Café Brasil 229 – A Palavra Degradada
Luciano Pires -E lá vamos nós pro cafezinho! Quem escuta o Café Brasil sabe como gostamos de falar de palavras, da linguagem, do jeito como nos comunicamos, não é? Pois hoje não será diferente. E vamos focar nos políticos que maltratam o idioma para parecerem populares. Esse assunto, além de fascinante, tem muito a ensinar. A trilha sonora é uma delícia, com Dona Ivone Lara, Coral Som Livre, Luciana Rabello , Grupo Vou Vivendo ,As Cangaceiras, Jessier Quirino, Odorico Paraguaçú e, é claro, Luis Inácio Lula da Silva. Apresentação de Luciano Pires.
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Bom dia, boa tarde, boa noite, e lá vamos nós pro cafezinho! Quem escuta o Café Brasil sabe como a gente gosta de falar de palavras, da linguagem, do jeito como nos comunicamos, não é? Pois hoje não será diferente. Esse assunto, além de fascinante, tem muito a ensinar.
Pra começar, um versinho de Tobias Barreto:
Não sei porque a língua humana
Os brutos não falam mais
Quando hoje tem melhor vida
E há muita besta instruída
Nas ciências sociais
Opa! E é ao som de BELISCANDO O CAVAQUINHO, DE Sérgio Régis, com Luciana Rabello que vou anunciar o prêmio da semana!
Vejamos… Vai para… Araceli Pedroso que comentou assim:
Sou mãe de primeira viagem, tenho uma filha linda que é um presente divino. Adoro brincar, ler, assistir filme e pintar com ela. Desde quando ela tinha seis meses de vida eu dedicava o pouco tempo que me restava após o trabalho para apreciar esta formosura e praticar alguma atividade com ela.
Mês que vem ela vai completar três anos de idade e já monta quebra-cabeça de 24 peças com a maior facilidade, muitas pessoas não acreditam e só vendo para acreditar.
E como toda mãe de primeira viagem, perguntei a minha filha o que ela gostaria de ganhar e ela me disse um quebra-cabeça. Achei um presente singelo e a levei a uma loja de brinquedos, enquanto meu esposo mostrava a ela alguns brinquedos fui em busca do quebra-cabeça, encontrei um que achei que ela iria adorar e andando pela loja ela veio de encontro a mim, para a minha surpresa ela estava com o mesmo quebra-cabeça na mão falando: quero este mamãe. Não tive dúvidas e levei o quebra-cabeça para a casa. Quando chegamos em casa ela já foi abrindo e pediu para ajudá-la, do jeitinho dela, abrimos e começamos a montar para mim foi maravilhoso é claro, o verdadeiro valor do presente não estava no preço e sim no momento em que estávamos juntas.
Voltando ao relato, algumas pessoas me questionaram o que eu dei para a minha filha e quando ouviram um quebra-cabeça via em suas faces a insatisfação e me questionaram o preço, respondi e ainda fiquei como a mãe perversa. Então percebi que são pessoas que valorizam apenas o preço e realmente não sabem qual é o verdadeiro valor, tentei até falar algo, mas estavam mais preocupadas em discutir o valor monetário e é claro continuo sendo a mãe perversa. Feliz ano novo a todos… da mãe perversa mas valiosa…
Oração da Mãe Menininha
Ai! minha mãe
minha mãe menininha
ai! minha mãe
menininha do Gantois
– a estrela mais linda, hein?
– tá no Gantois
– a beleza do mundo, hein?
– tá no Gantois
– e a mão doçura, hein?
– tá no Gantois
– o consolo da gente, ai?
– ta no Gantois
– a oxum mais bonita, hein
– ta no gantoi
Olorum que mandou
essa filha de oxum
toma conta da gente
e de tudo cuida
Olorum que mandô-ê-ô
ora-iê-iê-ô.
Olha só! Em homenagem à Araceli, você vai ouvir no podcast, mais Dorival Caymmi no Café Brasil! Aqui é a ORAÇÃO DA MÃE MENININHA, com Dona Yvone Lara.
