? Eu já tinha ouvido muito essa expressão quando fazia vídeos para o mercado de autopeças e para a multinacional Dana.
Foi só a Guadalupe ter dito isso que eu logo me imaginei entrando numa loja e pedindo ao balconista:
– Bom dia! Eu gostaria de um coração novo.
– É pro senhor?
– É sim…
– Qual o ano e modelo?
– 1950. Standart…
– A álcool ou drogas?
Pensei em algumas mulheres que tive e disse:
– Drogas.
– Hum… – disse ele olhando para a tela do computador – esse é um modelo muito antigo, careta, crédulo, romântico e quase em extinção. Esse nós não temos mais. Só trabalhamos praticamente com novos modelos.
– O que faço então?
-Talvez o senhor encontre algo em bom estado em algum ferro velho ou desmanches.
Vi então que não era por aí. Pensando nisso tudo perguntei pra Guadalupe se era esse tipo de reposição que ela estava sugerindo e ela esclareceu:
– Não Chico! É um outro tipo de reposição. Veja bem… se o seu coração é antigo, temos que fazer tudo pelo método antigo. Isto é, a reposição de que estou falando não é do seu coração propriamente dito. Mas sim, do que existe dentro dele. Repor é trocar o que já existe por algo novo. Para esquecer um velho amor… só substituindo por outro! É o método antigo. Uma reposição.
Caramba! Já estava difícil eu imaginar um transplante.(mas mesmo assim eu estava topando). Porém, pior que isso era ter que trocar o que estava dentro dele! Isso era simplesmente substituir. Trocar de gostares.
Fui pra casa puto da vida! Tinha gasto uma grana que ia me fazer uma falta danada. Pois além de me cobrar a consulta, a Guadalupe acabou me empurrando uns florais, um baralho de tarô, incenso, velas, castiçais e dois ingressos pro jogo dela no domingo.
Chegando em casa liguei o computador.
Resolvi deixar por enquanto a Norma Finkel de lado e lhe escrever sobre isto. E foi neste ponto que eu vi não que não tinha sequer um final decente, nem algo filosófico, nem uma moral de história e nem nada pra terminar isto aqui.
Mas não esquentei, deixei quieto.
Fui para o banheiro e de frente para o espelho tirei a camisa.
Fiquei lá que nem bobo olhando pro meu peito tentando achar algum compartimento secreto para se trocar as pilhas ou algo assim. Procurando uma maneira inteligente de colocar um botão ou uma alavanca, sei lá. (pensei até em desenhar um botão power on & off pra me sentir mais moderno mas achei meio ridículo).
Então tomei um banho, comi alguma coisa e assisti um pedaço do Jô (que pra variar tava uma merda!).
E com a televisão ainda ligada peguei no sono e dormi…
… com as mesmas incertezas de sempre.