A Araceli ganhou um exemplar de meu livro NÓIS QUI INVERTEMOS AS COISA autografado.
E você? Pra concorrer é só comentar este programa no www.portalcafebrasil.com.br.
Em 2009 lancei meu quinto livro, chamado NÓIS QUI INVERTEMO AS COISA.É muito engraçado ver as pessoas tentando falar o nome do livro. Ninguém parece acreditar: NÓIS…QUI INVERTEMO AS COISA!
O livro trata de um país que inverteu seus valores morais, onde as pessoas parecem resignadas diante do comportamento errado e até desprezível de seus conterrâneos, sejam eles o político famoso ou o professor do cursinho.
Ninguém mais parece se indignar com os ataques aos valores morais. E usei o português falado errado no título do livro, pois nunca antes neste país o falar errado foi tão adotado como instrumento dos políticos para se aproximar do povo.
É claro que o exemplo mais acabado dessa arma marqueteira é Luiz Inácio Lula da Silva, que parece que desaprendeu a falar ao longo da carreira. Os petistas ficam fulos quando digo isso, mas não adianta ficar nervoso. A internet mais propriamente o Youtube está aí para provar…
Quer ouvir? Ouça no podcast, o então líder metalúrgico Lula, falando numa entrevista em 1978…
Que tal? 1978. O Lula dava umas derrapadinhas, mas colocava as palavras no plural, fazia concordância entre sujeito e verbo e usava palavras até sofisticadas. Com um pouquinho de treino, ficaria perfeito… Vamos comparar agora com o Lula de trinta anos depois? Esse que a gente conhece agora?
Pois é… levou trinta anos pro Lula desaprender a falar. Não mesmo. Falar errado, para os políticos, é uma ferramenta…
Pois é. Mas quando falo desse lance de maltratar o idioma, alguns marxistas disfarçados de linguistas me enchem o saco. Mandam aqueles previsíveis e-mails xingando de preconceituoso, de elite e aquelas coisas. Mas não adianta.
Tratar a destruição da linguagem como questão ideológica só serve para os que querem destruir uma cultura. Mas esse não é um problema só do Brasil, não.
Vou trazer a seguir trechos de um artigo de Santiago Kovadloff no jornal La Nacion. Repare que aquilo que ele escreve sobre a Argentina, aplica-se perfeitamente ao Brasil. E acho que a todos os outros países…
Ao fundo, no podcast, você está vai ouvir URUBU MALANDRO, de Braguinha, aqui com Grupo Vou Vivendo.
A interdependência entre linguagem, moral e política é indiscutível.
O crítico literário francês George Steiner pôde constatar “as pressões exercidas pela decadência cultural sobre a linguagem”.
Desde o início dos anos 60, advertiu que “as exigências da cultura e da comunicação de massa têm forçado a linguagem a desempenhar papéis cada vez mais grotescos.”
A obscenidade do grotesco consiste em sua ostentação na exposição da vulgaridade como um bem.
Líderes políticos incorporam em seu vocabulário a grosseria e a insolência como se não fossem ou, ainda pior, como se fossem dignos de divulgação.
Abertamente e com frequência cada vez maior, fazem eco deste fascínio pela grosseria verbal, esforçando-se em apresentá-la como uma garantia de autenticidade e proximidade com seu público. A brutalidade, o ordinário e o grotesco foram pavimentando o caminho para algo ainda pior: o movimento progressivo de todos os tipos de violência verbal.
E a chamada classe política não hesitou em fazer sua própria contribuição para esse exercício irresponsável da palavra, transformando o adversário em inimigo e a discordância com sua própria opinião em um insulto. A deterioração da linguagem tem uma forte influência sobre a força das idéias.
Como bem observado por Steiner, à medida que esta deficiência se acentua “a linguagem deixa de configurar o pensamento avançando para a brutalização.”
Sejamos claros: quando a linguagem se corrompe, algo mais do que a linguagem está corrompido. O lixo em que se transforma, inevitavelmente contamina o pensamento.
E referindo-se ao governo de Cristina Kirshner, Santiago Kovadloff diz assim:
O caso da atual liderança do partido governista é, neste sentido, patético. Ter adversários os repugna e acabam definindo-os como sendo seres insignificantes. Os maus-tratos que lhes são impostos não têm limites. Com isso, a política conhecida tende a desaparecer. Em vez disso, tem seu lugar ocupado pelo despotismo.
A intenção por trás dele não esconde seu propósito. A demagogia e a intolerância andam de mãos dadas. A pluralidade de critérios horroriza sua propensão para o monólogo.
Assim não incentiva o debate, mas sim o maniqueísmo. A discordância necessária se transforma, sob o seu peso, em confrontação. E o confronto, em seu caso, em uma prática voltada para o extermínio do adversário. A degradação do idioma, em boa parte dos políticos, reflete a magnitude alcançada pela perda do valor das investiduras. Tão difundida é essa degradação que seria injusto supor que os políticos tem o monopólio da degradação da linguagem. Mas é inegável que em suas fileiras esta prática encontra uma maior aceitação.
É inquestionável que a meta para a qual se encaminha, na política, a degradação da palavra, é a subordinação forçada de toda dissidência a uma vontade despótica. Uma nova raça de excluídos começa ser forjada pela intolerância do poder. Os membros são aqueles que desejam continuar exercendo o pensamento crítico. Assim, à insegurança conhecida se acrescenta uma nova.
Andar pelas ruas, avenidas e vias é, há muito, um risco radical. Freqüentar livremente o caminho das palavras começa a ser também. Duas formas de crime se complementam para multiplicar uma mesma desolação.
O burro da fazenda
Na minha fazenda tem um burro
Um nunca vi um burro tão manhoso
Quando tem fome é muito teimoso
E quando empaca não trabalha nem a murro
Nasceu para chefe de sessão
Esse burro só é burro porque errou a vocação
Ele é o lider da maioria da bicharia lá do curral
Ele já disse tanta tolice
Que na fazenda é o maioral
Ai que burro inteligente
Eu não troco esse burro, viu
Por muita gente.
Olha só! Você está ouvindo, no podcast, O BURRO DA FAZENDA, com AS CANGACEIRAS, um trio feminino que fazia forró lá pelos anos setenta em Pernambuco. Muito apropriado…
Mas olha só quem está falando de maltratar o idioma…logo eu que venho do interiorrrrr, lá de onde nóis, os caipira, falemo as coisa tudo errado… Pois é.
Mas existe uma diferença brutal entre falar errado por influências culturais e falar errado para parece mais popular, né?
Comício em beco estreito
“Pra se fazer um comício
Em tempo de eleição
Não carece de arrodei
Nem dinheiro muito não
Basta um F-4000
Ou qualquer mei caminhão
Entalado em beco estreito
E um bandeirado má feito
Cruzando em dez posição.
Um locutor tabacudo
De converseiro comprido
Uns alto-falante rouco
Que espalhe o alarido
Microfone com flanela
Ou vermelha ou amarela
Conforme a cor do partido.
Uma ganbiarra véa
Banguela no acender
Quatro faixa de bramante
Escrito qualquer dizer
Dois pistom e um taró
Pode até ficar melhor
Uma torcida pra torcer
Aí é subir pra riba
Meia dúzia de corruto
Quatro babão, cinco puta
Uns oito capanga bruto
E acunhar na promessa
E a pisadinha é essa:
Três promessa por minuto.
Anunciar a chegança
Do corruto ganhador
Pedir o “V” da vitória
Dos dedo dos eleitor
E mandar que os vira-lata
Do bojo da passeata
Traga o home no andor.
Protegendo o monossílabo
De dedada e beliscão
A cavalo na cacunda
Chega o dono da eleição
Faz boca de fechecler
E nesse qué-ré-qué-qué
Vez por outra um foguetão.
Com voz de vento encanado
Com os viva dos babão
É só dizer que é mentira
Sua fama de ladrão
Falar dos roubo dos home
E tá ganha a eleição.
E terminada a campanha
Faturada a votação
Foda-se povo, pistom
Foda-se caminhão
Promessa, meta e programa…
É só mergulhar na Brahma
E curtir a posição.
Sendo um cabra despachudo
De politiquice quente
Batedorzão de carteira
Vigaristão competente
É só mandar pros otário
A foto num calendário
Bem família, bem decente:
Ele, um diabo sério, honrado
Ela, uma diaba influente
Bem vestido e bem posado
Até parecendo gente
Carregando a tiracolo
Sem pose, sem protocolo
Um diabozinho inocente”.
Grande Jessier Quirino, com seu COMÍCIO DE BECO ESTREITO
Jessier Quirino abriu caminho para que eu traga como lembrança aos envelhescentes e conhecimento aos adolescentes uma criação imortal dos anos sessenta. De Dias Gomes, um personagem fundamental para quem quer entender como funcionam os políticos que usam o idioma como ferramenta. É com muita honra que convido para o Café Brasil talvez o mais famoso e importante político populista que este país já conheceu. Ele, que é a síntese de todos os coronéis que conhecemos e que já foi interpretado por Procópio Ferreira, Rolando Boldrin e Marco Nanini.
Ele, que vem ao Café Brasil na genial encarnação de Paulo Gracindo. Com vocês, Sua Excelência, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçú.
O bem amado
A noite no dia, a vida na morte, o céu no chão
Pra ele, vingança dizia muito mais que o perdão
O riso no pranto, a sorte no azar, o sim no não
Pra ele, o poder valia muito mais que a razão
Quando o sol da manhã vem nos dizer
Que o dia que vem pode trazer
O remédio pra nossa ferida, abre o meu coração
Logo o vento da noite vem lembrar
Que a morte está sempre a esperar
Em um canto qualquer desta vida
Quer queira, quer não
O espanto na calma, coragem no medo
Vai e vem, o corpo sem alma
Ainda na noite o mal e o bem
A noite no dia, a vida na morte, o céu no chão
Pra ele, vingança dizia muito mais que o perdão
Bem, a questão de degradar a palavra com objetivos políticos tem tudo a ver com a prática daquilo que a gente chama de populismo. O populismo é um “modo” de exercer o poder, combinando vulgaridade, autoritarismo e dominação carismática.
O populismo caracteriza-se pelo contato direto entre as massas urbanas e o líder carismático, supostamente sem a intermediação de partidos ou corporações.
Para ser eleito e governar, o líder populista procura estabelecer um vínculo emocional (e não racional) com o “povo”. Isso implica num sistema de políticas ou métodos para o aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo, além da classe média urbana, como forma de angariar votos e prestígio através da simpatia daquelas.
Sacou? Qualquer semelhança com o Coronel Odorico Paraguaçú ou com a realidade que estamos assistindo por aí, não é mera coincidência
E é ao som de O BEM AMADO, de Toquinho e Vinícius de Moraes lá em 1973, na interpretação do Coral Som Livre, que este Café Brasil que tratou de esperteza vai embora.
Ô meu, além de prestar atenção no que está sendo dito pra você, repare bem em como está sendo dito. Esse como explica muita coisa…
Com Lalá Moreira na técnica, Cissa Camargo na produção e eu, Luciano Pires, na direção e apresentação.
Estiveram conosco o grupo Vou vivendo, dona Ivone Lara, Luciana Rabello, o coral Som Livre, as Cangaceiras, Jessier Quirino,o coronel Odorico Paraguaçu e claro, seu colega Luiz Inácio Lula da Silva.
Quer mais? Visite www.portalcafebrasil.com.br e cadastre-se em nossa comunidade.
Para terminar, que tal uma frase do crítico literário francês George Steiner?
Sejamos claros: quando a linguagem se corrompe, algo mais do que a linguagem está corrompido.
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